Page 348 - Revista da Armada
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HISTóRIAS DE MAR/NHEIRoS!!J9::&...· __ ~~




                    O último argumento




                  orava  no  bairro  do  Alfeite.
            M      Professor  da  Escola  Naval,
                   passaram·lhe pelas mãos ge-
            rações sucessivas de alunos que ja-
            mais  esqueceram  a  personalidade
            ímpar  que  o distinguia.  Era  um  ho·
            mem simples de maneiras,  vestindo
            modestamente, algumas vezes,  até,
            peças do uniforme a que, previamen-
            te,  retirava  os  distintivos  do  posto.
            Fumava  interminavelmente.  E  uma
            melena de  cabelo descaía-lhe,  com
            frequência,  sobre  a  testa  alia,  que
            sempre procurava repor, num gesto
            maquinal.   _        .
               Dedicava-se, num «hobby" apai-
            xonante,  à  astronomia.  Do  telhado
            da casa, em que vivia, fizera irromper
            um telescópio afeiçoado pelas suas
            próprias mãos. Os seus estudos tive-
            ram projecção no mundo da ciência.
            Dominando, à  vontade,  línguas es-
            trangeiras,  colaborava  em  revistas
            internacionais  e  deslocava-se,  lá
            fora,  em  missões científicas.  ligou,
            depois, o seu  nome, para sempre, a
            um organismo divulgador prático de
            conhecimentos astronómicos a ope-
            rar ainda em nossosdias.
               A sua maneira de  ser esteve na
            origem  de  diversos  incidentes  que
            ele próprio, humoradamente, referia
            aos mais íntimos.
               De uma vez, no «jeep» de um or-
            ganismo de Marinha, em que servira,
            na altura, saia, sozinho, da Base Na-
            val, no Alfeite. Trajava à civil, com a
            simplicidade habitual. Na passagem,
            um marinheiro fez-lhe sinal, pedindo
            boleia.  Logo  travou  e  embarcou  o
             marujo -  este, dado o aspecto en-
            ganador  do  comandante,  de  todo
             ignorante  que  seguia  ao  pé  de  um
            oficial.
                No -trajecto,  o  diálogo  desenro-
             lou-se naturalmente. O comandante
            era bom conversador, simpático, não   camaradagem, apontando um tasco:   Vindo do Alfeite, dirigiu-se para o
  •         traindo  no que dizia o  nível cultural   - Oh! Pá! Agora vamos beber ali   edifício  onde  se  sediava aquele or-
            que  marcava  a  sua  superioridade.   dois copos de três ..         ganismo.  No vestíbulo, fiscalizando
               Ao chegarem a Cacilhas, o mari-                                   as entradas, estacionava um porteiro
            nheiro, face  à  convivência fácil  que        ***                   de grande  estatura,  muito digno no
            se  estabelecera, à  simplicidade  do   Numa  outra  ocasião,  o  coman-  seu uniforme agatoado.
            interlocutor  e  à  ignorância  da  sua   dante  recebera  convite  para  uma   Já não era cedo.  Os convidados
            autêntica  identidade - que persisti-  conferência  na  Sociedade de  Geo-  aglomeravam-se  à  entrada,  os  ho-
            ra-, disse-lhe, num  gesto de grata   grafia de Lisboa.              mens trajando com distinção e as se-
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