Page 339 - Revista da Armada
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sua se passou para o invasor, ficando Cochim a armada de Afonso de Al- de regresso! Quando chegaram a uma
o exército do rei tão enfraquecido buquerque, o qual, por trazer a geme passagem apertada, acharam-na obs-
que. apesar de se ter batido valente- mais folgada, tomou a seu cargo a truída por trinta e quatro paraus de
mente. não pôde evitar que as tropas obra da fortaleza. Na mesma altura, Calicute, amarrados uns aos outros.
do Samorim ocupassem .1 cidade de deverá ter sido montada uma segun- armados cada um deles com um ca-
Cochim. Fugiu o rei para uma ilha da caravela. Para artilhar e guarnecer nhão à proa e guarnecidos com mui-
próxima, levando consigo os portu- a fortaleza. esta caravela e os batéis, tos rrccheiros.
gueses da feitoria, enquanto o exérci- é provável que tenham sido desarma- Animou Duarte Pacheco os seus
to de Calicute. depois de ter deixado das duas das três naus que restavam homens dizendo-lhes que não tives-
uma guarnição em Cochim, recolhia da antiga armada de Vicente Sodré, sem receio porque, sendo os paraus
• a Cranganor. uma vez que deixam de aparecer refe- inimigos mais alterosos que os batéis,
Nesta ailura chegou a armada de
os seus tiros haviam de passar por
rências a seu respeito.
Francisco de Albuquerque que foi rc- Concluída a construção da forta- cima destes sem lhes fazer dano.
cebioa com delirantes manifestações leza, Francisco de Albuquerque e Postos em linha . com as proas vol-
• de júbilo, tanto pelos portugueses da Afonso de Albuquerque recomeça- tadas para o inimigo, os quatro batéis
fe itoria como pelas gentes de Cochim ram os assaltos às terras de Cochim portugueses investiram resolutamen-
que haviam permanecido fiéis ao seu que ainda mio se tinham submetido. te contra os paraus de Calicute, le-
rei. tendo lugar violentos combates, tan- vando na sua esteira os paraus de Co-
As Iropas de Calicu!e que esta- to em terra como nos rios, de que chim. sem se preocuparem com a
vam em Cochim debandaram imedia- sempre os portugueses saíram vence- chuva de flechas que caía sobre eles.
tamente e o rei foi reinstalado com dores. E quando chegou o momento de en-
IOda a solenidade na sua capital. Nes- Mas, se as coisas estavam decor- trarem em acção os canhões, aconte-
sa mesma noite, Francisco de Albu- rendo à sua feição no campo militar, ceu exactamente aquilo que Duarte
querque. que dispunha de cerca de o mesmo não acontecia no campo co- Pacheco previra: os pelouros dos ma-
seiscentos portugueses. auxiliados merciaI. Os paraus de C:llicute infes- labares passaram por cima dos nossos
pelo que restava do exército do rei de tavam todos aqueles rios e esteiros e batéis ao passo que os destes acerta-
Cochim. deu início às represálias con- nào deixavam chegar a Cochim a pi- ram em cheio nos paraus de Calicute,
tra os vassalos daquele rei que ha- menta necessária para carregar as arrombando alguns e desorganizando
viam auxiliado o Samorim, assaltan- naus. o seu dispositivo de combate. Apro-
do-lhes de surpresa as suas aldeias e Certo dia, Francisco e Afonso de veitando a confusão, as nossas em-
matando-lhes muitos soldados. Albuquerque foram informados de barcações meteram-se por uma bre-
Dada a natureza da região, toda que numa localidade, situada aproxi- cha que se formara na linha inimiga e
ela cortada por numerosos esteiros e madamente a nC\'e léguas de Co- prosseguiram no seu caminhodeixan-
rios. os portugueses utilizavam em chim, havia grande quantidade de pi- do para trás os parausde Calicuteem-
larga escala os seus batéis, artilhados menta. Resolveram logo ir buscá-Ia, baraçados uns nos outros!
ç empavesados, o que lhes conferia levando quatro batéis e uns tantos pa- Mas o problema estava longe de
grande mobilidade e superioridade rausde Cochim. Atacados frequente- se poder considerar resolvido. Logo
táctica sobre o inimigo. mente durante o percurso por fre- que se recompuseram, aqueles pa-
Convirá esclarecer que «paveses» cheiros escondidos nas margens e por raus foram em seguimento dos nos-
eram quaisquer protecções com que paraus, os portugueses foram levan- sos, disparando continuadamente a
se alteava a borda dum navio ou do tudo de vencida, conseguindo che- sua artilharia. Era uma situação me-
duma embarcação (geralmente escu- gar ao fim da tarde ao local onde esta- lindrosa já que os portugueses não ti-
dos ou pranchas de madeira) com o va a pimenta. Carregaram-na num nham possibilidade de responder,
fim de proteger a sua guarnição con- tone (espécie de embarcação india- uma vez que cada batel dispunha dum
tra as flechas lançadas pelo adversá- na) e, nessa mesma noite, regressa- único canhão, montado à proa, que
rio. Nas naus, utilizavam-se também ram a Cochim sem ser incomodados. s6 podia fazer fogo para vante.
redes, estendidas por cima do convés, Tratava-se agora de voltar com o Mandando seguir adiante os pa-
para o mesmo fim. No caso dos batéis tone ao lugar donde viera , levando as raus de Cochim que iam em sua com-
utilizados em Cochim, dadas as suas mercadorias destinadas a pagar a pi- panhia, Duarte Pacheco cobria a reti-
pequenas dimensões, admitimos que menta. Foi encarregado dessa tarefa rada com os batéis portugueses que,
também pudessem estar coberlOS Duarte Pacheco Pereira que partiu de de quando em quando, invertiam o
com pranchas de madeira. madrugada com os mesmos quatro rumo para disparar sobre os seus per-
Reduzidas de novo as terras pró- batéis e os paraus de Cochim em que seguidores. Esta manobra tinha, no
ximas de Cochim à obediência ao seu iam embarcados cerca de cento e cin- entanto. o inconveniente de permitir
rei. Francisco de Albuquerque obte- quenta portugueses e quinhentos ma- que os paraus de Calicute se fossem
ve autorização deste para iniciar a labares. De novo teve que travar di- aproximando cada vez mais. Em con-
conslTução duma fortaleza , a primei- versos combates antes de conseguir sequência disso, os nossos batéis aca-
ra que os Portugueses tiveram na Ín- chegar ao seu destino, onde entregou baram por se ver envolvidos por eles.
dia , destinada a proteger a cidade e a o tone e as mercadorias que ele leva· Entretanto, os paraus de Cochim
feitoria contra futuras arremetidas do va sem mais novidade. chegavam a esta cidade e davam con-
Samorim. Mas uma surpresa desagradável ta aos capitães-mores da situação ani-
Em fins de Setembro chegou a esperava os portugueses na viagem tiva em que haviam deixado Duarte
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