Page 342 - Revista da Armada
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sido designadas, com excepção do pessoal da máquina   gadores e nada mais foi necessário para aquietar jus-
            e do fogo, pois a única maneira passiveI de combater   tos receios. Vendo que os oficiais estavam junto dêles,
            o submarino era fugir na sua frente e a  todo o  vapor.   correndo os mesmos riscos,  começaram a  animar-se
            Para isso era necessário que f6sse aguentada a  pres-  e, então souberam cumprir. O «Machico» corria agora
            são nas caldeiras.                                 a uma velocidade de quinze nós e, s6bre êle, correndo
               Fugir,  era, nésse momento,  ainda  uma forma de   também, o submarino continuava despejando metra-
            combater, tentando vencer o inimigo pela velocidade   lha. O barco tremia todo ao esfarço de cortar as vagas,
            e  não lhe permitindo cumprir o  objectivo militar que   parecia que se ia partir em dois, mas dócil nas mãos
            a si mesmo se tinha imposto: -inutilizar a unidade mer-  do seu capitão,  cumpria bem,  obedecia sempre.
            cante que perseguia.                                   O uPOrtUgabl que navegava na esteira do vapor ata-
               A  metralha chovia próximo do navio, sem contudo   cado, abarrotado de oficiais e soldados que regressa-
            o atingir, num duro combate a  que não faltava gran-  vam de África, logo que captou o pedido de socorro
            diosidade,  ali à  beira de terra pacifica e  neutra. Foi   enviado pelo «MachicolI, mudou de rumo, contornou
            lançado um S.O.S. determVlando as coordenadas, 29  0   as ilhas FuenteventurB e Lanzarote, pelo Sul, pondo-
            38' N . de latitude e 14 o 00' W de longitude; o imediato   -se assim a  coberto do inimigo. Tão precárias são em
            fazia  com  que  todos estivessem  a  postos junto das   momento de guerra as condições de navegação, que
            baleeiras,  de  modo  a  não  haver atrapalhações  no   nem sequer é  dado a  um navio atender a  um aflitivo
            momento  do  salvamento  e  obrigando  que  todos  a   pedido de socorro dum barco irmão.
            bordo, passageiros e  tripulantes,  vestissem os indis-  Foi recebido um rádio dizendo que um navio de
            pensáveis cintos de salvação,  a  que os portugueses   guerra inglês iria socorrer o  «MachicolI,  mas a  bordo
            são tão refractários.  Ao mesmo tempo foram  dadas   todos os entendidos tinham boas razões para crer que
            ordens terminantes:                                 éste, só na velocidade podia confiar, e foi esta que o
                - As baleeiras só serão arreadas quando o navio   salvou.  O ataque do navio de guerra alemão durava
            estiver na iminência de ir a pique e já completamente   havia  mais de meia  bora,  sem  que uma  única bala
            desmantelado ...                                    tivesse  acertado o  alvo.  No paquete soltavam-se já
               No alto da ponte, dominando os acontecimentos,   entusiásticos vivas vitoriosos e alguns marinheiros de
            só dois homens: o comandante e o marinheiro do leme.   mais ânimo,  dependurados nas enxárcias,  ao verem
            O navio a  tóda a fdrça  das máquinas,  levantava  um   que o submarino cada  vez perdia mais mar,  diziam
            enorme cachão à proa e deixava à ré uma esteira de   jubilosos:
            alva espuma. No entanto o  telégrafo da ponte para a    - É rapazes,  que grande vitória! ...  Como éle fica
            casa das máquinas, marcava sempre - «Mais fdrça ...   para  traz ...
            Mais fdrça ... »                                       Pouco depois avistava-se terra. Passageiros e  tri-
                E a luta continuava, aumentando a cada momento   pulantes, quantos a bordo seguiam, todos sentiam que
            de intensidade dramática, sem qualquer dos dois con-  a pericia do comandan te e o esfdrço do pessoal de fogo
            tendores denunciar cansaço ou vontade de se render.   salvariam  o  navio.  A  velocidade  não  diminuia  e  o
            O  navio  alemão  continuava  vomitando  metralha   comandante na ponte, sempre atento, pedia constan-
            enquanto o «Machicoll, descrevendo zigue-zagues con-  temente que aguentassem a pressão nas caldeiras, já
            tinuos,  adoptava  a  nova  tática  então  ensaiada  nos   que era impossivel dar mais velocidade ao barco.
            combóios  inglflses;  só  da  velocidade  fiava  o  salva-  Fugindo também se vence -provou-o o «Machico!!.
            mento de tantas vidas e haveres.                       Já próximos novamente da ilha Lanzarote, deman-
                Em certa altura -foi então o momento mais trágico   dando o pequeno canal formado por esta ilha e  a  de
            daquelas horas de tragédia  - o  primeiro maquinista   Alegranza,  o submarino disparou ainda vários. tiros,
            subiu à ponte e comunicou que o pessoal de fogo pre-  só desistindo da perseguição quando o  vapor quási
             tendia abandonar a casa das máquinas, receoso do que   se encobria com a terra, como que agasalhando-se na
            se estava passando e de que files só tinham conheci-  sua sombra.
            mento pelo troar da artilharia. Receavam que algum     Fundeou o paquete num dos pequenos portos da
             torpedo atingisse o navio e provocasse uma explosão   ilha e  ai passou o dia,  suspendendo ferro logo que a
            nas caldeiras,  o que seria a morte certa e sem apêlo   noite se avizinhou. Rumo à costa de Marrocos, tentou
            para quantos se encontrassem na casa das máquinas.   entrar no p6rto de Mogador, o que não foi consentido.
                Num  gesto  de  desespéro  o  comandante  Vieira   Novamente ao mar, o «Machico!! encontrou um «trolenl
            Dionlsio advertiu o  primeiro maquinista de que era   francês que deu as instruções precisas para o resto da
            absolutamente necessário que o pessoal do fogo con-  navegação:  «atravessar de noite a  zona  de  oitenta
             tinuasse  ocupando  os seus lugares,  custasse o  que   milhas ao largo de Cabo de S. Vicente, e com tódas as
            custasse, pOis que dai adviria a salvação de todos. Que   luzes  exteriores  apagadas».  Nessas  paragens,  dizia
            empregasse junto déles todos os esforços, tada a sua   ainda  a  informação,  f6ra  assinalada  a  presença  do
            influência e que inclusivamente, se tanto f6sse neces-  inimigo.
            sário, lhes jurasse que não havia perigo dum tOrpedea-  O  submarino que atacara o  vapor alemão-portu-
            mento, pois que o  vapor corria na frente do subma-  guês, já depois dêsse ataque afundara vários navios,
            rino e  com  mais velocidade do que éle.            entre éles a  barca (Emf1ia»,  da praça de Lisboa.  Isto
                O primeiro maquinista, se bem lhe foi feita a reco-  passava-se já no dia 17 e,  nesse dia, na véspera e no
            mendação, melhor a executou. Foi para a casa das cal-  seguinte,  as estações  costeiras portuguesas chama-
            deiras  com  os  restantes  oficiais  do  fogo,  meteram   vam constantemente pelos vapores «Machicol! e «Por-
            carvão nas caldeiras juntamente com os moços e  che-  tugabJ, principalmente a de Monsanto, com uma insis-

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