Page 336 - Revista da Armada
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Timor
Timor
A caminho da independência
A caminho da independência
pesar das impressionantes atroci- mente face à sua sustentabilidade, a que Marinha. Xanana Gusmão pediu em carta
dades cometidas em Timor pelas considerava uma força de 3000 elementos, enviada ao secretário geral da ONU tam-
Amilícias, grupos armados pró- metade regulares, das ex-FALINTIL e 1500 bém a componente aérea, num total de cerca
indonésios, após o referendo de 30 de reservistas. Por solicitação de altas entidades de 3000 mil homens, sendo 1500 regulares,
Agosto de 1999 em que quase 80% da popu- timorenses, Portugal apresentou também número a ser atingido até 2003, devendo 850
lação optou pela independência, num acto nessa altura um estudo conduzido pelo estar preparados antes das eleições para a
de surpreendente disciplina as forças Instituto de Altos Estudos Militares que, Assembleia Constituinte realizadas em
armadas da Frente Revolucionária de Timor pese embora a geografia do território, se Agosto do presente ano.
Leste Independente (FALINTIL) respei- admite que não terá dado ênfase especial à Perante o compromisso internacional
taram o apelo de não agressão determinado Marinha. assumido na Conferência de Doadores atrás
por Xanana de Gusmão, mantendo-se acan- Perante novo cenário, a Austrália decidiu, citada, em Janeiro de 2001 avançaram
tonados nas quatro áreas pré-determinadas, logo em Setembro de 2000, inverter a sua alguns instrutores do Exército português
como uniteralmente haviam decidido, posição e tomar a liderança no processo, dis- que, de acordo com a elevada prioridade
visando um referendo sem conflitos, mas ponibilizando um programa de cooperação atribuída, montaram o Centro Instrução nas
recusando depor as armas até que o conti- na defesa a 5 anos, com um orçamento a montanhas de Aileu, onde 850 ex-FALIN-
gente indonésio fosse reduzido e os seus rondar os 3,5 milhões de contos e a cedência TIL cumpriram no período previsto a for-
efectivos aquartelados. de assessores à UNTAET, a qual marcou mação básica, incluindo neste número 50
Porém, ao aprovar a Resolução 1272 de 25 para 21 de Novembro de 2000 uma Confe- elementos destinados à componente naval.
de Outubro de 1999, que encarrega- A Cerimónia da Graduação ocor-
va a Administração das Nações reu em 21 de Junho em Aileu com a
Unidas para Timor Leste (UNTAET) presença das mais elevadas enti-
de ...estabelecer a segurança e manter a dades no território, tendo na ocasião
paz e a ordem..., o Conselho de sido colocados galões e devisas da
Segurança da ONU não previu a nossa Marinha aos futuros mari-
existência de forças armadas ou de nheiros. (1)
defesa de Timor, não permitindo Em Setembro de 2001 e após o
assim o administrador, Sérgio Vieira reforço da aprendizagem do por-
de Mello, desenvolver o projecto da tuguês, a Assessoria Naval por-
criação dessas forças e requerer ver- tuguesa vai iniciar a formação teórica
bas para a concretização das mes- durante cerca de dez semanas, visan-
mas. Patrulhas da classe “Oé-cusse”. do a recepção das duas lanchas. A
A 23 de Janeiro de 2000 a Força partir de Novembro está previsto o
Internacional de Timor Leste (INTERFRT) rência de Doadores em Díli, convidando os treino “on job”, admitindo-se o embarque de
transferiu formalmente para a UNTAET/For- países interessados para participar na for- guarnições mistas, portugueses/timorenses,
ça de Manutenção de Paz (PKF) o comando, mação das Forças de Defesa de Timor-Leste durante cinco meses. Aguarda-se assim,
e o brigadeiro-general Matan Ruak, o (FDTL). atento o planeamento, que os navios
comandante operacional das FALINTIL, A Austrália prometeu instalações e treino cheguem a Díli durante o mês de Dezembro
perguntou: Quem substitui as PKF? específico. Portugal comprometeu-se a dar o de 2001. A semente está lançada!
Neste enquadramento as FALINTIL treino básico a começar em Janeiro de 2001 e a Timor-Leste será muito provavelmente a
foram ostracizadas nos acantonamentos edificar a Marinha, incluindo a cedência de primeira nação do século XXI e deste novo
com progressivo agravamento das con- duas lanchas de fiscalização e a formação milénio. Neste âmbito, Portugal envolveu-se
dições de vida até Abril de 2000, data em das respectivas guarnições. No seu âmbito, a numa das ofensivas diplomáticas mais
que o presidente do Conselho Nacional de Marinha de Guerra Portuguesa mais uma intensa, dura e eficiente da sua História.
Resistência Timorense (CNRT) e coman- vez disse: Pronto!, diligenciando de acordo Agora, salvaguardando o direito de iden-
dante-chefe, Xanana Gusmão, aproveitando com a decisão política a cedência a Timor de tidade de um povo, objectivo traçado pelos
na altura a estadia do Primeiro Ministro de duas lanchas da classe “Albatroz”. A “Alba- timorenses, importa que a diáspora e a
Portugal em Timor, pediu auxílio bilateral, troz“ e a “Açor”, dentro de pouco tempo comunidade internacional estejam atentas e
que foi concedido, iniciando-se pouco “Oé-cusse” e “Ataúro” irão, após vários mostrem o seu apoio para a soberania e o
depois a oferta de fardamento e formação. anos no mar português, defender e patru- progresso, promovam e cimentem os va-
A necessidade da criação de uma Força de lhar outras águas, contribuindo para a lores fundamentais, num país que se pre-
Defesa em Timor-Leste surgiu assim numa afirmação de um novo país de língua portu- tende livre e democrático.
fase já avançada do processo de transição guesa: Timor Lorosae. Portugal e no caso em análise a sua Mari-
para a independência. O autor do presente artigo, CMG Garcia nha, apesar da distância, do contexto e a difí-
Em Maio de 2000, a UNTAET entenden- Esteves, comandante da Esquadrilha de cil conjuntura, têm claramente demonstrado
do que a futura força de defesa não deveria Navios Patrulhas, foi entretanto designado o seu empenho e a sua solidariedade.
ser apenas policial, conceito inicialmente coordenador da Assessoria Naval, tendo ini-
defendido pela Austrália, encomendou um ciado a sua missão em Timor no início de Aniceto Garcia Esteves
estudo ao King’s College de Londres, que Junho passado. CMG
apresentou no final de Agosto três hipóte- Atendendo às evidências, as FDTL serão Notas
ses. A escolhida foi então, fundamental- pois compostas por dois ramos: Exército e (1) Ver R.A. nº 345 – Agosto 2001 (pág. 27)
10 NOVEMBRO 2001 • REVISTA DA ARMADA