Page 331 - Revista da Armada
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11 de Setembro de 2001,
11 de Setembro de 2001,
Terrorismo ou Guerra (I)
Terrorismo ou Guerra (I)
Julga-se que a ameaça islâmica nunca damente se desenvolveram e alastraram grama de modernização, o Xá Nadir Khan,
poderá ser uma verdadeira ameaça, como fortes movimentos nacionalistas por todo o (pai do actual rei do Afeganistão no exílio)
a define a estratégia, e não será militar con- cinturão islâmico: Norte de África, Próximo e assassinado em 1933 pela mesma razão e,
vencional. Ela será política, fragmentada e Médio Oriente, Sul e Sueste da Ásia. Alguns no Irão, o caso mais recente do Xá Mohamed
não coordenada na sua origem, dispersa dos acontecimentos mais importantes terão Reza Pahlevi, que lançou a “Revolução Ver-
quanto aos alvos escolhidos, desinteressada sido a nacionalização da indústria petrolífera de” para a irrigação, sedentarização e desen-
pelo diálogo, até porque não será fácil iraniana (2 de Maio de 1951), a revolução volvimento agrícola, deposto em 1979 pela
encontrar interlocutores, e sempre violen- republicana egípcia (1952-4) e a nacionaliza- revolução fundamentalista liderada pelo xiita
ta. Continuará a recorrer frequentemente ção do Canal do Suez (26 de Julho de 1956) Aytolla Sayed Ruholla Mussavi Khomeini. Já
ao terrorismo, ao terrorismo suicida, e (1), a revolução republicana e o regicídio no Mustafá Kemal, conhecido por Kemal Ataturk
pode até realizar acções militares de êxito Iraque (14 de Julho de 1958). e considerado o pai da Turquia moderna,
impossível, que para os ocidentais pare- A Conferência afro-asiática de Bandung conseguiu organizar e ocidentalizar a repú-
cerão actos de loucura ou de desespero. (18 de Abril de 1955), onde foram reconheci- blica Turca, como Estado laico.
dos como líderes do Terceiro Mundo dois Aquele movimento revivalista raramente se
António Emílio Sacchetti,
- Nação e Defesa, IDN, Abr-Jun 1995, p. 22 Chefes de Estado muçulmanos, Sukarno e desenvolveu sob a forma de “revolução tran-
- Segurança Europeia, ISCSP, 1995, p. 131 Nasser, e um terceiro indiano, Neru, foi um quila”. Os Governos reagiram, e se já eram
grito contra a presença ou o domínio políti- autoritários, mais autoritários se tornaram.
O HORROR co, económico e militar do Ocidente. Mais Pelo seu lado, os revivalistas, vendo dificulta-
tarde, desenvolvendo as ideias anti-colonia- da a sua acção, organizaram-se em grupos,
Terça-feira, 11 de Novembro de 2001. As listas e anti-imperialistas aceites em Bandung, cada vez mais violentos. Começou a instabi-
torres gémeas do World Trade Center de e rejeitando a hegemonia dos dois blocos lidade interna, crescente, do mundo islâmico.
Nova Iorque foram destruídas e o edifício do Leste e Oeste, formou-se o Movimento dos Nessa época, anos 60/70, o apoio do Oci-
Pentágono em Washington parcialmente Não-Alinhados com uma liderança tripartida dente a alguns Governos em dificuldade
demolido pelo choque e explosão de três informal: Tito, Neru e Nasser (reunião em mais agravou a violência dos grupos radicais
aviões das linhas aéreas comerciais dos Brioni, Jugoslávia, Julho de 1956). e orientou parte dessa agressividade acumu-
Estados Unidos pilotados por terroristas suici- Na generalidade, os governos nascidos lada contra o Ocidente que responsabi-
das. Um quarto avião, impedido de acertar destes movimentos nacionalistas dos anos 50 lizavam por muitos dos males que os atingia.
no alvo pela luta corajosa de alguns pas- e 60, ou os programas nacionalistas que pre- Por outro lado, as acusações ocidentais aos
sageiros, despenhou-se no solo. tenderam executar, falharam redondamente. grupos extremistas tiveram tendência a gene-
Muitas são as perplexidades suscitadas por E assim se pode compreender que os erros ralizar-se a partir da década de 80.
