Page 372 - Revista da Armada
P. 372

Terminologia Naval Portuguesa



        - a sua etimologia







              omo podemos avaliar pelo vocabulário que se encontra em   Já  em  documentos  da  época  medieval.  anteriores  à  mone  do
              documentos medievais e em textos arcaicos de diversa natu-  Infante D. Henrique, são mencionados tennos náuticos de  Iodas as
         Creza  - escrituras,  livros.  cronicas,  testamentos.  ele.  - t   proveni!ncias acima apontadas, o  que não é de surpreender, pois é
         ponto  assente  que  os  portugueses já antes  do século  XV  tinham   sabido  que  todos  os  contactos  humanos  com  pessoas  de  línguas
        conhecimento  das  técnicas  relacionadas  com  a  arte  de  navegar.   diferentes  pode  levar a  um  «empréstimo.  mútuo de tennos ou  de
           Todo esse  rico  vocabulário,  levado  às  mais  remotas  panes do   e:<pressõe5.  Este empréstimo linguCstico assume panicular importância
        Globo. nos mostra como os portugueses eram, desde a antiguidade,   por ser um dos meios atnlvés dos quais urna língua pode enriquecer-se.
        dados às coisas do mar, e os seus vestfgios. deixados nas línguas de   sendo o  outro  a  criação ou  a  derivação.
        outros  povos  com  os  quais  estivemos  em  contacto,  ainda  hoje   Grande foi a influência que a linguagem dos navegadores árabes.
         perduram  e  são  justificado  motivo  de  orgulho  para  todos  nós.   castelhanos,  catalães,  provençais,  franceses.  italianos e  genoveses
           E por falar cm contactos com outros povos. julgamos pertinente   e:<erceu  na  nossa  língua  daquelas  recuadas  épocas,  Temos grande
        dar  aqui  uma  rápida  vista  de  olhos  sobre  alguns  acontecimentos   abundância de vocábulos de origem  francesa.  muitos de Itália e  da
         históricos dos  primórdios da  nossa  Marinha.     Catalunha, muito poucos de Espanha. apenas dois ou três da Holanda.
           Durante  o  século  XII  já  os  árnbes  frequentam  os  ponos  do   Lendo Zurara, Fernão Lopes e outros cronistas, concluímos que
        Ocidente da Europa, onde deixam o seu gárib e muito provavelmente   OS  ponugueses, que. com os seus conhecimentos  náuticos.  revolu·
        a  vela  latina,  donde  mais  tarde,  a  partir de  1440.  havia  de  sair a   cionaram não só os processos de navegação,  mas também o mundo
        caravela com o seu característico velame, que lhe pennitia navegar !   medieval com os seus descobrimentos. em nada poderão ver dimi-
         mais chegado ao vento do que qualquer outro tipo de navio até então   nurda a sua glória pela adaptação e inclusão na sua linguagem naval
        conhecido. (Como é sabido,  em  1433/34,  Gil  Eanes utilizou ainda   de termos de  origem  alheia.
        uma  «barcha_  para  ultrapassar  o  Bojador).         O caminho percorrido pelo vocábulo original até li fomla da nossa
           Nos princfpios do século XlII, D.  Sancho 1'1 cria um corpo regular   adaptação ou corruplela, é por vezes bastante sinuoso - o que nào
        de  forças  navais.  para  enfrentar a  terrível  ameaça dos  ataques  de   é de admirar, se considerarmos a escassa cultura literaria das gentes
        surpresa de piratas mouros e  normandos. Ainda  nesse século e  em   do mar daquelas ~uadas épocas. O vocábulo estnlngeiro era repro-
         prindpios do  século  seguinte,  aparecem  a  bússola  e  o  ponulano;   duzido oralmente, umas vezes com certa semelhança, outras vc~
         venezianos e genoveses,  navegam  nas COStas  ocidentais da  Europa   muito maltratado: e a grafia sónica 3presentava variantes, conforme
        desde os seus panos até à Aandres. com escalas na Península Ibérica.   o ouvido e a cultura de quem escrevia, Algumas dessas variantes e
         na  França e  na  Inglaterra.                      a sua evolução mostram bem as dificuldades de reprodução da palavra
           Em  1317  D.  Dinis manda  vir de Génova Manuel  Pezagno para   original  - consultando documentos medievais ou lendo os ®$SOS
        servir  no cargo de  «almirante das galés de el-rei ~ e  reorganizar a   cronistas,  podemos  ter disto boa  prova.
         Marinha e a construção naval.  Pczagno fixa-se em Portugal, assim   Não  resisto à lentação de  mencionar aqui o  relato de um  velho
