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REVISTA DA ARMADA | 570
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A CRISE NO ESTREITO DE ORMUZ –
ANTECEDENTES E ENQUADRAMENTO
“O Mundo é um anel e Ormuz uma pedra preciosa engastada nele”,
João de Barros (in Décadas da Ásia, 1553)
No epicentro da crise no Estreito de Ormuz, encontram-se as ataques teriam sido conduzidos por mergulhadores, que haviam
Nrelações tensas entre os EUA e o Irão. Os EUA argumentam colocado minas nas obras vivas dos navios. Os EUA acusaram o
que Teerão é um regime desestabilizador da segurança regional, Irão, que negou o seu envolvimento.
enquanto o Irão perceciona os instrumentos de coação norte- Um mês mais tarde, dois petroleiros (um japonês e um
americanos como uma ameaça à sobrevivência política do seu norueguês) foram atacados no Golfo de Omã. Os EUA acusaram
regime. Neste quadro, justifica-se recordar os antecedentes mais uma vez o Irão, tendo divulgado um vídeo em que se vê
desta crise. uma embarcação acostada ao petroleiro japonês e vários
Conquanto as relações entre os EUA e o Irão tenham sido sempre elementos, alegadamente da Guarda Revolucionária Iraniana,
tensas desde a revolução iraniana em 1979, a saída dos norte- a retirarem do casco do navio uma mina que não tinha sido
americanos do acordo nuclear, firmado em 2015 entre o Irão, ativada. O Irão voltou a negar qualquer envolvimento nesses
o grupo P5+1 (os cinco membros permanentes do Conselho de ataques, defendendo tratar-se de uma manobra americana
Segurança das Nações Unidas – China, EUA, França, Reino Unido para justificar o uso da força contra o seu país. A 20 de junho
e Rússia – mais a Alemanha) e a UE, contribuiu definitivamente de 2019, a comunidade internacional assistiu a mais um
para agudizar a relação entre estes dois países. O acordo de 2015 episódio, no agudizar das relações entre os dois adversários,
(Joint Comprehensive Plan Of Action) estabeleceu compromissos com o ataque a um drone norte-americano pelo Irão. Os EUA
com vista a condicionar as aspirações nucleares iranianas de argumentaram que o drone RQ-4 Global Hawk se encontrava em
natureza militar. Como contrapartida, foram levantadas as espaço aéreo internacional, informação contrariada pela Guarda
sanções económicas contra o Irão, incluindo o desbloqueamento Revolucionária, que justificou o ataque com a violação do seu
de bens congelados no valor de mais de 100 mil milhões de espaço aéreo.
dólares e o regresso deste país aos mercados financeiros. Em julho, a crise expandiu-se para fora do Estreito de Ormuz,
Em 2018, o Presidente Donald Trump rejeitou esse acordo, com o apresamento do petroleiro Grace 1, pela polícia de
rotulando-o como o pior de sempre para os Estados Unidos e o Gibraltar e por 30 fuzileiros britânicos, quando o navio, de
melhor de sempre para o Irão, fazendo regressar as sanções a este bandeira panamiana, entrou nas águas territoriais de Gibraltar,
país. Isso veio extremar posições numa área marítima que possui carregado com petróleo iraniano. O Grace 1 foi apresado
grande importância do ponto de vista da segurança regional, na por suspeitas de transportar petróleo para a Síria, violando o
medida em que ameaça a estabilidade no Golfo Pérsico e, em embargo imposto pela UE a este país. A retaliação do Irão não
particular, a segurança da navegação no Estreito de Ormuz. se fez esperar.
Com efeito, este estreito constitui um corredor estratégico
por onde circula um quinto do petróleo mundial, cerca de 19
milhões de barris de petróleo por dia (valor que supera os
do Estreito de Malaca e do Canal do Suez, que contabilizam,
respetivamente, 16 e 5,5 milhões de barris por dia). Importa
recordar que, durante a guerra entre o Irão e o Iraque, na década
de 1980, foram atacados 240 petroleiros e afundados 55 navios,
nessa zona do Globo, ficando este conflito conhecido por Tanker
War. Na atualidade, com a economia mundial fortemente
dependente do transporte marítimo, um conflito regional desta
natureza teria, inevitavelmente, um forte impacto global. Foi
neste contexto de grande tensão política que ressurgiram, em
2019, os ataques a navios.
Efetivamente, em maio de 2019, foram sabotados quatro
petroleiros (dois da Arábia Saudita, um dos Emirados Árabes
Unidos e um da Noruega) que se encontravam em águas dos Drone RQ4 Global Hawk abatido pelo Irão
Emirados. As investigações preliminares sugeriram que os
4 FEVEREIRO 2022