Page 116 - Revista da Armada
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chamou-nos à atenção o equipamento para onde a família real, até 1910, ia a lazer, um
“gravar” cartões de circuitos impressos que grupo de cadetes e militares doutras unidades
os alunos constróem e testam. envolvidos no campeonato da Armada, saía
Próximo, na velha oficina ainda são feitas para um treino de orientação, na Arrábida.
demonstrações de soldadura e de outros tra- De resto, a todos os alunos, além da varia-
balhos de serralharia. da actividade física e desportiva curricular, é
Noutro extremo da Escola observámos, do exigida a prática de dois outros desportos, à
exterior, um professor civil preparando uma escolha. A esgrima deixou de ser praticada e
aula. É um dos professores britânicos que o remo, de largas tradições e inequívoca
ensinam Inglês, fundamental no seio da escola de autodisciplina e perseverança, está,
NATO e afinal em todo o mundo. Com uma de momento, suspenso.
dezena de cadetes escutámos um interes- Nas salas dos diversos Departamentos cur-
sante texto e o início de um diálogo em que riculares, professores planeiam actividades,
todos se esforçaram por participar. Ao lado, redigem textos, preparam fichas, revêem
num pequeno Laboratório de Línguas, com o matérias e porque o exemplo é a melhor Aprontando as embarcações
outro professor, quatro cadetes desbravavam escola, enquanto se discutiam sucessos e
a língua de Shakespeare. insucessos, um botão era cosido. Momentos solenes marcam o dia. À
Mas porque as funções de um oficial da Embora muitas das publicações utilizadas tarde, quando o comandante sai da Escola
Armada têm mais exigências, há, natural- sejam produzidas na Escola e editadas no seu recebe, como de manhã ao entrar, as dis-
mente, que amarrá-la a uma sólida pre- Serviço de Publicações Escolares, nem por isso cretas honras militares regulamentares e
paração em termos de liderança, fundada deixam de ser compulsados, na Biblioteca, os quando ao desmaiar do dia, ao exacto mi-
numa inquestionável formação ética, militar cerca de onze mil títulos e algumas dezenas nuto do pôr do sol e por breves mas sempre
e cívica que são, já de longa data, apanágio de publicações periódicas, nacionais e tocantes segundos, os civis perfilados e em
da cultura militar-naval. estrangeiras, sempre que a curiosidade aperte continência os militares, é, aos acordes do
A testemunhar a formação militar dos ou trabalhos de mais fôlego, o exijam (10). clarim, arriada, até ser recebida numa
alunos, fomos, na Escotaria, encontrar três Numa Escola onde se vivem em cada dia, salva, a bandeira nacional. Como às oito
cadetes Fuzileiros, cujo currículo segue de muito diferentes dias, o intenso ritmo diário é horas, ao içar.
próximo os da Classe de Marinha, envergan- quebrado a meio da tarde por um lanche que Já escuro, na parada, onde num mastro
do ainda os seus camuflados e limpando, demarca o termo do horário escolar e o iní- são içadas todos os dias diferentes ban-
com ar comprimido, as suas armas. Um deles cio do tempo que os estudantes podem livre- deiras de um país estrangeiro, do código
de Cabo Verde. mente usufruir no interior ou, nos dias de internacional de sinais e um dos distintivos
saída, no exterior. da marinha, começam a surgir os cadetes
Naturalmente a preocupação central que não saíram. Envergam os seus uni-
nestes fins de tarde e pela noite fora serão as formes de passeio para, na formatura que
exigentes obrigações escolares. Por isso antecede o jantar, ouvirem um dos Cadetes
fomos encontrar cadetes, nas salas de aula e de Serviço ler, através do E.T.O. (12), a
na de Informática, ora disponibilizadas, ou Ordem de Dia à Escola. Informações e
nos seus alojamentos preparando em com- instruções são assim divulgadas e, bom,
putadores, se for o caso, trabalhos que têm também os castigos disciplinares, que a
de apresentar mas, aí, também se vivem farda não faz o ... militar.
momentos de lazer, lendo, ouvindo música À vontade, seguem então para o
ou simplesmente confraternizando à volta de refeitório onde, depositados os seus bonés
um qualquer petisco trazido, talvez, de casa. no bengaleiro e galgada a dupla escadaria,
Claro que os campos de jogos, o ginásio, a se dirigem às suas mesas onde, de pé,
piscina, a carreira de tiro e a baía do Alfeite aguardam que os Cadetes de Serviço ao
são muitas vezes apelos difíceis de resistir. Oficial de Serviço e às sete Companhias em
Ainda porque a carreira naval se exerce que se divide o Batalhão Escolar, um ou
prioritariamente no mar e sempre em função outro oficial «asilante» (13), o Oficial
dele, quando em terra, importa que desde Adjunto ao Oficial de Serviço e este próprio
logo os candidatos se autoavaliem num tomem lugar na mesa que, sobre um estra-
Limpando armas embarque e que, admitidos, rapidamente se do, lhes está reservada, para, obtida auto-
iniciem no contacto com o mar. rização do Oficial mais antigo, se iniciar a
Claro que também a preparação física não As tardes de Sexta-feira são, por isso, dedi- refeição.
é descurada. Em missões no mar e em terra cadas às actividades náuticas que se desen- Nas mesas, ao jantar, juntam-se cadetes
poderá salvar-lhes a vida. volvem a partir do centenário CNOCA (11) do mesmo Curso mas de diferentes anos.
Por isso, enquanto no Ginásio dois cadetes onde uma frota de 37 barcos à vela de 8 Uma forma de integrar os mais jovens, de
faziam musculação na antiga sala de tipos diferentes os aguarda. Nos fins de se- proporcionar relacionamentos para toda a
Esgrima, ao lado, num ginásio que em breve mana e a partir do segundo ano, sucedem-se vida, de transmitir uma cultura militar-naval
será instalado num edifício novo, alunos do os embarques nas vedetas e nos veleiros da que se foi adquirindo ao longo dos anos e
bacharelato, menos jovens que os da licen- Escola Naval, o «Vega» e o «Polar» e em se vai passando com a naturalidade com
ciatura, iniciam exercícios de aquecimento navios de guerra, progredindo com o cur- que se passa o testemunho numa estafeta
mais suaves dos que os exigidos a rapazes e rículo a responsabilidade das funções que, em 1782, a Academia Real dos
raparigas, num pavilhão anexo onde, horas atribuídas. Guarda-Marinhas começou a correr e que
antes, se reparavam as redes da pista de Mas é na primeira grande viagem que as Escolas Navais de Portugal e do Brasil,
destreza (?) por onde passa o treino militar. ocorre a bordo da «Sagres», no terceiro ano, briosamente continuam.
A cama elástica e os espaços para o que os cadetes descobrem que mais do que Sopa, um prato e fruta, pão, água e
karaté, o boxe e a luta ... falam por si. eles mesmos, são já a imagem da Escola, da sumos a acompanhar. Terminado o jantar
Enquanto uma cadete, regressava de um Armada e, muito mais do que isso, do seu cada mesa, oito cadetes, levanta-se e,
corta mato pelas fascinantes «Sete Quintas» próprio país. autorizados a retirar-se, dirigem-se ao seu
6 ABRIL 2001 • REVISTA DA ARMADA