Page 12 - Revista da Armada
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19       PRINCÍPIOS DE DIREITO MARÍTIMO


                   A MULTIFUNCIONALIDADE DA AUTORIDADE


                   MARÍTIMA LOCAL E OS REGIMES

                   SANCIONATÓRIOS DO FORO MARÍTIMO






                      ma autoridade com a configuração jurídico-funcional   a defesa e preservação das espécies, a proteção do meio
                  Uda Autoridade Marítima Local (AML), aqui entendida   ecosistémico marinho, a salvaguarda do ordenamento cos-
                   na  exacta  definição  estatuída  no  nº  1, do  artigo  13º, do   teiro, ou a garantia da boa execução e desenvolvimento das
                   Decreto-Lei nº 44/2002, de 2 de Março – diploma que pro-  actividades marítimas e portuárias; são, portanto, a con-
                   cedeu ao primeiro e fundamental degrau da reforma de   sequência jurídica do dano causado pelo cometimento do
          DIREITO DO MAR E DIREITO MARÍTIMO
                   todo  o  quadro  da  Autoridade  Marítima  Nacional  (AMN),   ilícito contra-ordenacional típico do direito marítimo.
                   da  Direção-Geral  da  Autoridade  Marítima  (DGAM)  e  da   No âmbito do designado direito contra-ordenacional, o
                   Polícia Marítima (PM) –, exige, na amplitude de todas as   regime geral atribui legitimidade à autoridade administra-
                   suas intervenções, um interesse acrescido por aqueles que   tiva para aplicar sanções, atribuindo-lhe, como a doutrina
                   são estudiosos do direito marítimo aplicado, em especial   aponta, uma posição jurídica de supremacia, ou seja, um
                   pela específica pauta técnico-administrativa que regula a   poder público de autoridade, in casu, sancionatório, com
                   sua  actividade,  os  órgãos  em  si,  e  a  especialíssima  rela-  vista à realização dos fins de interesse público, ou seja, pre-
                   ção intrínseca que tem com uma estrutura absolutamente   venindo e corrigindo situações típicas de irregularidade e
                   nuclear  ao  exercício  da  autoridade  pública  nos  espaços   ilegalidade, sendo que, paralelamente, vincula, no aplicá-
                   dominiais,  portuários  e  marítimos,  que  é  a  Polícia  Marí-  vel, os cidadãos às decisões da Administração. Os regimes
                   tima.                                          contra-ordenacionais  têm,  portanto,  uma  dupla  função
                    A sua multifuncionalidade é especialmente evidente na   jurídica,  e  são  fundamentais  ao  exercício  da  autoridade
                   amplíssima moldura de competências que a lei lhe comete,   pública. Assim, e estando inerente nas situações em que
                   quer  pelo  que  resulta  expressamente  do  artigo  13º  do   os mesmos se aplicam a violação dos valores que o dano
                   DL  44/2002,  quer  por  um  muito  vasto  elenco  de  diplo-  inflige, é especialmente relevante atentar na preocupação
                   mas  vigentes  no  ordenamento  jurídico  nacional,  factor   do legislador aquando da formulação dos regimes contra-
                   que reflecte, em toda a sua extensão material, a absoluta   -ordenacionais específicos, dos quais, pela natureza do pre-
                   imprescindibilidade do Estado Português deter um órgão   sente artigo, apenas atentaremos em dois deles: a poluição
                   com estas características específicas – exigidas, também,   marítima e os ilícitos contra-ordenacionais tipificados pelo
                   naturalmente,  pela  natureza  própria  do  meio  marítimo-  DL 45/2002, de 2 de Março.
                   -portuário  –,  ainda  mais  sendo  caracterizado  por  estar,   O  quadro  jurídico  português,  em  matéria  de  poluição
                   desde sempre, sedeado num formato administrativo des-  marítima, sustenta as suas premissas no estabelecido na
                   concentrado,  local,  de  evidente  proximidade,  sem  pre-  Convenção  das  Nações  Unidas  sobre  o  Direito  do  Mar
                   juízo da verticalidade hierárquica funcional com que a lei   (CNUDM), em especial nos pontos 4) e 5) do artigo 1º, na
                   o define.                                      alínea h), do nº 2, do artigo 19º, na alínea f), do nº 1, do
                    Estudando uma entidade com estas características, é de   artigo 21º, artigos 56º e 58º, e, no geral, a Parte XII, desig-
                   sobremaneira importante atentar no formato de auctori-  nadamente nos artigos 195º, 210º, 211º, 218º, e 220º e
                   tas que a lei lhe confere, e que se plasma, se quisermos   226º, e, também, em todo o âmbito convencional previsto
                   atentar apenas na formação decisória, nos actos e proce-  no artigo 2º do Decreto-lei nº 235/2000, de 26 de Setem-
                   dimentos que regulam situações e que se corporizam em   bro, em especial a Convenção Internacional para a Preven-
                   decisões administrativas e, no âmbito que a lei lhes con-  ção da Poluição por Navios (MARPOL) de 1973, e respec-
                   fere, em decisões do foro contra-ordenacional. Esta espe-  tivo Protocolo de 1978, a Convenção para a Prevenção da
                   cialíssima auctoritas é, nesta reflexão, especialmente rele-  Poluição Marinha de Origem Telúrica, de Paris, 1974, e a
                   vante quanto a estas últimas, tanto pelo que se estabelece   Convenção para a Protecção do Meio marinho do Atlântico
                   na forma conjugada no nº 7, do artigo 13º, do DL 44/2002,   Nordeste, de Paris, de 1992.
                   e no artigo 5º da Lei nº 35/86, de 4 de Setembro, como pela   Nos princípios e pressupostos definidos, o quadro de san-
                   natureza  conceptual  de  ser  a  AML  a  decidir  em  matéria   ções aplicáveis deve ser adequado ao tipo de dano gerado
                   contraordenacional em mais de 20 (vinte) regimes sancio-  pelo infractor, tomando em consideração qualquer altera-
                   natórios marítimos.  E esta sua premissa funcional é tanto   ção do meio marinho directa ou indirectamente provocada
                   mais relevante como o é o facto das coimas deverem ser   pelo Homem, sendo fundamental, nesta dimensão, a polí-
                   adequadas ao sentido público que se visa com os regimes   tica pública definida, a qual tem por premissa, além do prin-
                   estatuídos, traduzindo-se na censurabilidade do acto – ilí-  cípio da legalidade sancionatória, o princípio da proteção e
                   cito – praticado, susceptível de causar danos a bens públi-  preservação do meio marinho e, atenta a valoração axioló-
                   cos ou que integram bens no património público, tais como   gica das preocupações com a defesa ambiental e eco-sisté-
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