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REVISTA DA ARMADA | 539
SAÚDE PARA TODOS 64
ORELHAS DE ABANO
O furor pelos filmes da Disney, em live-action, chegou a Portugal. A próxima estreia está prevista para o dia 28 de março de 2019:
Dumbo. O título faz parte de um ambicioso projeto da Disney na produção de remakes em live-action de clássicos animados. Existem
já milhares de cartazes fixados por Portugal. Sempre que os vejo penso no personagem Dumbo, o elefante bebé cujas orelhas gigan-
tes faziam dele alvo de troça, mas penso sobretudo nos indivíduos que nascem com uma deformidade auricular chamada orelhas
de abano, também conhecida como orelhas proeminentes, orelhas descoladas, orelhas aladas, orelhas em abdução ou mesmo Hélix
valgus. A ridicularização de que são alvo e as sequelas emocionais e sociais que daí resultam, na maioria dos casos, podem tornar-se
permanentes. A correção cirúrgica apresenta-se como o meio preventivo e de tratamento mais eficaz para o sofrimento psicológico
destes indivíduos, além de eliminar o defeito estético propriamente dito.
A deformidade auricular conhecida como orelhas de abano é 5-8 dias já normalizaram. É dada medicação analgésica aquando da
comum, ocorrendo em cerca de 5% da população. Atinge tanto alta e os pacientes devem usar uma fita elástica na cabeça durante
o sexo masculino como o feminino e resulta de uma deformação alguns dias para que as orelhas cicatrizem na sua nova posição. As
congénita, ou seja, já está presente na altura do nascimento, porém complicações desta cirurgia são pouco frequentes: hemorragia, infe-
torna-se mais visível com o desenvolvimento. Esta pode apresentar ção, assimetria, má cicatrização das feridas, alteração na sensibili-
uma incidência maior onde houver história familiar. dade da pele, irregularidades no contorno da pele, descoloração da
O desenvolvimento das orelhas acontece entre a 3ª e a 12ª sema- pele, entre outras. As cicatrizes ficam atrás das orelhas, sendo pra-
nas de vida embrionária e é um processo complexo. No caso das ticamente imperceptíveis, e os pontos costumam ser absorvíveis,
orelhas de abano, em que se observa o pavilhão auricu- pelo que não precisam tirar-se.
lar afastado do crânio em mais de 2 cm, ou com um A maior preocupação dos pacientes é a recidiva,
ângulo superior a 30 entre o pavilhão auricular e ou seja, a orelha voltar ao abano que tinha antes
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o crânio, a malformação estética pode decor- da cirurgia. Isto pode ocorrer em até 30% das
rer de duas situações: formação excessiva de cirurgias, contudo quanto mais cedo na vida é
cartilagem na região da concha e/ou falta realizada a cirurgia, quanto mais experiente
da dobra adequada da anti-hélice. Exis- é o cirurgião e mais à risca forem seguidos
tem outras malformações menores que todos os cuidados pós-operatórios pelos
podem acentuar a deformidade como um pacientes, menor o risco de recidiva. É
todo, tais como lóbulos da orelha proemi- cada vez mais rara a necessidade de uma
nentes e a inserção errónea do músculo segunda cirurgia.
auricular posterior. A altura ideal para se fazer a otoplastia
Dado o indivíduo possuir orelhas que é quando o próprio paciente se começa a
estão saídas e afastadas da cabeça, estas dão sentir incomodado com a estética das suas
a impressão de serem maiores e chamam, orelhas, caso contrário, pode causar trauma às
necessariamente, a atenção para essa região crianças por não compreenderem a necessidade
do corpo. As orelhas de abano são uma fonte de DR de serem submetidas a uma cirurgia, além de que
grande constrangimento, principalmente na infância, não serão colaborantes durante todo o processo pré
onde a criança fica mais vulnerável a determinadas brinca- e pós-cirúrgico. A maioria do crescimento do pavilhão auri-
deiras de amigos e colegas, originando grandes traumas psicológicos cular completa-se numa idade precoce (a criança média tem 85%
e de comportamento, podendo mesmo chegar a causar isolamento do desenvolvimento da orelha perto dos 3 anos de idade). A orelha
social. As raparigas com orelhas de abano habitualmente recusam- tem o seu crescimento finalizado próximo dos 7-8 anos de idade. A
-se a usar o cabelo curto ou apanhado. Os rapazes, em geral, não altura da orelha continua a crescer na fase adulta, mas a largura e a
têm essa opção. distância da orelha ao couro cabeludo mudam muito pouco após os
Esta deformidade não pode ser corrigida através de adesivos ou 10 anos de idade. É importante salientar que cada uma das orelhas
fitas que comprimem a orelha. O único tratamento possível é a cirur- de uma pessoa variam entre si, em forma e tamanho. Posto isto, a
gia. A cirurgia de correção das orelhas de abano chama-se otoplastia maioria dos cirurgiões concorda que a correção cirúrgica das ore-
e o seu objetivo é colocar as orelhas na sua posição natural, dar-lhes lhas de abano pode ser realizada com segurança entre os 4 anos de
um aspeto harmonioso e camuflar qualquer evidência da interven- idade e o início da escola, a fim de evitar a ridicularização, a deficiên-
ção cirúrgica. Habitualmente a orelha é abordada por detrás e são cia na autoimagem (autoafirmação), os problemas de ajuste social
usadas várias técnicas simultaneamente, entre as quais, remoção e, finalmente, as desordens comportamentais. É uma das cirurgias
de cartilagem excessiva, suturas para dobrar a cartilagem, desgaste programadas mais comuns de se realizar em crianças. Os adultos
de cartilagem ou fixação do pavilhão auricular aos tecidos moles do continuam a apresentar-se para correção dos defeitos estéticos de
crânio. Portanto, varia de caso para caso. Esta cirurgia é realizada longa data.
sob anestesia local ou geral e tem a duração de 45-120 minutos,
habitualmente. Dependendo dos casos, o doente pode ter alta no Ana Cristina Pratas
próprio dia ou ter um internamento de curta duração. É habitual 1TEN MN
as orelhas incharem e ficarem com equimose, mas passados uns www.facebook.com/participanosaudeparatodos
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