        como os seus descendentes, os Peçanhas ou Pessanhas.  As medidas   marinheiro que servira nos navios baleeiros da Nova  Inglllterra. Já
        então tomadas  permitiram a  D.  Afonso  IV.  sucessor de  D.  Dinis,   octogenário,  regressara i'l sua terra. o Faial. e. numa roda de lImigos,
         iniciar o primeiro ciclo das nossas descobenas e ainda prestar valiosa   revivia  os  primeiros tempos dn  sua  actividade  marítima:
        assistência  marítima  a  Castela  e  It  Aragão.
                                                                 ~ Fui alistar-me num armador que tinha umas 'ofus' (offices)
           Também o  nosso  relacionamento,  desde  tempos  rcmotos.  com
                                                                 muito grandes em New Bedford. Recebi umas ·dólorf'S'. como
         mercadores  e  marinheiros  de  outras  naçõcs.  nos  levou,  como  é
                                                                 adiantamento,  um  saco de  lona,  duas  libr:ls de tabaco,  uma
         natural. a  Bda]>(ar diversos termos das suas línguas - tennos esses
                                                                 naifu  (knife),  uma  sll~ra  de  Iii  (sweater),  e  umas  boas
        que. em muitos casos. já provinham de OUtras. Prova este enrique·
                                                                 ·;"jarrôbos' (india-rubbcr OOotS - botas de borracha natural
        ~'Cdor inlercâmbio que as línguas  nilo  estilo  isoladas.  mas  sim cm
                                                                 - a  única  que entâo e:<istia,  dcslgnada  por india-rubber).,
         permanente  contaclO umas com as  outras,
                                                               Por último, e niio por ser de somenos unponância. queremos tam-
           No  estudo  etimológico  a  que  procedemos  (ver  Bibliografia),   bém  abordar li considerável  illnuência  inglesa  no  nosso  vocabulá-
         pro<:unlmos  reunir  um  glossário dc  vocábulos:
                                                            rio. exercin ao longo dos tempos. mas talvez com maior incidência
           a)  I)onugucses. de  raiz  latina,  na  sua  maioria:   desde o reinado de D.  João I c no período posterior ~ reorganização
           b)  de origem  árabe;                            da  Mllrinha  levada  li cabo  por  D.  João  V em  1713.
           c )  de  origem  castelhana;                        yerifaca.sc que  alguns dos  nossos  teml0S  navais  são de  nítida
           d)  de  origem  català:                          ongem inglesa, por vezes simplesmente _aponuguesados •. Como por
           r)  de  origem  francesa:                        exemplo;
           f)  de origem  provençal:                           BRIGUE.  COFERDA.ME,  COMODORO,  COTE,  ESCUNA .
           g)  de origem iltlliana;                         ESPARDEQUE,  ESPRINGUE,  FAGONE,  GAFETOPE,  GAIO.
           h)  de origem neerlandesa:                       GUALDROPES.  GUINCHO,  IATE,  JAQUE,  JARDA,  LA ITA,
           i) de  origem  inglesa;                          LlNGA,  PATARRAZ,  PICHE,  SOLECAR, TEQUE, etc,
           j) de  origem  incerta.  controversa ou obscura,    Tal como sucede com étimos de outras origens, em alguns casos
                                                            é difTeil. senão impossível, detenninar se foram os ingleses que vieram
           Propositadamente  omitimos  os  vocábulos  cuja  ctimologi3  é   b USCHr o  nosso termo c o  adaptnmm  li seu  modo.  ou se  fomos  nós
        facilmente indemificável. como CASCO, de rosca.  derivado regres-  que importámos e adaptámos o deles, tal é a semelhança entre cenos
        sivo de cascar.  este do latim  qlla~'sit'(lrr; CORDOARIA.. de ('(lN/(I:   tennos  navais  ponugueses e  ingleses.  Para  col/frol/to.  e  nos casos
        ALM IRANTADO.  ANCORAR, etc .. e  tamhém a maior parte dos   em que i~so ~ evidente, indicamos em notas .CI" o vocábulo inglês
        temlOS  arcaiCOS  ou em desuso.                     de  idêntico significado.
                                                                                                            9
   367   368   369   370   371   372   373   374   375   376   377