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REVISTA DA ARMADA | 562

          ESTÓRIAS                                                                                         69































                                                                                                                 Autor: STEN TSN-ARQ Paulo Guedes




           O RESGATE DO ENFERMEIRO FERIDO






             m dia, em Buba, a meio duma manhã relativamente serena,   que estavam a descoberto e faziam pressão para sair da cavidade
         Urecebemos uma comunicação via rádio, pedindo que fôsse-  abdominal. Era um cenário aterrador!... Naquele momento, temi
          mos em auxílio de uma patrulha do Exército, porque havia um   seriamente pela vida do homem e pensei que, afinal, iria resga-
          soldado gravemente ferido que era necessário evacuar. Teria ha-  tar um morto. Com todos os cuidados possíveis, transportamos
          vido um acidente perto da estrada que ligava Buba a Empada e a   o ferido para o meu bote e partimos de imediato. Querendo ser
          única forma de chegarmos perto e depressa ao local onde esta-  rápidos, aceleramos os motores para chegarmos o mais depressa
          ria o soldado acidentado, seria através do Rio Jassonca, um dos   possível a Buba. Não foi possível! Com a trepidação do bote em
          afluentes do Rio Grande de Buba.                    deslocação, o homem gritava de dores alucinantes… não aguen-
           O Comandante Silva Dias atribuiu-me a missão de resgatar o   tava, embora sedado pela morfina. Só reduzindo a velocidade é
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          soldado. Organizamos três botes com sete homens, enfermeiro   que conseguíamos que o ferido aguentasse as dores!
          incluído, e partimos a grande velocidade. A maré estava cheia, o   Demorámos, seguramente, mais de uma hora a chegar a Buba,
          que facilitou a entrada no rio. Demorámos cerca de quarenta mi-  onde já nos aguardava uma equipa médica e um helicóptero para
          nutos a chegar ao local, que já estava sinalizado pelos soldados, e   evacuação  do  ferido.  O  homem  lá  seguiu,  ainda  vivo.  Missão
          deparamo-nos com um cenário terrível. No chão, debatia-se um   cumprida!
          homem com dores e gemidos, com o ventre literalmente aberto.   Bastante mais tarde, uns bons seis meses depois, vindo numa
          O que se teria passado?                             LDG, desembarcou em Buba um Cabo do Exército que, rapida-
           Ainda por cima, o ferido era o enfermeiro. Relataram-me que,   mente se dirigiu ao gabinete do nosso Comandante. Era o enfer-
          durante a patrulha, o homem que levava o lança-roquetes, que na   meiro! Tinha pedido uma autorização ao seu comando em Empa-
          coluna seguia imediatamente atrás do enfermeiro, em determina-  da para ir a Buba agradecer aos Fuzileiros que lhe tinham salvado
          da altura do percurso, tropeçara e caíra tendo, inadvertidamente,   a vida. Levantou a camisa e mostrou o seu abdómen. Era como
          carregado no gatilho da arma e disparado a granada. O enfermei-  uma manta retalhada, tais eram os vincos e as cicatrizes das vá-
          ro, que seguia uns cinco a seis metros à frente, foi literalmente   rias operações a que fora sujeito. Incrível a sorte deste homem!
          atravessado pela granada, que entrara pelas costas, saíra pelo ab-
          dómen e não tinha explodido! A granada do roquete só explodia
          depois de ter percorrido um determinado espaço e tempo. Neste                  Miguel Carmo Soares, 14.º CFORN
          caso, a distância a que o enfermeiro ia do atirador que tropeçou   In Crónicas Intemporais da Guerra e da Fraternidade, 2019
          não era suficiente para a granada explodir. Um duplo milagre, a
          não explosão do engenho e a perfuração não ter atingido qual-
          quer órgão vital no ferido. Mas isso, só soubemos mais tarde.
           O estado do ferido era desolador e o enfermeiro do DFE 3, des-  Notas
                                                                Na Estória da RA 548 (FEV20) está narrada a formação do comando do Destaca-
          pachado, aplicou-lhe de imediato uma boa dose de morfina e,   1   mento de Fuzileiros Especiais Nº 3 (DFE 3).
          com gases e compressas, tentou proteger a ferida e os intestinos


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