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REVISTA DA ARMADA | 569
da formação enquanto militares e marinheiros, detenham uma
ETHOS – VALORES – MOTIVAÇÃO base sólida de conhecimentos científicos e tecnológicos.
Quero fazer uma aposta crítica na base científica e tecnológica a
Marinha focada, com o seu ethos fixado em servir Portugal
no e através do Mar, em que a exigência e o rigor não sejam que deve corresponder uma forte formação nas matemáticas, nas
incompatíveis com um tratamento humano e justo da físicas, na eletrónica, nas ciências de computação e nos sistemas
componente humana, onde se criem oportunidades para o de decisão. No que respeita à formação naval-militar, ela deverá
desenvolvimento e motivação dos seus elementos. privilegiar as áreas da marinharia, da navegação, da liderança, da
história naval, das relações internacionais e da estratégia.
A tática surgirá mais tarde, em cursos de especialização.
Todas as organizações, de uma forma ou de outra, tendem a A formação só será verdadeiramente abrangente e completa se
desenvolver uma cultura própria, ou personalidade, definida moldada por valores militares e por um código de conduta bem
por valores, práticas, atitudes, formas de estar e agir. Essa definido e estruturado que enforme toda a organização a partir
personalidade partilhada, ou ethos, encontra-se na sua da base e que deverá ser transmitido, acompanhado, praticado e
componente humana. absorvido, durante todo o período de formação.
Desejo, pois, uma Marinha focada, com o seu ethos fixado Para uma Marinha pronta, é muito importante que as
em servir Portugal no e através do Mar, em que a exigência e guarnições sejam portadoras de um conhecimento, no mínimo
o rigor não sejam incompatíveis com um tratamento humano suficiente, mas desejavelmente profundo, sobre a plataforma e
e justo da componente humana, onde se criem oportunidades os sistemas dos navios onde estão embarcadas. É assim crucial
para o desenvolvimento e motivação dos seus elementos. que o sistema de formação seja ágil e capaz de transmitir
Eventos recentes demonstram a necessidade de cuidar bem conhecimento direcionado para determinados sistemas e
da conjugação ethos-valores-motivação e essa será uma plataformas, que deverá ser ministrado aos militares antes destes
preocupação central do meu comando. Exijo que os comandos embarcarem e exercerem funções de responsabilidade. A falta de
subordinados comandem pelo exemplo e estabeleçam nas formação é muitas vezes colmatada, a posteriori, – com o militar
suas unidades elevados padrões éticos, morais e militares, já embarcado e em funções – quando a ação devia estar focada
sem desculpas, ou tibiezas. não no conhecimento individual, mas no de grupo, como um
Desejo também um setor do pessoal dinâmico, mais racional, todo coerente e operativo. É, pois, essencial que se encontrem
adaptativo e flexível. soluções formativas que resolvam estes problemas a montante.
A Marinha deve ter em especial consideração que os seus
militares trabalham imersos em tecnologia e que a profissão TREINO
exige um padrão psicológico específico, adaptado a grandes
períodos de isolamento familiar, a viver e operar no mar, ao Só um treino intensivo e a condução regular de operações
sacrifício e ao trabalho em grupo. O recrutamento deve ter isso permitirá a solidificação da experiência na Esquadra, logo, o
em conta, para que os recursos humanos tenham a qualidade seu amadurecimento. A participação em operações conjuntas e
necessária e desejada. combinadas constitui per si um campo de comparação e filtragem
das melhores práticas, essencial na evolução das forças navais.
FORMAÇÃO Considero essenciais para a qualificação e manutenção dos
Quem serve na Marinha terá necessariamente que ser um padrões da Esquadra, o CITAN e as suas ações de treino e
bom técnico, um bom marinheiro e um militar capaz, desiderato avaliação, assim como o treino próprio das Esquadrilhas de
só alcançável por via de um bom sistema de formação, Submarinos e de Helicópteros e da Força de Fuzileiros.
completado a bordo por treino, alinhado obrigatoriamente com O treino não pode reduzir-se a uma aprendizagem repetitiva
as necessidades da Esquadra. de técnicas, táticas e procedimentos (TTP) em simulador.
Deve incorporar o stress, o incómodo, a frustração e o medo.
O processo de decisão, embora auxiliado e acelerado pelas TTP,
APOSTAS NA FORMAÇÃO tem que ir muito para além disso. A arte da guerra deve ser
Científica e Tecnológica fortemente exercitada através da avaliação da situação, do bom
senso e da capacidade de pensar “fora da caixa”. Isto incorporará
– Matemáticas; muito de experiência adquirida e beneficiará seguramente do
– Físicas; convívio multigeracional típico das câmaras dos navios. Esta
– Electrónica;
– Ciências da computação; e cultura não fermentará em guarnições onde o isolamento nos
– Sistemas de decisão. camarotes e tempos livres dedicados às redes sociais e aos jogos
de computador sejam uma constante. A cultura de câmara deve
Militar-naval ser fomentada pelos motivos anteriores, mas também porque
une o todo que constitui o navio, crítico em situações de risco e
– Marinharia; de elevado stress.
– Navegação;
– Liderança; A ORGANIZAÇÃO PARA A MUDANÇA E A INOVAÇÃO
– História Naval; A velocidade das alterações tecnológicas, das próprias ameaças
– Relações Internacionais; e e dos seus contextos, obriga a Marinha a encontrar no seu seio
– Estratégia. formas inovadoras de organização que permitam fomentar e
multiplicar atitudes de inconformismo e de procura de novas
Fruto da rápida e crescente evolução tecnológica e da soluções, através de processos de experimentação operacional
complexidade crescente dos sistemas de bordo tornou-se que conduzam a técnicas, táticas e procedimentos disruptivos,
imprescindível que Oficiais, Sargentos e Praças da Marinha, além criando um verdadeiro desequilíbrio favorável nas operações.
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