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A MARINHA DE D. MANUEL (11)



           Uma embaixada malograda
           Uma embaixada malograda






              omo já se disse, a 10 de Agosto de  cadoria, mas decidiu que
              1498, Vasco da Gama comunicou ao  os levaria para Portugal. O
         CSamorim que queria regressar a    autor do relato invoca a
         Portugal. Não sabemos se o fez porque já  intenção de regressar com   Goa
         nada esperava daquele contacto ou se temia  eles e mostrar àquelas
         alguma coisa em especial. Contudo, o Relato  gentes que os portugueses  I. Angediva
         da Viagem diz-nos que houve uma séria ten-  não eram ladrões nem
         tativa de poderes locais, no sentido de retar-  piratas, como queriam
         dar ou impedir essa partida. Uma possibili-  mostrar os mercadores
         dade que me parece ser de considerar é a de  mouros. Talvez que se                        ÍNDIA
         que a breve abertura dos portos do Malabar,  discutisse a bordo como  Ilhéus de S  Maria
                                                                                   ta
         com o fim da Monção do SW, traria navios  seria melhor desistir e
         de todos os tipos a Calecut e, muito  voltar noutra embaixada
         provavelmente, seria possível organizar uma  pacífica, mas as circunstân-  Mangalore
         expedição de guerra contra os portugueses.  cias apresentadas pelo
         O que fez então, Vasco da Gama?... A julgar  Relato apontam mais para
         pelo que nos é descrito, voltou a enviar pre-  a ideia de que seria preciso
         sentes ao Samorim, propôs-se deixar um  impressionar (?) aquela  0 km       200
         feitor português em Calecut (com um  gente com uma força mili-
         escrivão e mais alguns homens), pediu-lhe  tar, porque em terra ti-              Pandarane
         um barril de canela, outro de cravo e outros  nham ficado com a noção               Calecute
         de outras tantas especiarias que por ali hou-  de um perigo económico,
         vesse, e requereu autorização para colocar  mas não se amedrontaram
         um padrão em terra. À partida, tudo lhe foi  muito com qualquer hipó-      Costa do Malabar.
         concedido, mas quando as mercadorias e os  tese de guerra.
         homens foram para terra, não só não lhe  Contudo, apesar de todos estes aconteci-  missão no espaço; e que vai tendo uma pro-
         deram o que pedia, como recusaram os pre-  mentos, o autor do Relato não deixa de  gressiva noção de qualquer erro grave pode
         sentes, prenderam os homens e reclamaram  explicar – em traços gerais – como é que se  significar a impossibilidade de regressar a
         seiscentos xerafins em ouro. É claro que a  fazia este comércio rico. Deve dizer-se até  Portugal. Insegurança, insegurança e mais
         situação era preocupante, mas não tão preo-  que o Samorim, quando se apercebeu que  insegurança, é o tom marcante do ambiente
         cupante como fora a retenção do próprio  tinha que aceitar a exigência última de  a bordo e, seguramente, em terra.
         Capitão, algumas semanas antes. Na ver-  Vasco da Gama, escreveu uma breve carta a  Optam por partir e largam pano a 29 de
         dade, a ida do feitor Diogo Dias para terra  D. Manuel dizendo: "Vasco da Gama, fidal-  Agosto, navegando para norte à custa de
         fora já um risco grande e é muito natural que  go da vossa casa [a escrita é de Diogo Dias e  brisas terrais e virações, chegando a 15 de
         o que estava a acontecer já fosse previsto. O  alguns destes aspectos formais, devem sê-lo  Setembro à vista dos ilhéus de Santa Maria
         Relato fala das desconfianças do Samorim  também], veio a minha terra, com o qual eu  (onde deixaram o padrão de Santa Maria).
         acerca dos portugueses e, sobretudo, do que  folguei. Em minha terra há muita canela e  Reabasteceram do que foi possível e conti-
         pensavam os mercadores muçulmanos desta  muito cravo e gengibre e pimenta e muitas  nuaram seu caminho até 19, altura em que
         inesperada presença na Índia. E dá a enten-  pedras preciosas. E o que quero da tua é  voltaram a procurar um local de reabasteci-
         der que só nessa altura o Capitão percebeu  ouro e prata e coral e escarlata". Não seria  mento, onde fosse possível querenar os
         que a embaixada que trazia se malograra.  totalmente honesta esta carta, como revela-  navios antes da grande travessia do Índico.
         Este assunto acabou por se resolver da  riam atitudes futuras, mas que honestidade  Foi nessa altura que se aperceberam de que
         seguinte forma: a pouco e pouco começaram  será possível numa situação como a que  toda a costa do Malabar sabia da sua pre-
         a aparecer junto dos navios, algumas embar-  ocorreu em Calecut, entre Maio e Agosto de  sença e que se preparava uma esquadra para
         cações miúdas com gente local com vontade  1498?... Temos um rei habituado a receber  os atacar. Entre todos os locais onde estive-
         de negociar em pequenas coisas; diz o autor  prendas e honorários do grande comércio  ram acabaram por escolher Angediva, para
         do Relato que lhe "pareceu que vinham por  que passa pela sua terra, que vê chegar  algumas das indispensáveis reparações, mas
         mandado dos mouros mais que para vender  alguém que não tem ofertas a esse nível e  urgia sair dali, porque, de facto, eram muitos
         pedras, e isto por verem se lhes faziam algu-  que é assediado pelos velhos comerciantes  os sinais de agressividade e de preparativos
         ma coisa"; o que é certo é que foram bem  contra essa gente. E temos as sucessivas  de guerra, a que não tinham a certeza de
         recebidos e o número foi aumentando pro-  ameaças onde o Samorim tinha feito valer a  conseguir resistir.
         gressivamente, até que Vasco da Gama  sua autoridade, tomando atitudes ostensiva-  Os navios partiram para a travessia do
         resolveu prender uns quantos e exigir por  mente agressivas contra os delegados por-  Índico, de regresso a África, em 5 de Outu-
         eles o resgate dos homens e mercadorias que  tugueses. Um Capitão que tem falta de  bro de 1498. Era uma péssima época para o
         estavam em terra. Finalmente, a vinte e sete  meios militares; que só vai compreendendo  fazer, mas se calhar não havia outra hipótese.
         de Agosto, Diogo Dias veio para bordo, e  o que se passa com muita dificuldade, de  Continuar no Malabar era um risco muito
         Vasco da Gama libertou seis dos prisioneiros  forma incompleta e a muito custo; que está  grande.
         que tinha. Manteve os restantes com pretex-  mais longe de Lisboa e de D. Manuel do que  J. Semedo de Matos
         to de que os soltaria quando tivesse a mer-  o Path Finder estava da Terra, na sua última         CTEN FZ
                                                                                    REVISTA DA ARMADA • FEVEREIRO 2001  15
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