Page 29 - Revista da Armada
P. 29

REVISTA DA ARMADA | 548


              NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA                                                                        83



              A Água, a Saúde e a Adaptação



    :         “A água adapta o seu curso de acordo com a natureza do terreno   Forças Armadas, enƟ dade que está longe de estar sedimentada.
              no qual corre; o soldado escolhe o caminho para a vitória adaptan-  A Reforma da Saúde Militar, além de culturalmente ter a oposi-
    -         do-se ao inimigo que está a enfrentar.  Logo tal como a água não   ção dos ramos (…pelo menos daqueles cujos hospitais fecharam),
    r         tem forma constante, também as circunstâncias na guerra não são   luta por achar uma harmonia com este contexto privado, mais
    -
   o          constantes.”                                        atraƟ vo, já que os militares podem sempre recorrer ao setor pri-
    s                                         In Sun Tzu, a Arte da Guerra  vado (embora com as limitações expostas em escrito anterior). Um
    -                                                             observador, conhecedor e atento, poderia até acreditar que as difi -
    s            ão posso deixar de acreditar que a Saúde Naval vai ter futuro.   culdades estruturais e económicas do Hospital das Forças Armadas
   e          NContudo, existem desafi os na Saúde Naval e na Saúde Mili-  poderiam ser menos valorizadas, pois (como me explicou um civil
   a          tar, em que agora forçosamente a primeira se insere, que nunca   interessado) “…seria mais barato alargar as convenções…”
   á          foram realmente valorizados. Dei conta da
    -         desigualdade de carreiras dos profi ssionais de
   o          saúde, que derivam, entre outros fatores, da
    -         diferença cultural entre os ramos e da gestão
   o          que lhes é própria. Desse assunto, já gasto e
   a          conhecido, não vou falar aqui hoje. Na ver-
              dade, a Reforma da Saúde obrigou os ramos
   e          a procurar entendimentos em temas e proce-
   e          dimentos sobre cuja natureza e missão estão
   r-         separados, no caso da Marinha, por séculos
   o          de uma cultura diferente. Por outro lado, a
    -         Saúde Militar atual encontrou um meio (…a
              conjuntura global da saúde civil) absoluta-
              mente diferente e, até certo ponto, hosƟ l.
    c          Assim, apesar de alguns não se terem aper-
              cebido, ou não valorizarem, houve em Portugal
              um fenómeno sem par. Passámos, em poucos
              anos, de uma medicina privada de peque-
              nos consultórios e de insƟ tuições privadas de
              pequenas dimensões, para o facto indesmen-
              ơ vel de que em Lisboa já existem mais camas
              de hospital no setor privado do que no público
              e que, claramente, o desenvolvimento técnico passou também para   Na verdade, existem na Europa outros modelos de Saúde Mili-
              o setor privado – agora nas mãos de grupos económicos de grande   tar, até em países economicamente mais desenvolvidos. A maior
              dimensão e alcance económico (e até políƟ co), que procuram o   parte destes sistemas assenta em modelos mistos, em que se fi ze-
              retorno dos seus invesƟ mentos e consequente lucro. Contudo, a   ram protocolos com o Serviço Público, ou mesmo com o Serviço
              população portuguesa não está a aumentar, logo os clientes alvo   Privado, em áreas como a medicina assistencial (hospitalar). Estes
              para o setor público e para o setor privado são os mesmos e são   protocolos permitem aos Médicos Militares uma evolução téc-
              limitados. Parece até lógico aceitar o que tem acontecido: algum   nica atualmente impossível no meio exclusivamente militar e aos
              desinvesƟ mento no setor público, que seria naturalmente comple-  doentes a garanƟ a de um tratamento atempado e tecnicamente
              mentado pelo privado…                               evoluído. Ora, como Sun Tzu avisa no texto acima a propósito da
               Estranhamente, os defensores da teoria anterior não parecem   água, talvez seja tempo de procurar outras alternaƟ vas. Outros já
              ter Ɵ do em conta um facto importanơ ssimo. A verdade é que a   o fi zeram e não estão disso envergonhados… Aceitando que esta-
              maior parte dos portugueses não tem capacidade económica para   mos muito à frente para voltar para trás (a reaƟ vação do velho
              suportar a medicina privada e os valores pagos pelos seguros,   modelo dos ramos com hospitais próprios), tornando a fusão irre-
              em regra, não cobrem situações graves e prolongadas. Ressurgiu   versível, o protocolo com um Grupo Hospitalar público ou privado
              assim a presença, milagrosa e salvadora, dos subsistemas de saúde   faria senƟ do, na conjuntura atual da saúde portuguesa… Seria uma
              (ADSE, ADM, etc.). Esses subsistemas de saúde, que chegaram a   adequada adaptação, aƟ tude fundamental na vida e na guerra…
              ser considerados inconsƟ tucionais, pois dividiam os portugueses   Precisa-se no presente de uma aƟ tude revolucionária, que
              entre dois grupos (os que os Ɵ nham e os outros…), ao mesmo   asseguraria a sobrevivência da Saúde Militar. Já se provou, neste
              tempo que faziam concorrência aos seguros, passaram a ser muito   campo e noutros, que viver numa trincheira só promove as guer-
              valorizados, já que permiƟ am um afl uxo de doentes constante e   ras internas e a incompreensão políƟ ca e económica. Estou no
              em grande número às insƟ tuições privadas. Criou-se, deste modo,   mínimo certo que Sun Tzu nunca citaria tal exemplo de má adapta-
              uma singularidade portuguesa, que permite aos privados serem   ção, como o que agora tem acontecido com a Saúde Militar.
              subvencionados, ainda que indiretamente, pelo Estado.
               Neste contexto, surge a Reforma da Saúde Militar e o Hospital das                                  Doc


                                                                                                      FEVEREIRO 2020  29
   24   25   26   27   28   29   30   31   32   33   34