estes actos bárbaros. A contenção das dos movimentos nacionalistas tenham dado O que começou por ser uma revolução
reacções foi, em parte, uma consequência da lugar ao aparecimento, também generalizado, fundamentalista que dizia respeito apenas às
petrificação perante a enormidade. O deses- de movimentos revivalistas, importantes a par- correcções internas de parcelas do mundo
pero alimentou a energia para a remoção dos tir da década de 70, por vezes chefiados por islâmico, passou a ter também momentos de
destroços. A esperança fez prolongar as bus- políticos nacionalistas que não tinham partici- manifestação xenófobas, nomeadamente
cas. Pediu-se à nação americana que abafasse pado nas anteriores estruturas do poder ou que contra o Ocidente (2). As elites que lidera-
a raiva e o desejo de vingança. Evocou-se a delas tinham discordado e se haviam demarca- vam as minorias revolucionárias tinham
coragem e o patriotismo para retomar a nor- do. Mais tarde aderiram a esse movimento oposição interna e frequentemente careciam
malidade, que não mais será o que foi. Reco- revivalista as elites universitárias e profissionais. de apoio popular. Mas esse apoio popular
mendou-se cabeça fria e nervos calmos para E se os movimentos nacionalistas procu- aparece, quase exclusivamente quando a
pensar e cumprir o castigo do terrorismo, para raram a independência política e económica agressividade é orientada contra o Ocidente.
reduzir a possibilidade de repetição. face ao Ocidente, embora aceitando alguns Se compararmos os movimentos nacionalis-
O horror, a inteligência e a criatividade tão “princípios ocidentais úteis” ou alguma cola- tas que deram origem à multiplicação das
mal orientadas, a capacidade de evocar para boração, os revivalistas desenvolveram ideias independências no século XX, verificamos que
a destruição o Livro mais lido do mundo que fundamentalistas de recuperação dos valores muito fracas elites surgiram no mundo árabe,
foi ditado para a salvação, tudo isto provoca culturais tradicionais islâmicos, com total mesmo em relação à África de Houphouet-
uma série de pensamentos que não cabem erradicação dos valores culturais ocidentais. -Boigny, Kenneth Kaunda, Jomo Kenyatta,
num simples artigo. Como se verá no capítulo sobre o Afega- Amílcar Cabral, Francis Nkrumah, Agostinho
nistão, já assim havia sido antes, várias vezes, Neto, Léopold Senghor, Nelson Mandela, etc..
NACIONALISMOS E REVIVALISMOS simplesmente o movimento fundamentalista Apesar de terem alcançado a indepen-
não tinha ainda sido baptizado nem pôde dência muito mais cedo do que os Estados
Após a Primeira Grande Guerra, a quase beneficiar da força contaminadora da infor- africanos, e de serem dos mais ricos do
totalidade dos países do Mundo Árabe e do mação global. Mais ainda, é importante notar mundo, os países árabes e alguns islâmicos,
Mundo Islâmico do centro da Ásia alcançaram que a ideia de adopção dos valores ociden- com excepção dos pequenos sultanatos e
a independência, embora alguns na condição tais não foi uma imposição colonial, mas emirados, não têm tido governos ou elites
de Protectorados. Outros, poucos, tiveram que uma iniciativa interessada de modernização que resolvam os problemas sociais nacionais
esperar pelo fim da Segunda Grande Guerra assumida por líderes nacionais que queriam e que reduzam o fosso entre os muito poucos
para se libertarem de ocupações militares tem- o desenvolvimento do seu povo, tal como o muito ricos e os muitos muito pobres.
porárias e da influência ocidental. Xá Amanullah do Afeganistão exilado em Conseguiram, com sucesso, desafiar a
Envolvidos nos ventos da mudança, rapi- 1929, dois anos após ter lançado o seu pro- economia do mundo mais industrializado em
REVISTA DA ARMADA • NOVEMBRO 2001 5