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REVISTA DA ARMADA | 569
AS AMEAÇAS A 360º E PORQUÊ UMA MARINHA militar e outra não militar, a partir de um núcleo comum (cultura
DE DUPLO USO organizacional, recursos e estruturas).
Considero mais adequado, exequível e económico centrar
a maioria das funções operativas no mar numa única entidade que,
No mar, o modelo de atuação, pela própria natureza dos atores por razões de escala, consiga obter a mais elevada racionalidade
(vestefalianos e não vestefalianos), dos fenómenos (humanos no emprego e na sustentação dos meios, o que implicará optar
e naturais) e das atividades (económicas, políticas, militares, por uma Marinha multifunção, ao invés de pulverizar recursos,
criminais, de lazer e outras) apresentar-se-á como essencialmente estruturas e competências operativas por mini-marinhas. Assim,
transversal e holístico. O mar liberum é poroso por natureza, uma Marinha verdadeiramente útil ao país deve assumir as
sem um controlo efetivo e nele coexistem e se cruzam todos funções operativas do Estado no mar como forma de racionalizar
os tipos de atividades humanas e todo o espetro de interesses. os recursos nacionais. No contexto português, estas tarefas devem,
Uma marinha mais fechada, concentrada só na atividade militar, na minha opinião, ser suportadas por uma Marinha de capacidade
não poderá compreender o ambiente marítimo onde opera, na oceânica, que desempenhe as funções tradicionais das Marinhas
sua totalidade, e sofrerá de uma cegueira seletiva, contrária aos de Guerra e das Guardas Costeiras, ou seja, uma Marinha de
próprios interesses do Estado.
modelo holístico e pós-moderno.
Uma Marinha assim concebida será o órgão do Estado com
obrigação de apoiar todas as entidades que, em razão das suas
competências e do espaço, tenham que atuar no mar. Evita-se
dessa forma a dispersão e proliferação de recursos de elevado
DUPLO REDUÇÃO custo, na aquisição, manutenção e operação para funções muito
USO ENCARGOS verticais no mar e de incidência esporádica, por parte de outras
entidades do Estado.
CONCLUSÃO
PAÍSES PEQUENA
DIMENSÃO Caros camaradas,
PODER LIMITADO Esta éa Marinha que visiono. Uma Marinha de todos. Uma
Marinha de Portugal, que assegure o exercício da soberania e
jurisdição nacional, a defesa do País, a preservação dos nossos
CAPACIDADES MARÍTIMAS recursos e a contribuição para a segurança nacional. Uma Marinha
significativa, relevante nas nossas alianças e parcerias, capaz
Países de pequena dimensão e poder limitado vêm-se de contribuir, na nossa dimensão, para a segurança mundial.
confrontados com a impossibilidade de edificar e sustentar Mas, também, uma Marinha capaz de projetar segurança onde
diferentes capacidades marítimas, cada uma com um foco os interesses nacionais o exijam e os nossos cidadãos disso
específico no mar. A par dessa evidente dificuldade, a multiplicação necessitem.
de atores estatais, com responsabilidades no mar, poderá contribuir
para uma atuação mais incoerente e dificilmente sincronizada. Cabe-nos hoje servir a Marinha de forma empenhada,
É este imperativo que nos leva a procurar e propor soluções profissional e competente, como muitos outros o fizeram, mas
que, através do duplo uso das capacidades militares, consigam com a humildade de perceber que só somos mais uma geração
reduzir os encargos do Estado na sustentação de capacidades que de quarto na longa singradura da nossa Marinha, que é a Marinha
assegurem as diferentes atividades marinhas. dos Portugueses e a Marinha de Portugal!
O modelo de Duplo Uso é uma conceptualização, que divide a Será esta a postura, aberta, desprendida, mas empenhada que
atividade desenvolvida pela Marinha no mar em duas naturezas nos conduzirá à mudança.
complementares, interligadas e coexistentes: uma essencialmente
JANEIRO 2022 11