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PONTO AO MEIO-DIA
CINCSOUTHLANT:
Que Futuro Promover?
urante a guerra fria o conceito fórum de discussões políticas, resulta posição geográfica central, que evita a
estratégico da NATO esteve uma evidente necessidade de racio- excessiva proximidade de comandos
D centrado na defesa fixa contra nalizar a estrutura de comandos, redu- regionais localizados no norte e centro
um inimigo bem definido: a União zindo custos e conferindo-lhe um ca- da Europa, e a concentração, nesses
Soviética. Por isso, o planeamento rácter marcadamente operacional. comandos, de demasiadas responsabili-
estratégico militar foi determinado Como este processo intensificará a tradi- dades operacionais; um superior co-
pelos princípios da dissuasão e da con- cional e salutar competitividade inter- nhecimento dos problemas de segu-
tenção, que exigiram uma estrutura de aliada, Portugal precisa de se empenhar rança das regiões noroeste e oeste de
comandos direccionada para organizar activamente nas iniciativas político-mili- África; a existência de excelentes capaci-
a defesa militar no interior da área geo- tares em curso, tendo em vista pro- dades de comando e controlo, asso-
gráfica aliada. mover um novo sentido de utilidade do ciadas a diversificadas áreas de exercí-
Com a implosão da União Soviética CINCSOUTHLANT. cio, utilizáveis durante todo o ano por
em 1990, a NATO adoptou um novo A via mais credível e respeitável para forças navais, terrestres e aéreas no
conceito estratégico, vocacionado para alcançar este objectivo é aquela que, treino de operações, que podem variar
lidar com a conflitualidade regional no preservando a sua preponderância da guerra clássica ao combate ao terro-
exterior das suas fronteiras. O planea- atlântica, garanta uma especialização rismo; a disponibilidade de boas infra-
mento estratégico militar manteve-se funcional deste comando. Para isso, estruturas NATO, adequadas para aco-
regulado pelos princípios da dissuasão sem esquecer o imperativo da coesão lher forças e meios substanciais, e per-
e da contenção, mas passou a sofrer política da NATO, é necessário pôr o mitir o pré-posicionamento de arma-
consideráveis influências dos princípios que é permanente (a geografia) e o que mentos e equipamentos; a possibilidade
da distensão e do desarmamento. A é potenciador do desempenho (o saber de realização de um programa anual de
conjugação dos quatro princípios foi militar regional), ao serviço do que é exercícios que, para além do emprego
essencial para, numa época de instabili- conjuntural (o combate ao terrorismo e clássico das forças militares, contemple
dade e indefinição da ordem mundial, à proliferação de armas de destruição os requisitos de interoperabilidade, de
garantir que os países do Leste europeu maciça). prontidão, de mobilidade, de letalidade
se transformariam em democracias do Do ponto de vista político, a NATO variável dos novos armamentos e de
tipo ocidental, defensoras dos direitos tem vantagem em preservar um coman- sobrevivência nos cenários hostis, difu-
humanos, da economia de mercado e da do regional que confira visibilidade aos sos e mutantes associados às operações
primazia do direito. Em consequência, a pequenos países. O CINCSOUTHLANT de combate ao terrorismo, ao tráfico de
estrutura de comandos foi ajustada, de tem esse potencial, para além de, em droga, ao crime organizado e à imi-
forma a organizar a defesa militar fora simultâneo, articular os interesses das gração ilegal; a aptidão para desenvol-
da área de responsabilidade aliada, o médias potências regionais e atrair a ver a análise das lições resultantes des-
que se traduziu num aumento dos participação dos EUA, aspecto determi- ses exercícios e de operações reais, de
comandos sub-regionais e num reforço nante no reforço do elo transatlântico. forma a contribuir para a actualização
do seu carácter conjunto e combinado. Relativamente à geografia argumen- da doutrina aliada; as experiências por-
O 11 de Setembro não provocou uma tarão os mais cépticos que é muito remo- tuguesa e francesa de contra-subversão
alteração do conceito estratégico da ta a necessidade dos Açores e do Con- e de contra-guerrilha, cujas tácticas de
NATO. Todavia, focalizou as preocu- tinente para o reforço militar da Europa. combate se assemelham ao contra-ter-
pações aliadas na defesa global contra É verdade. Porém, os aliados são alvo de rorismo, área onde a Espanha dispõe de
um inimigo difuso, protagonizado pelo uma ameaça directa, altamente perigosa grandes conhecimentos.
terrorismo e pelas armas de destruição e imprevisível, contra a qual as forças Um renovado sentido de utilidade do
maciça. O planeamento estratégico mi- militares são o único instrumento de CINCSOUTHLANT, centrado nas van-
litar, sem perder as referências do pas- coacção capaz de infligir danos que tagens políticas e no efeito sinergético
sado, essenciais para fazer face às even- reduzam a vontade de agir das organiza- resultante da conjugação das sete
tualidades mais perigosas e à conflitua- ções terroristas e dos países que as capacidades operacionais enunciadas,
lidade regional, incluiu os princípios da apoiam ou que proliferam armas de des- preservará a sua preponderância atlân-
prevenção e da preempção, destinados truição maciça. Daí que o relevante não tica e garantirá a sua especialização fun-
a atender às preocupações mais urgen- seja a localização do CINCSOUTHLANT cional no aprontamento conjunto e com-
tes, numa época em que se prepara um por si só, mas a sua aptidão para servir a binado de forças aliadas, justificando-se
novo alargamento e as relações com a estratégia aliada, que associa as referên- assim a sua manutenção como comando
Rússia se consensualizam progressiva- cias do passado às urgentes preocu- regional da NATO.
mente. pações da actualidade.
Perante estes condicionantes, e para Neste contexto, realçam-se sete capa- António Silva Ribeiro
que a NATO não se transforme num cidades operacionais relevantes: uma CFR
4 AGOSTO 2002 • REVISTA DA ARMADA