Page 369 - Revista da Armada
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- Essa eu  não  posso responder.  Você quer dizer que eu   finitiva,  pelos tempos sem tlm.  E, de mão dada com o poeta
        eSlou  mono?                                        grande, também O prosador, cronista fabuloso, marcado pelo
         Não estava.  Só viria a  morrer a  17  de  Agosto de  1987,  no   humor e cepticismo; e pela humanidade, sempre.  E também
         Rio de Janeiro,  na juventude dos seus 85 anos,  mal do cora-  jornalista, afinal de contas um  homem  tem  de ser profissio-
        ção, que não resistiu à mone de Maria Julieta, sua filha úni-  nalmente alguma coisa, e Drummond escolheu ser jomalistl.,
        ca, apressou o -deslizamento do poeta_, como chamou a esses   .. e com muita honra:  porque é fascinante lidar com a notícia
        versos que dedicou  à  memória de  Manuel  Bandeira:   no momento em  que é criada,  sentir aquele calor de lançar
                                                            o  facto  em circulação •.
           A  circulaçiJo do poema                             Deste imenso poeta da língua portuguesa, para quem a sal-
           sem poeta: fonna  autónoma                       vação da vida era o amor, escolhemos, entre tantos versos de
           de  toda a  circunstdncia                        tantos livros seus, dois poemas que à nossa antologia são apro-
           magia  em  si,  prima  letra                     priados, poemas onde se fala de mar (e de amar); e também
           escrita  no ar,  sem  intermédio                 trouxemos, de sua prosa,  uma  pequena deliciosa crónica lO-
           faiscando                                        cando o tema aqui habirual; e ainda juntamos, porque a gran-
           na ausência definitiva                           deza de Drummond esse pecado fará desculpar, o poema do
           do  corpo fatigado.                              "Desaparecimento de Luísa Porto_ que do mar e de marinhei-
                                                            ros não fala, mas poema que todos os marinheiros entendem,
        A poesia de Drummond ficará faiscando,  na sua ausência de-  grande como  omar.

        De .ANTOLOGIA  POÉTICA.               Na  Ifvida  escanw                DESAPARECIMENTO  DE  LUISA.
                                              110  agudo ressalto            PORTO
                                              de teu cosmorama,
                    MARALTO
                                              quem  sabe,  maralto,             Pede-s~ a  quem  souber
                                              o  que de  tiJo  aliO,            do paradeiro de  Lu/sa Pono
           Que  coisa  é maralto?             Mo  alto,  anda jalto             avise sua residência
           O mar que de assalto               /lO  anwr de quem  ama?           à Rua Santos  Óleos,  48.
           cobre toda  a  vista?                                                Previ/lO.  urgente
           Golo cuja  crista                                                    so/itdria  miJe enferma
           salta  em sobressallO                                                entrevada M  longos MOS
           a  quem  lhe 1Ysista?                                                erma  d~ seus cuidados
           O mar - que  é moralto?                       ***
                                           CORAÇÃO NUMEROSO
           Acaso torre alta                                                     Pede-s~ a quem  avistar
           nuvem  tronco espanto              Foi  /10  Rio.                    Lu!sa Pano,  de 37 anos,
           de fluido  agapanto,               Eu passeava  IIIJ  A venida quase   que  apareça,  que  escreva,  que  mande
           de flores  em moita                                    meia-lIOite.                           dizer
           doida,  a  cada  canJo                                               onde estilo
           do  mor que se  exalta?            Havia  a promessa do  mor         Suplica-s~ ao rep6ner-amador,
           Marulho  ou moralto?               e bondes tilimavam,                 ao caixeiro,  ao mata-mosquitos,  ao
                                              abafando o calor                                       transeunte,
           Mar seco tiJo alto,                que soprava com  o  vento         a  qualquer do povo e da  classe média,
           de um  (ris  cambiante             e o  vento  vinha de  Mi/1QS.     até mesmo aos senhores ricos,
           que  em azul colxJlto              Meus paral!ticos sonhos ehsgOSlo eh vi~'er   que  tenham pena de miJe  aflita
           se volve num  salto                (a  vida para  mim é  vontade de morrer)   e lhe  r~stituam a filho  volatilizada
           e  110  peito anwnte               faziam  de mim homem-realejo      ou pelo menos dêem  injormaç~s.
           o duro basalto,                                  inyunurbavelmente   t. alta,  magra,
           a pelllJ  COflStMlt                na  Galeria  Cruzeiro quente  quente
                                              e como lU10 COIlhecia ninguém a lU10  ser   more/lO.,  rosto penugento,  de/ltes  alvos,
                                                           o doce  vento mineiro   sinal de /1QScença jUlllo ao olho esquerdo,
           de  amar  vai  roendo,             nenhuma  von/ade de  beber,  eu  disse:   levemente estrilbica.
           e a sedeflla falta                               Acabemos com  isso.   Vestidinho  simples.  Óculos.
           - voz  baixa,  mar alto                                              Sumida  hd três meses.
           em sal convenendo?                 Mas  tremia na cidad~ uma fascilllJç{Jb   MiJe  entrevada chamaruJo.
           Que outra  onda  mais alta,                        casas compridas
           moralto metuendo,                  autos abenos co"endo caminho do mar
           que um amor sofrendo?              voluptuosidade  erraflle do  calor   Roga-se ao povo caritativo desta cidade
                                              mil presentes da  vida aos horMrIS   que  to~ em  consideraç{Jb  um  caso de
           Maralto,  maraltas!                                    indiferentes,                         famllia
           Quanto mais esmoi/as               que meu coraçao bateu fone, m€US olhos   digno de simpatia  especial.
           de  espuma esse  rosto                             inúteis  choraram.   Lu(sa  é  de bom  génio, correcta,
           branco descomposto,                                                  meiga,  trabalhadora,  religiosa.
           mais se espremem altas             O mar batia em meu peito, jd lU10 batia   Foi fazer compras  na feira  da praça.
           uvas de  t~u mosto,                                       110  cais.   Nao  voltou.
           mois vivo é seu gosto.            A  rua acabou,  quede as drvores? a
                                                                cidade sou eu
           Maralto fremente                  a cidade sou  eu                   Levava pouco dinheiro IIIJ  bolsa.
           géiser sob asfalto                sou  eu a  cidade                  (Procurem  Lufsa.)
           puro jacto ardente                meu  amor.                         De ordindrio nllo se demorava.
           prato que se sente                                                   (Procurem  Lufsa.)
           vagando em  controlto                          (em  ..Alguma  Poesia_)   Nanwrodo  isso  rn'Jo  tinha.
           veementemente                                                        (Procurem.  procurem.)
           alto mar maralto!                                                    Faz  tanta falta.
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