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REVISTA DA ARMADA | 526


                                                       VIGIA DA HISTÓRIA                                 100









                                                       DESPEDIDAS









                                                          inda nos nossos dias a saída de um navio para o mar, em especial se
                                                       Apara uma viagem relaƟ vamente longa, é objecto de grandes e caloro-
                                                       sas despedidas.
                                                        Em pleno Séc. XVIII, quando a escassez de entretenimentos era grande e
                                                       não exisƟ am os actuais meios de comunicação, as parƟ das e as chegadas
                                                       dos navios, por serem “um acontecimento”, assumiam grandes propor-
                                                       ções, fenómeno esse que se prolongou no tempo e do qual ainda hoje
                                                       subsiste na memória na expressão popular “Dia de São Vapor“.
                                                        É sabido, igualmente, por quem já passou por situações destas que,
                                                       quando é permiƟ da a entrada a bordo das pessoas que se vão despedir
                                                       dos seus familiares e amigos, a sua saída do navio se assemelha, algumas
                                                       vezes, a uma missão impossível.
                                                        No Séc. XVIII, a chegada de navios a Lisboa era obrigatoriamente sujeita
                                                       a uma visita de um juiz, a chamada “visita do ouro“, com o objecƟ vo pri-
                                                       meiro de detectar eventuais situações de contrabando daquele metal e,
                                                       complementarmente, idenƟ fi car os tripulantes e passageiros embarcados
                                                       verifi cando a respecƟ va documentação, registar os Ɵ pos e quanƟ dades
                                                       de carga transportados, bem como os principais eventos verifi cados no
                                                       decurso daquela viagem.
                                                        Foi através da leitura de um dos relatórios dessas visitas do ouro que
                                                       tomei conhecimento do episódio que seguidamente se relata.
                                                        O navio S. José Belisário, de que era capitão Nicolau Rodrigues dos San-
                                                       tos, chegou a Lisboa, vindo do Rio de Janeiro, e foi sujeito à visita do ouro
                                                       em 7 de Julho de 1793, tendo o respecƟ vo capitão declarado que, pouco
                                                       tempo depois de ter largado do Rio de Janeiro, e já sem possibilidades de
                                                       ali regressar, fora dada pela presença a bordo de um indivíduo, de nome
                                                       Manuel da Costa Ramos, que ninguém conhecia e que dissera ter a profi s-
                                                       são de cravador de diamantes no Rio de Janeiro, sem contudo ter consigo
                                                       algum documento que comprovasse o que afi rmara.
                                                        Quando quesƟ onado sobre a sua invulgar presença a bordo o indivíduo
                                                       em causa terá declarado que, tendo ido ao bota fora do navio, entrara a
                                                       bordo e confraternizara com alguns dos tripulantes, bebendo algum vinho
                                                       em excesso, razão pela qual adormeceu num canto e falhara o desembar-
                                                       que, juntamente com as muitas pessoas que se encontravam a bordo em
                                                       situação semelhante.
                                                        Dado que a bordo ninguém o reconhecia o Desembargador dos Agravos
                                                       ordenou a sua prisão no Castelo até que o assunto fosse completamente
                                                       esclarecido o que, atendendo aos meios de comunicação da época, levaria
                                                       alguns largos meses.
                                                        Convenha-se que, para uma despedida, ou para um excesso de bebida, o
                                                       tempo de prisão que iria sofrer era, sem dúvida, excessivo.

                                                                                                      Cmdt. E. Gomes


                                                       N.R. O autor não adota o novo acordo ortográfi co

                                                       Fonte : Arquivo Histórico Ultramarino doc. 11420 Rio de Janeiro


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