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REVISTA DA ARMADA | 539




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          DA IMPERIOSIDADE DE PROTEGER


          OS CABOS SUBMARINOS




              “Um rico manancial para a intelligence, uma disrupção decisiva da economia inimiga e uma coroa de glória para a Marinha Russa”,
                                             Almirante James Stravidis, sobre a possibilidade de um ataque russo a cabos submarinos



             os  últimos  anos,  tem-se  falado  cada   Neste  quadro,  as  preocupações  das   de comunicações que ligavam a região ao
         Nvez  mais  da  importância  do  domí-  nações ocidentais e da NATO, como prin-  resto do mundo.
          nio cibernético, que se tornou o sistema   cipal garante da defesa coletiva ocidental,   Em segundo lugar, a aposta decidida da
          nervoso central do mundo globalizado. O   têm-se voltado para a potencial ameaça   Rússia  na  sua  marinha  e,  em  concreto,
          que poucas pessoas têm presente é que   da Rússia, devido, principalmente, a dois   na  arma  submarina,  com  o  desenvolvi-
          o ciberespaço tem uma fortíssima dimen-  fatores.                    mento de novos projetos de submarinos
          são submarina, uma vez que cerca de 97%   Em primeiro lugar, a condução, por parte   e a modernização de várias unidades mais
          das comunicações de dados e de internet   da  Rússia,  de  uma  guerra  híbrida  na  Cri-  antigas,  tornando-as  mais  silenciosas  e
          intercontinentais circulam, não pelo ar ou   meia e no leste da Ucrânia, a qual envolveu   mais difíceis de detetar. Essa aposta não
          pelo espaço, mas através dessas verdadei-  um grande foco na dimensão informacio-  se  cinge  à  vertente  genética,  incidindo
          ras autoestradas digitais que atravessam   nal, incluindo campanhas de propaganda,   também na vertente operacional, com um
          os  oceanos.  Os  cabos  submarinos  são,   ciberataques, desvio de tráfego da internet   aumento muito significativo das patrulhas
          assim, o centro de gravidade da infraes-  e ataques físicos a infraestruturas dos sis-  submarinas por todo o mundo. Em para-
          trutura física que suporta, no mundo real,   temas de comunicação. Ora, não é difícil   lelo,  a  Rússia  tem  vindo  a  desenvolver
          o mundo virtual do ciberespaço.   concluir que a disrupção de cabos subma-  pequenos  submersíveis  auxiliares  que,
           No  entanto,  os  cabos  submarinos  não   rinos  se  enquadra  perfeitamente  numa   de  acordo  com  um  relatório  do  Center
          estão minimamente protegidos. O recente   modalidade  de  ação  deste  tipo,  pois  os   for  Strategic  &  International  Studies,  de
          relatório “Undersea Cables: Indispensable,   ataques são de difícil atribuição, não envol-  2016,  “são  capazes  de  manipular  obje-
          insecure”,  do  think-tank  britânico  Policy   vem  violência  cinética  direta  e  situam-se   tos  no  solo  marinho  e  podem  intercetar
          Exchange,  aponta  três  principais  razões   naquela zona cinzenta em que não é claro   comunicações  de  cabos  submarinos  ou,
          para essa vulnerabilidade: (i) a sua locali-  que possam ser considerados um ataque a   ainda,  destruir  infraestruturas  no  fundo
          zação é pública; (ii) encontram-se bastante   um  país,  dificultando,  também,  a  invoca-  do  mar”.  A  Marinha  Russa  conta,  ainda,
          concentrados  em  termos  geográficos,   ção do artigo 5.º da NATO.  Aliás, aquando   com o navio de investigação e de recolha
          tanto no mar, como em terra; e (iii) não são   da invasão da Crimeia, uma das ações ini-  de informações Yantar, equipado com dois
          necessários  muitos  conhecimentos,  nem   ciais das forças russas foi cortar os cabos   submersíveis da classe Konsul (o Konsul e o
          muitos recursos, para os danificar.
           No  artigo  do  mês  passado,  já  abordei   Cabo submarino de fibra ótica.
          alguns  dos  riscos  não  intencionais  que
          afetam os cabos submarinos. Porém, eles
          também estão expostos a ataques delibe-
          rados no mar e em terra (junto aos locais
          de amarração), tanto por grupos terroris-
          tas, como por atores estatais no âmbito de
          estratégias conflituais de natureza híbrida.
          Essa não é, aliás, uma novidade nos con-
          flitos militares, uma vez que poucas horas
          depois de declarar guerra à Alemanha, em
          5 de agosto de 1914, a Royal Navy cortou
          os  cinco  cabos  submarinos  que  serviam
          as  comunicações  transatlânticas  alemãs.
          O corte de cabos de comunicação subma-
          rinos foi também uma prática recorrente
          durante a II Guerra Mundial.


          4   ABRIL 2019
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