Page 6 - Revista da Armada
P. 6

REVISTA DA ARMADA | 569
          DISCURSO DO CHEFE DO ESTADO-MAIOR DA

          ARMADA E AUTORIDADE MARÍTIMA NACIONAL





          INTRODUÇÃO                                           De  um  ponto  de  vista  económico  as  zonas  económicas
                                                              exclusivas e as plataformas continentais representam um valor,
             mundo unido por uma economia fortemente globalizada já   ainda difícil de estimar, mas certamente elevado, num futuro
         O  não se encontra polarizado entre dois modelos económicos   (provavelmente antes de 2035) em que a tecnologia permitirá
          antagónicos: o capitalismo e o comunismo, mas mais entre dois   a  exploração  útil  (rentável  e  sustentável)  desses  espaços
          modelos políticos: as democracias e as autocracias.  (superfície, coluna de água e subsolo).
           A economia mundial está a passar de uma fase moderadamente   Portugal  possui  hoje  alguns  dos  elementos  nucleares  para
          cooperativa  para  outra  mais  competitiva  entre  os  polos   o  desenvolvimento  de  uma  economia  azul  (tecnologia,
          estabelecidos: os EUA; a Europa; a China; e um polo emergente:   conhecimento, oportunidades). Tem faltado, no entanto, uma
          a Índia.                                            verdadeira  política  disruptiva  e  a  captação  dos  investimentos
           As estratégias pelo controlo dos recursos naturais, das popula-  necessários, geradores de oportunidades de desenvolvimento.
          ções e de posições geográficas determinantes para os fluxos co-  A Marinha, pelas funções que desempenha, será sempre uma
          merciais e/ou posições chave numa perspetiva militar continuam   pedra estruturante dessa nova fronteira económica, o mar (nas
          vivas e a dar sinais preocupantes.                  dimensões militar, securitária, diplomática, científica e cultural).
           Paralelamente, assiste-se ao recrudescimento de zonas desre-   O desenvolvimento de uma Marinha tecnologicamente avan-
          guladas e desestruturadas pelo efeito conjugado de extremismos   çada será certamente um forte catalisador económico e um ace-
          identitários  e/ou  religiosos  e                   lerador de mudança. É por isso que defendo que os recursos
          de  novas  estratégias  híbridas                                              necessários à sua edificação,
          por parte dos Estados.                                                        operação e manutenção não
           As disputas resultantes deste                                                são uma despesa, mas um
          ambiente  internacional,  mais                                                investimento  estruturante  e
          multipolar e multicultural, vol-                                              multiplicador.  A  alternativa
          taram a colocar no centro des-                                                será simplesmente desistir de
          tas os grandes espaços maríti-                                                uma  Marinha  minimamente
          mos do Atlântico, do Pacífico,                                                significativa, alienando a nos-
          do Índico e um novo, a confir-                                                sa posição geoestratégica, os
                                                                                        recursos e as oportunidades
          mar-se o degelo, do Ártico.
                                                                                        que o mar abrirá neste sécu-
                                                                                        lo, amarrando-nos a uma pe-
           Portugal,  enquanto  Estado-                                                 riferia continental de uma Eu-
          -nação,  pequeno  e  limitado                                                 ropa  mais  centrada  a  Leste.
          no seu poder relativo, deverá                                                 É, pois, por tudo isto que com
          ter em consideração que:                                                      a  minha  ação  de  comando
           (i)  o mundo  não está, nem                                                  desejo  contribuir  para  uma
             parece, caminhar para a paz global;              Marinha holística, útil, significativa, pronta, focada e tecnolo-
           (ii)   nenhum sistema de alianças, ou estrutura legal internacional,   gicamente avançada.
              per si, protegerá o Estado, ou os interesses portugueses;   Holística porque no início deste século, num mundo cada vez
          (iii) a força e o interesse das grandes potências continuarão  a   mais dominado por estratégias híbridas, cinzentas ou irrestritas,
             marcar,  de  forma  mais  ou  menos  direta,  os  destinos  da   num espaço aberto a todo o tipo de atores, como são os espaços
             humanidade.                                      marítimos,  uma  marinha  com  uma  visão  abrangente  no  seu
                                                              papel estará mais preparada e adaptada que uma outra com
           De um ponto de vista geoestratégico, Portugal, a par do Reino   um foco unicamente militar. Esta Marinha holística fará parte
          Unido,  ocupa  o  epicentro  marítimo  da  coligação  militar  que   integrante de um Sistema de Forças Nacional, necessariamente
          é  a  NATO,  a  aliança  militar  criada  para  garantir  a  segurança   mais  coeso,  onde  todas  as  sinergias  do  conjunto  possam  ser
          do  Atlântico  Norte,  um  espaço  onde  confluem,  cruzando-se,   verdadeiramente  exploradas  a  bem  dos  interesses  nacionais.
          três  ativos  da  maior  importância  para  o  Ocidente:  os  cabos   Revejo-me,  por  isso,  numas  Forças  Armadas  modernas,  mais
          submarinos  (que  suportam  os  fluxos  de  dados),  o  tráfego   coesas e conjuntas.
          marítimo e o transporte aéreo (que asseguram os fluxos de carga   Útil  enquanto  instrumento  essencial  para  a  afirmação  do
          e de pessoas).                                      valor geoestratégico do nosso mar e de um Portugal Atlântico,
           Tendo  presente  este  enquadramento  e  olhando  para  o  mar   no  século  XXI,  catalisadora  para  a  exploração  de  uma  nova
          português  e  para  o  elevado  significado  deste  para  o  mundo   fronteira azul e tecnológica, essencial para o desenvolvimento
          ocidental e não só, poder-se-á concluir que Portugal se encontra   económico.
          perante um dilema: ou assume um papel de relevo nos assuntos   Significativa nas suas capacidades  de  modo  a poder
          marítimo-navais na sua região, contribuindo significativamente   desenvolver a utilidade que dela Portugal precisa.
          para a segurança deste espaço no seio das suas alianças; ou ver-  Uma Marinha pronta e focada,  materialmente  capaz,
          -se-á substituído nesse papel por outro Estado, ou coligação de   e  orientada  para  o  desenvolvimento  da  sua  capacidade
          Estados, perdendo certamente a importância geoestratégica de   humana, como ativo mais valioso da nossa organização e fator
          que ainda goza.                                     determinante para o sucesso.


          6   JANEIRO 2022
   1   2   3   4   5   6   7   8   9   10   11