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REVISTA DA ARMADA | 569
A inovação não acontecerá por decreto, mas sim mediante o quer para as operações, quer para o pessoal, além dos elevados
fomento de uma cultura própria, onde prevaleça o inconformismo reflexos nos custos de manutenção.
e a vontade de testar novas soluções. A inovação só será alcançada
se puderem coexistir em harmonia uma estrutura fortemente A TECNOLOGIA
hierarquizada, tipicamente militar, e as comunidades de A história demonstra que as grandes vitórias militares tiveram
conhecimento e de interesses menos estruturadas. Estas como elemento fulcral novas tecnologias portadoras de formas
comunidades serão o verdadeiro motor da evolução, induzindo uma diferenciadoras de operar e de conjugar efeitos sobre os
atitude de mudança e adaptação constante no seio da instituição. adversários.
Vivemos num mundo em acelerada transformação tecnológica
OS RECURSOS MATERIAIS que, há 100 anos, progredia em saltos significativos de 30 anos;
Uma Marinha sem os recursos materiais adequados será incapaz há 50, em saltos de 15; e hoje em saltos inferiores a três anos.
de cumprir as suas funções e em resultado disso passará a ser uma O brutal incremento tecnológico significa que, quando um navio
Marinha simbólica e ineficaz.
Os recursos materiais devem estar adaptados ao nível de ambição novo é colocado ao serviço, a maioria dos sistemas de bordo já se
do país e às caraterísticas que as missões exigem para esse nível de encontra desatualizado.
ambição. Numa era de franca expansão e de democratização tecnológica,
Não se poderá querer projetar poder fora de área, ou proteger as Marinhas terão que se manter atualizadas de modo a não
a navegação mercante sem fragatas ou seus sucedâneos, ou fazer perder as suas vantagens competitivas perante adversários
dissuasão sem submarinos, ou patrulhar eficientemente vastas também em constante evolução. Atores não-estatais são hoje
áreas sem um número razoável de patrulhas. Também só se capazes de atingir alvos de elevado valor militar e económico
poderá projetar poder fora de área, com um nível de sustentação com dispositivos improvisados, feitos em casa, ou numa simples
adequado, com a existência de reabastecedores e de navios de oficina.
apoio logístico. O desenvolvimento vertiginoso das redes dos microcomputado-
Não haverá Marinhas prontas na ausência de um bom sistema de res, microcontroladores e de todo o tipo de eletrónica, associado
manutenção, que garanta os níveis adequados de disponibilidade à sua miniaturização e aumento de capacidade de processamen-
material. Disponibilizar, manter e reparar plataformas e sistemas to, está a criar uma verdadeira revolução, cujo desfecho é ainda
essenciais às operações navais em tempo, com qualidade e a custos difícil de prever.
controlados, é condição essencial para uma Marinha eficiente. Essa evolução, a par da IA, veio, pela primeira vez, permitir a
robotização massiva da guerra. Ela marcará um avanço mais
UM ARSENAL E UM 2º ESCALÃO REFORÇADO significativo do que o aparecimento do submarino, da aviação
Uma Marinha pronta tem que se encontrar materialmente apta e do radar juntos, no período entre os dois grandes conflitos
a cumprir as suas funções, o que requer um sistema logístico mundiais do século passado. A Marinha Portuguesa deve apostar
e de manutenção muito reativo, com capacidade sobrante, fortemente na robotização da guerra e na IA, em razão dos vastos
dimensionada para a nossa realidade financeira.
espaços onde tem que operar e do constante desafio entre os
recursos e o nível de ambição necessário para responder com
sucesso às necessidades do país neste início de século.
As impressoras 3D e as máquinas fresadoras computorizadas
vieram revolucionar a forma como se produzem peças
MARINHA ARSENAL mecânicas complexas, algumas delas impossíveis de criar com
as tecnologias anteriores. A utilização intensiva e alargada deste
tipo de equipamento na Esquadra tem um enorme potencial.
Peças desenhadas em 3D poderão ser criadas a bordo dos
navios em missão, com a qualidade e a funcionalidade suficiente
para efetuar reparações temporárias ou definitivas, de modo
Diz-se na Marinha que não existe “Marinha sem Arsenal e nem expedito, diminuindo as necessidades de apoio logístico
Arsenal sem Marinha”. De facto, esta relação umbilical parece à distância. O mesmo está a acontecer no campo da eletrónica
óbvia; o que não deve ser assumido é que essa relação possa com os equipamentos baseados em software. Estes novos
desenvolver-se num modelo que leve à paralisação da primeira equipamentos são simples transdutores analógico-digitais
e/ou à insustentabilidade do segundo. associados a microcomputadores e microcontroladores que
Existe uma certa ideia que um Arsenal a funcionar plenamente através de software emulam as funções anteriormente realizadas
dispensará um 2º escalão, ou que este deve estar sob a em hardware. A junção destas novas tecnologias abrirá um
hierarquia do setor do material. Não concordo de todo. O 1º e o novo mundo de possibilidades. Os futuros equipamentos serão
2º escalão de reparações devem estar integrados na componente
operacional. De modo a combater o que ficou conhecido em muito mais robustos, utilizando tecnologias de estado sólido e a
tempos idos como o triângulo da Bermudas, desejo transferir sua atualização, adaptação, ou reparação poderá acontecer por
a responsabilidade da aquisição e gestão de sobressalentes da alteração de software em missão.
Direção de Abastecimento para a Direção de Navios, reajustando a Já se encontram em uso novos radares e sistemas de
estrutura superior da Marinha para dar resposta a esta alteração. comunicação com esta nova tecnologia, confirmando um campo
Ao Sistema de Manutenção exigirei uma maior eficácia, gigantesco de possibilidades futuras no desenvolvimento de
eficiência e previsibilidade. Atrasos constantes nas datas de sensores e armas.
aprontamento dos navios e sistemas reduzem drasticamente Estes avanços deverão ser abraçados e incorporados o mais
a capacidade da Marinha para cumprir as suas missões, gerando rapidamente possível nas estruturas de manutenção e nos navios
instabilidade no planeamento, com consequências nefastas, da Esquadra.
10 JANEIRO 2022