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REVISTA DA ARMADA | 548
NOVAS HISTÓRIAS DA BOTICA 83
A Água, a Saúde e a Adaptação
: “A água adapta o seu curso de acordo com a natureza do terreno Forças Armadas, enƟ dade que está longe de estar sedimentada.
no qual corre; o soldado escolhe o caminho para a vitória adaptan- A Reforma da Saúde Militar, além de culturalmente ter a oposi-
- do-se ao inimigo que está a enfrentar. Logo tal como a água não ção dos ramos (…pelo menos daqueles cujos hospitais fecharam),
r tem forma constante, também as circunstâncias na guerra não são luta por achar uma harmonia com este contexto privado, mais
-
o constantes.” atraƟ vo, já que os militares podem sempre recorrer ao setor pri-
s In Sun Tzu, a Arte da Guerra vado (embora com as limitações expostas em escrito anterior). Um
- observador, conhecedor e atento, poderia até acreditar que as difi -
s ão posso deixar de acreditar que a Saúde Naval vai ter futuro. culdades estruturais e económicas do Hospital das Forças Armadas
e NContudo, existem desafi os na Saúde Naval e na Saúde Mili- poderiam ser menos valorizadas, pois (como me explicou um civil
a tar, em que agora forçosamente a primeira se insere, que nunca interessado) “…seria mais barato alargar as convenções…”
á foram realmente valorizados. Dei conta da
- desigualdade de carreiras dos profi ssionais de
o saúde, que derivam, entre outros fatores, da
- diferença cultural entre os ramos e da gestão
o que lhes é própria. Desse assunto, já gasto e
a conhecido, não vou falar aqui hoje. Na ver-
dade, a Reforma da Saúde obrigou os ramos
e a procurar entendimentos em temas e proce-
e dimentos sobre cuja natureza e missão estão
r- separados, no caso da Marinha, por séculos
o de uma cultura diferente. Por outro lado, a
- Saúde Militar atual encontrou um meio (…a
conjuntura global da saúde civil) absoluta-
mente diferente e, até certo ponto, hosƟ l.
c Assim, apesar de alguns não se terem aper-
cebido, ou não valorizarem, houve em Portugal
um fenómeno sem par. Passámos, em poucos
anos, de uma medicina privada de peque-
nos consultórios e de insƟ tuições privadas de
pequenas dimensões, para o facto indesmen-
ơ vel de que em Lisboa já existem mais camas
de hospital no setor privado do que no público
e que, claramente, o desenvolvimento técnico passou também para Na verdade, existem na Europa outros modelos de Saúde Mili-
o setor privado – agora nas mãos de grupos económicos de grande tar, até em países economicamente mais desenvolvidos. A maior
dimensão e alcance económico (e até políƟ co), que procuram o parte destes sistemas assenta em modelos mistos, em que se fi ze-
retorno dos seus invesƟ mentos e consequente lucro. Contudo, a ram protocolos com o Serviço Público, ou mesmo com o Serviço
população portuguesa não está a aumentar, logo os clientes alvo Privado, em áreas como a medicina assistencial (hospitalar). Estes
para o setor público e para o setor privado são os mesmos e são protocolos permitem aos Médicos Militares uma evolução téc-
limitados. Parece até lógico aceitar o que tem acontecido: algum nica atualmente impossível no meio exclusivamente militar e aos
desinvesƟ mento no setor público, que seria naturalmente comple- doentes a garanƟ a de um tratamento atempado e tecnicamente
mentado pelo privado… evoluído. Ora, como Sun Tzu avisa no texto acima a propósito da
Estranhamente, os defensores da teoria anterior não parecem água, talvez seja tempo de procurar outras alternaƟ vas. Outros já
ter Ɵ do em conta um facto importanơ ssimo. A verdade é que a o fi zeram e não estão disso envergonhados… Aceitando que esta-
maior parte dos portugueses não tem capacidade económica para mos muito à frente para voltar para trás (a reaƟ vação do velho
suportar a medicina privada e os valores pagos pelos seguros, modelo dos ramos com hospitais próprios), tornando a fusão irre-
em regra, não cobrem situações graves e prolongadas. Ressurgiu versível, o protocolo com um Grupo Hospitalar público ou privado
assim a presença, milagrosa e salvadora, dos subsistemas de saúde faria senƟ do, na conjuntura atual da saúde portuguesa… Seria uma
(ADSE, ADM, etc.). Esses subsistemas de saúde, que chegaram a adequada adaptação, aƟ tude fundamental na vida e na guerra…
ser considerados inconsƟ tucionais, pois dividiam os portugueses Precisa-se no presente de uma aƟ tude revolucionária, que
entre dois grupos (os que os Ɵ nham e os outros…), ao mesmo asseguraria a sobrevivência da Saúde Militar. Já se provou, neste
tempo que faziam concorrência aos seguros, passaram a ser muito campo e noutros, que viver numa trincheira só promove as guer-
valorizados, já que permiƟ am um afl uxo de doentes constante e ras internas e a incompreensão políƟ ca e económica. Estou no
em grande número às insƟ tuições privadas. Criou-se, deste modo, mínimo certo que Sun Tzu nunca citaria tal exemplo de má adapta-
uma singularidade portuguesa, que permite aos privados serem ção, como o que agora tem acontecido com a Saúde Militar.
subvencionados, ainda que indiretamente, pelo Estado.
Neste contexto, surge a Reforma da Saúde Militar e o Hospital das Doc
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