Page 372 - Revista da Armada
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sle mês de Dezembro, em
que um ano está prestes ii
E findar e o Natal se aproxi.
ma, leva-me a recordar factos
vividos que me deixaram sau-
dades. nomeadamente épocas
nataHcias passadas longe de
casa, da família e dos amigos.
Ao contrário do que presente-
mente sucede, há alguns anos
atrás, n~nheiros, passá-
vamos , por vezes em
longas com de embarque
ou de serviço, em terras distan-
tes do Portugal europeu. António de Motael, a catedral Tal como sucedera com a
Por motivos diversos, recor- de Dili, que fora destruída pelo Estação Radionaval de Nova
do particularmente o Natal que invasor japonês e posterior- Goa, por ocasião da invasão
passei nos anos de 1963, 1966 Cuinl. Inst.llaçães NiIViJis de BisSiJu, mente reconstruida, após terem indiana de 196\ , também a
e 1974. /966, án-ore de NiJtal cessado as hostilidades da II Estação Radionaval de Dili
Relembro a noite de Natal Guerra Mundial. Bem perto e seria a última ~voz" de Por·
de 1963, jovem tenenle, de cidade de Dili, foi aquele que varados na praia, ainda eram tugal em Timor.
quarto à ponte e em ocultação mais fortemente perdura na visíveis os restos de lanchas de As festiv idades mais impor·
de luzes, sob os efeitos de uma minha memória. Foi, também, desembarque, que tinham par- tantes e as ocasiões que possi-
desconfortável calema, em o último Natal português de ticipado em operações naquela bilitavam a confraternização
patrulha nos mares do Norte um território saudoso e íasei- ilha, que bravamente resi~jra~do ~ssoal de Marinha e dos
de Angola, a bordo da fragata nante, como é Timor. invasão japonesa. • s familiares, decorriam sem-
"Oiogo Gomes", com a missão A religião católica tinha sido Igreja repleta e temperatura pre nas instalações da Estação
de identificar rondando os 40 graus, eram e agregavam, naturalmente, o
a navegação condições apenas suportáveis pessoa do Comando da
que deman- pela Fé e por várias ventoinhas Defesa Marítima de Dili.
dava o imen- instaladas no local. Nesse dia, lá estava montada
so rio Zaire. Recordo a homilia do Bispo a árvore de Natal, rodeada de
Era uma noite de Timor, exortando os fiéis presentes que mais tarde foram
escura como presentes - timorenses, euro- distribuídos à pequenada, por
breu e havia peus, chineses e mestiços - um marujo COnvenientemente
tempo para para a necessidade de seguirem vestido de Pai Natal. Que calor
pensar e para a palavra de Cristo: "Amai·vos nào terá passado aquele
evocar tantas uns aos outros, como eu vos homem, debaixo de umas ves-
ausências. amo!" Ninguém pensaria, tes tão pouco apropriadas
TimO/". Dili, 1974. presépio do COo
Que solidão tremenda! fl'Yndo tk ~ M."i1Í!inw naquela altura de solenidade e àquele clima tropical!
Mais tarde, em 1966, o jan- recolhimento, que, decorrido Por fim, foi servido o espera-
tar da consoada foi na Guiné, difundida e adoptada na ilha, menos de um ano, a tragédia do almoço. A par do insubstituí-
nas Instalações Navais de desde que, em 1512, os Por- de uma guerra civil se iria aba- vel ~ Bacalhau à Braz" e do Ira-
Bissau, em confraternização tugueses a ela tinham chegado, ter sobre aquela terra e que, dicional "Chateaux Paiol",
com os homens do Desta- no que constituíu a primeira e muitos dos que então ouviam e houve lugar para a gastronomia
camento de Fuzileiros que pioneira presença de europeus aceitavam as palavras do seu timorense: o ~sassati" - uma
então comandava. Aí não se nos mares e ilhas do oceano Bispo, iriam ser protagonistas espetada de carne de cabrito,
sentia a solidão da noite escura Pacífico. Durante alguns anos, activos dessa luta fratricida. grelhada em varinhas de
e do mar, que experimentara foram exclusivamente os Depois foi o almoço de Natal bambú, com molho de semen·
antes. Vivia·se, principalmente, padres dominicanos que ii para o pessoal de Marinha, rea- tes de tamarindo e soja. acem·
uma genufna camaradagem, guraram a presença lusi • lizado nas instalações da panhado com vinho de palma.
uma fraternidade sã e uma soli- naquelas paragens, porqua Estação Radionaval de Dili. No outro lado do Mundo,
dariedade sem limites, só pos- só em 1557 foi nomeado o pri- A Estação operava 24 horas "onde o Sol nasce primeiro~, o
sível entre os que vivem e meiro capitão-mor português. do dia, guarnecida por uma Natal de 1974 foi assim ceie·
sofrem os riscos e os perigos de Daí que justamente se afirme competentíssima e dedicada brado pelos nossos marinhei·
uma guerra, e que sabem que, que "Timor não foi conquista- equipa de pessoal telegrafista. ros e respectivas famílias, uni·
cada dia, pode ser o derradeiro do pela espada, mas somente Em Agosto de 1975, frequente- dos por dois laços indissociá·
da sua vida. E. para alguns pela cruz". Talvez por isso, o mente debaixo de intenso tiro- veis, e tanto mais fortes quanto
daqueles homens, o destino Natal era uma das mais ceie- teia, manteve uma operaciona- mais longe estamos da terra em
quis mesmo que fosse o seu bradas festividades da ilha. lidade permanente e foi, que nascemos: Ponugal e a
último NataL Nesse Natal de 1974, o dia durante um longo período, a Marinha. .1
Finalmente, o Natal de iniciou-se com uma missa ce- única via de comunicaçao de }.L.LEIRIA PINTO
1974, celebrado na longínqua lebrada na Igreja de Santo Timor com o Mundo. GU.M
10 DEZEMBRO 92 • REVISTA DA ARMADA