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REVISTA DA ARMADA | 574
PREDOMÍNIO E PODER DO SIMBÓLICO
3. SÍMBOLOS DA MARINHA PORTUGUESA
«O cerne das organizações militares é o seu elemento humano: as mulheres e os homens que servem na instituição – militares,
militarizados ou civis. A qualidade do elemento humano, ativo mais valioso da nossa organização, influencia decisivamente a nossa
capacidade de atuação e é um fator determinante para o sucesso. Todas as organizações, de uma forma ou de outra, tendem a
desenvolver uma cultura própria, ou personalidade, definida por valores, práticas, atitudes, formas de estar e agir. Essa personalidade
partilhada, ou ethos, encontra-se na sua componente humana».
Almirante Henrique Gouveia e Melo,
Chefe do Estado-Maior da Armada
nterveniente na reconquista cristã da península Ibérica, D. Fuas Muito embora se trate de um ex-evento, a lenda da Nazaré foi
IRoupinho foi o primeiro almirante da Marinha Portuguesa e um protagonizada pelo primeiro almirante da Marinha Portuguesa.
denodado companheiro de D. Afonso Henriques, primeiro rei de Com o intuito de facilitar a sua veneração, D. Fuas Roupinho
Portugal. Saído de Lisboa no comando de uma armada, a 29 de mandou que sobre a antiga gruta, junto ao denominado “bico do
julho de 1180 vencia os mouros numa batalha naval ao largo do milagre”, fosse edificada a Ermida da Memória para nela colocar a
cabo Espichel. Não obstante, a sua fama tornar-se-ia lendária referida imagem de Nossa Senhora. De acordo com o pergaminho
numa ação de caráter lúdico quando era Alcaide-mor do castelo que se encontrava no cofre descoberto sob o altar existente na
de Porto de Mós, cargo que D. Afonso Henriques lhe havia gruta, a imagem da Virgem Maria havia sido venerada em Nazaré,
outorgado pelo seu desempenho na luta contra os sarracenos. na Galileia, nos primeiros tempos do cristianismo. Supostamente
De acordo com a lenda, a 14 de setembro de 1182 envolveu- esculpida pelo próprio S. José, a imagem de Maria a amamentar
-se numa caçada debaixo de denso nevoeiro. Na perseguição o menino Jesus tem apenas 25 centímetros de altura e o seu
de um veado, separou-se dos seus companheiros quando este rosto terá sido pintado, mais tarde, por S. Lucas, padroeiro dos
debandou na direção de uma falésia de onde se precipitaria, no pintores e artistas. Trazida no século V por um monge grego para
Sítio da Nazaré. In extremis, quando o seu cavalo estava prestes o mosteiro de Cauliniana, na Hispânia, ali permaneceu até 711.
a despenhar-se, D. Fuas Roupinho vislumbrou sob o rochedo a Na sequência da grande derrota sofrida pelos cristãos contra os
pequena gruta onde era venerada a imagem da Virgem Maria mouros na batalha de Guadalete, D. Rodrigo (687-c. 711), último
com o menino Jesus. Rogando em voz alta “Senhora, valei-me!”, rei visigodo da península, viu-se obrigado a procurar refúgio
nesse preciso momento surgiu no céu a Virgem com o menino e naquele mosteiro. Apesar de disfarçado, seria reconhecido
o seu cavalo estacou, de pronto, fincando as patas traseiras no por Frei Romano e ambos concluíram que, permanecendo
penedo suspenso sobre o vazio. Recuperado do susto, desceu ali, correria perigo. Para evitar que pudesse cair nas mãos dos
à gruta para rezar e agradecer o milagre que lhe salvou a vida. sarracenos, resgataram a imagem da Virgem e levaram-na para
o litoral da costa atlântica ocidental, juntamente com um cofre
onde se encontravam as relíquias de São Brás (c. 264-c. 316) e de
São Bartolomeu (? - 51), que até 1182 permaneceria escondido
sob o altar da gruta da Nazaré.
PADROEIRA
Para albergar o número crescente de peregrinos e devotos,
D. Fernando I (1345-1383) fundou em 1377 o Santuário de Nossa
Senhora da Nazaré, cuja construção se prolongaria até ao início do
século XVII. No sentido de facultar a sua adoração, é no respetivo
altar que está exposta a imagem primitiva, presentemente alvo
de restauro, encontrando-se na Ermida da Memória uma réplica.
De acordo com a lenda, antes de largar para a viagem que
inaugurou o caminho marítimo para a Índia, Vasco da Gama
(c.1469-1524) foi em peregrinação ao promontório da Nazaré,
para rezar e suplicar proteção da Virgem. Em sinal de devoção,
trocaria a sua grossa corrente de ouro pelo colar de contas de
Nossa Senhora da Nazaré. Reza a tradição que, por alturas do
cabo da Boa Esperança, quando a intempérie colocou os navios
em perigo, Vasco da Gama atirou o colar de contas às furiosas
águas, que de pronto amainaram. Em sinal de agradecimento
pelas bênçãos recebidas durante a sua inaudita viagem, após
regresso a Portugal Vasco da Gama voltaria ao Sítio da Nazaré,
tendo oferecido à Virgem um precioso manto. Para assinalar
as peregrinações do Almirante da Índia, em 1939 era colocado
junto à Ermida da Memória um padrão alusivo, encimado pela
Cruz de Cristo. Pedro Álvares Cabral (1467-c.1520) também terá
ido em romaria à Nazaré, antes de partir para a sua viagem à
Índia em 1500, que en route oficializou o descobrimento do
Quadro alusivo ao milagre no Santuário da Nazaré. Brasil. Naquele país, existem hoje diversas igrejas consagradas
24 JUNHO 2022