Page 4 - Revista da Armada
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REVISTA DA ARMADA | 544





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              AS MARINHAS E A DEFESA


              DOS INTERESSES ECONÓMICOS



                    “The tradiƟ onal and fundamental relaƟ onship of navies to naƟ onal economies, through the internaƟ onal freedom of the seas
                         and its common heritage, gives mariƟ me forces a unique character that disƟ nguishes them from other types of forces”,
                                                                                           Professor John B. HaƩ endorf (Historiador)
                     “The growth and applicaƟ on of sea power were inƟ mately linked to economic pracƟ ces in a way that land warfare was not”,
                                                                                                  Sir Hew Strachan (Historiador)

                 uƟ lidade das marinhas sempre esteve
              A  muito ligada à defesa dos interesses eco-
              nómicos das nações, a par, naturalmente, da
              sua importância políƟ ca, centrada na preser-
              vação da soberania e na afi rmação externa.
              Olhando para as várias potências maríƟ mas
              da história, até ao fi m da era moderna (desig-
              nadamente, Atenas, Cartago, Veneza, Portu-
              gal, Holanda e Inglaterra), verifi camos que
              exisƟ a uma consciência generalizada sobre
              as potencialidades do poder naval e sobre
              a sua capacidade de interditar, proteger e
              explorar as linhas de comunicação maríƟ -
              mas a seu favor para a práƟ ca do comércio.
              Assim, o desenvolvimento das suas armadas
              assentou, em todos os casos, na necessi-
              dade de proteger o comércio maríƟ mo em
              que se baseava a riqueza e a prosperidade
              nacionais. Mesmo algumas potências conƟ -  Imagem do porto de Angra no séc. XVI (por Jan Huygen van Linschoten), onde se reuniam os navios que
                                                 vinham com riquezas do Oriente e da América, sendo depois escoltados pelos navios da Armada das Ilhas até
              nentais (como Roma, o Império Otomano e   à Península Ibérica, protegendo-os dos piratas e corsários.
              a Espanha), acabaram por edifi car e organi-
              zar armadas poderosas, para defesa de inte-  ao comércio maríƟ mo e às aƟ vidades cone-  para os homens desta terra que agora mais
              resses mercanƟ s, ligados à manutenção e à   xas. Por isso mesmo, o rei D. Manuel I criou,   tratam pelo mar que outros, donde adqui-
              expansão dos seus impérios.        no início do séc. XVI, três armadas para pro-  rem muito proveito & honra, & também cor-
               A este propósito, jusƟ fi ca-se recordar que a   teger a navegação portuguesa, numa época   rem ventura de perderem tudo isso, se o não
              criação da Marinha Portuguesa, com a con-  de grande aƟ vidade comercial: a Armada   conservarem, com esta guerra [i.e., com o
              tratação do genovês Manuel Pessanha por   da Costa, a Armada das Ilhas e a Armada do   poder naval], pois seus contrários lho podem
              D. Dinis, em 1 de fevereiro de 1317, visou   Estreito de Gibraltar.   Ɵ rar… Dando-se a esta guerra [i.e., ao poder
              – além da preservação da independência   Foi nesse quadro que o padre português   naval], têm ganho os nossos Portugueses
              nacional e da afi rmação externa – objeƟ -  Fernando Oliveira, autor do primeiro tratado   muitas riquezas & prosperidade”.
              vos económicos, associados à proteção dos   sobre estratégia naval publicado em todo   Mais à frente, o padre português acres-
              pescadores portugueses e dos mercadores   o mundo,  Arte da Guerra do Mar  (1555),   centa que as aƟ vidades maríƟ mas são fun-
              (nacionais e estrangeiros) que sulcavam as   estabeleceu uma ligação muito clara entre o   damentais para a vitalidade económica
              nossas águas, contra os ataques de pira-  poder naval (que ele designava como guerra   de Portugal, advogando, por isso, a sua
              tas e de corsários mouros, bem como ao   do mar) e a economia. O tratado começa,   proteção: “Porque o mar é muito devasso,
              reforço das rotas comerciais com o Norte   mesmo, com um prólogo, em que Fernando   e os homens não podem escusar de nele
              da Europa e o Mediterrâneo. Aliás, durante   Oliveira defende a importância do seu texto,   negociar suas fazendas, uns mercadejando,
              todo o período da expansão maríƟ ma,  a   pelo facto do comércio maríƟ mo ser gerador   outros pescando, e outros como lhes vem
              principal tarefa da Marinha Portuguesa foi   de muito lucro e pela necessidade do país   bem, e dali trazem manƟ mento para a terra,
              a de proteger os interesses económicos do   defender, se necessário pelo uso da força,   portanto cumpre que nele se ponha muito
              Império Português, essencialmente ligados   os seus interesses económicos: “Em especial   recato … com medo ou com severo casƟ go.


              4    SETEMBRO/OUTUBRO 2019
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