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REVISTA DA ARMADA | 544
Fragata Corte-Real escoltando navio mercante junto à Somália.
… Por todas estas razões é necessário haver ele, a verdadeira raison d’être das marinhas: desde 2008, ilustra bem o esforço, conjunto
armadas no mar que guardem as nossas “a necessidade de uma marinha … decorre … e cooperaƟ vo, da comunidade internacional
costas e paragens, e nos assegurem dos da existência de navegação pacífi ca e desa- na proteção da navegação, independente-
sobressaltos que podem vir pelo mar, que parece com ela”. mente do respeƟ vo pavilhão.
são muito mais súbitos que os da terra”. É interessante verifi car que a vantagem Assim, o papel fundamental das marinhas
Pouco tempo depois, mais concretamente compeƟ Ɵ va do comércio maríƟ mo mantém- na proteção do tráfego maríƟ mo não se
em 1615, o corsário e escritor inglês Sir Wal- -se inteiramente válida mais de um século alterou com a globalização, o que mudou
ter Raleigh assinalou a grande ligação entre depois de Mahan ter formulado as suas teo- foi a dimensão do desafi o, que faz com que
o poder naval e o tráfego maríƟ mo, na sua rias, uma vez que, ainda hoje, o transporte nenhum país seja capaz de garanƟ r, por si
célebre frase: “quem dominar o mar, domina por via maríƟ ma é o mais barato. Com efeito, só, a segurança nos mares de todo o mundo,
o comércio; quem dominar o comércio mun- segundo a mais recente edição do livro The obrigando à implementação de estratégias
dial, controlará as riquezas do mundo e, con- Geography of Transport Systems, o custo dos cooperaƟ vas.
sequentemente, o próprio mundo”. vários modos de transporte é o seguinte: Além disso, a tradicional missão de vigilân-
Alguns séculos mais tarde, o famoso almi- • Transporte maríƟ mo e fl uvial: 0,01 dóla- cia e patrulhamento dos espaços maríƟ mos
rante norte-americano Alfred Thayer Mahan res, por tonelada e por milha; evoluiu, desde os tempos de Oliveira e de
viria a empenhar-se no estudo, profundo e • Transporte ferroviário: 0,03 dólares, por Mahan, de forma a abarcar, atualmente, um
detalhado, da infl uência do poder no mar tonelada e por milha; espectro de tarefas muito mais alargado.
(sea power) na ascensão (e na queda) das • Transporte rodoviário: 0,25 dólares, por De facto, hoje em dia as marinhas empe-
grandes potências mundiais, procurando tonelada e por milha; nham-se num conjunto de tarefas ligadas à
demonstrar a forte ligação entre esse poder • Transporte aéreo: 0,59 dólares, por tone- manutenção da lei e da ordem nos espaços
e a prosperidade das nações, que decorre da lada e por milha. maríƟ mos, que se enquadram no relaƟ va-
convicção de que o poder no mar é um faci- Isso jusƟ fi ca o facto de cerca de 90% do mente recente conceito de segurança marí-
litador do poder económico e tem a capaci- comércio e cerca de 50% do petróleo mun- Ɵ ma. Essas tarefas incluem a proteção dos
dade de infl uenciar as pessoas e os eventos. diais circularem por mar, acentuando a recursos marinhos e a repressão de ilícitos
Ou seja, no domínio maríƟ mo, a concep- importância do controlo das linhas de comu- no mar (como o terrorismo, a proliferação
tualização da edifi cação, estruturação e nicação maríƟ mas na atualidade. A grande de armamento, a pirataria, as trafi câncias,
uƟ lização do instrumento militar (i.e., das diferença entre o controlo das rotas maríƟ - as migrações irregulares e outras aƟ vidades
marinhas) assentou, fundamentalmente, mas, tal como teorizado pelos grandes pen- ilícitas). O desempenho destas tarefas bene-
em premissas de índole económica, de uma sadores do passado e tal como requerido fi cia, inequivocamente, dos atributos carac-
forma que não teve paralelo na conceptuali- hoje em dia, reside no âmbito do exercício terísƟ cos do poder naval, nomeadamente
zação relaƟ va a outras componentes do ins- desse controlo. Quando Oliveira e Mahan, versaƟ lidade, mobilidade e autonomia, que
trumento militar. entre outros, escreveram, cada país Ɵ nha potenciam a capacidade de efetuar opera-
Mahan também defendia que o comér- que se preocupar apenas com a manuten- ções de segurança maríƟ ma de largo espetro
cio maríƟ mo “sempre foi mais fácil e mais ção da lei e da ordem junto à sua costa e ao e a grande distância.
barato do que por terra” e que “o trânsito longo das rotas sulcadas pelos navios arvo- Em suma, hoje como ontem, mantém-se a
em largas quanƟ dades e a grandes distân- rando o seu pavilhão. Hoje em dia, a globa- forte ligação entre o poder no mar e a eco-
cias [era] decididamente mais fácil e mais lização, com o consequente incremento do nomia das nações (especialmente das costei-
abundante por mar do que por terra”, pelo tráfego e das rotas maríƟ mas, implica que ras), como procurarei, aliás, detalhar numa
que era fundamental edifi car um forte poder o controlo do mar tenha que ser executado perspeƟ va mais atual, no próximo mês.
no mar, que permiƟ sse desfrutar dessas aƟ - de uma forma muito mais global. O com-
vidades comerciais, através do controle das bate à pirataria ao largo da costa da Somá- Sardinha Monteiro
rotas e dos pontos focais. Essa era, segundo lia, empreendido com parƟ cular incidência CMG
SETEMBRO/OUTUBRO 2019 5