Page 300 - Revista da Armada
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escota. Chega para mim, gente,
salta ao escaler de estibordo; anda
com a mão.
Como dissemos, ainda não ti-
nha passado a lua de S. Francisco
e os seus efeitos sentiam-se com
toda a força que ela desenvolve ao
terminar; isto é, vento duro, céu
carregado, mar grosso e trovejando
a todo o instante.
- Salta ao escaler -, repetem os
oficiais que estavam em cima por
causa da altura do Sol,que não se
deixara de ver, e eles e a marinha-
gem correram às talhas e outros à
exárcia para afrouxarem a funda,
não só porque este uso é ordinário,
se não porque os rapazes eram ben-
quistos e o mesmo que por folgar
puxara pelo pé ao companheiro
estava já no escaler a desamarrar-
-lhe as peias e a safar·lhe as talhas
todo aflito e meio morto de dó e de
remorsos. Saltaram por isso mais
dos que eram suficientes para dois
escaleres, mas tanto empenho mos·
travam em salvar o sota-gajeiro de
proa que foi preciso usar de autori-
dade para ficarem a bordo dele só
os dez homens que os remos com-
portavam e o patrão.
Arriou-se, deitando-se nesse
intervalo que decorreu capoeiras e
selhas de adriças ao sota-gajeiro
que lhe servissem de bóias. Amou-
-se o escaler, mas a vaga era alta,
e uma das talhas não correra bem
a desengatar do sapatilha do estro-
po; o escaler fica um pouco suspen·
50 da proa, e por isso, não assen-
meiro pega no pé do outro que rapaz agarrara o cabo e por isso dis- tando todo na água, mergulhando
levava vantagem de um ou dois seram imediatamente: da popa, na ocasião em que o
enfrachates, este vacila, e como ia - Está seguro, está salvo. patrão lhe calava o leme, caindo
depressa e mal seguro perde o O oficial de quarto, ouvindo aquele logo ao mar; o escaler vem
equilíbrio, rola pela enxárcia abaixo isto, não mandou arriar o escaler de encontro ao costado e apanha o
e cai no mar. - Homem ao mar! - gri- nem deu outras providtmcias, pobre moço que puxara pelo pé ao
tam logo, e grita todo o quarto da supondo que o marinheiro entrara companheiro, faz-lhe perder o aqui-
proa que sabia o empenho dos dois por alguma porta da bateria; lfbrio, cai e some-se debaixo dele;
rapazes, ambos bons moços e ami- porém, não era assim; a charrua, outro, que sofrera igual choque, ou
gos que apostavam entre si dar a apesar de ter orçado quase a ficar por outro motivo, que a rapidez do
noticia da terra primeiro do que o com o pano sobre, levava grande facto e a confusão que reinava não
vigia da gávea grande. seguimento, e o rapaz com a violên- deu tempo a examinar, aconteceu-
- Homem ao mar! cia do corso na água não p6de -lhe o mesmo; outros mergulharam,
- Orça - , diz o oficial de quarto aguentar-se e largou o cabo a que mas não perderam o tino e segura-
para o timoneiro. se tinha agarrado. ram-se às talhas e aos fuzis da mesa
Este orça logo, atirando-se-lhe Mal o largou, mas já pela popa da mezena, quando a chanua foi no
da tolda com dois comedouros de fora, tornam a gritar: balanço, sem mais lhe importar o
galinhas e aduchas de cabos para - Homem ao mar, lá vai, lá vail escaler, que preso pela talha de
lhe servirem de apoio, enquanto O oficial acudiu, gritando tam· proa deu umas poucas de pancadas
não fosse socorrido, como é cos- bém: no costado, partindo a falca e o
tume fazer·se em tão tristes e des- Ala aqui os braços grandes e alcatrate, tornando-se a içar-se com
venturadas ocasiões, nas quais gávea, larga bolinas de ré, carrega mw'to custo e perdendo-se de vista
todos parecem loucos a bordo. O a vela grande, arria a amura e o sota-gajeiro. E assim, por amor de
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