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O Verdadeiro e o Falso
           O Verdadeiro e o Falso





               ma mentira muitas vezes repetida passa
               a ser uma verdade incontestável. Todos
        U nós já ouvimos muitas vezes esta máxi-
         ma e todos nós sabemos, também, que ela foi
         seguida durante conflitos armados ou mesmo,
         e especialmente, na chamada guerra fria que
         se travou, no século passado, entre as duas
         mais poderosas nações deste globo em que
         vivemos.
           Todavia, julgávamos nós que tal só se passava
         no domínio da política, em que a mentira ou a
         verdade são sempre difíceis ou mesmo impos-
         síveis de provar. Estávamos, porém, redonda-
         mente enganados porque, afinal, o mesmo tam-
         bém acontece no domínio das ciências exactas.
           Isto por que tem corrido, como matéria
         assente, que, nos bilhetes de identidade (BI) emi-
         tidos pelo Arquivo de Identificação, o dígito,
         metido dentro dum pequeno quadrado, que se
         segue ao número de identificação do cidadão,
         indica a quantidade de pessoas que aquele
         mesmo Arquivo encontrou com o mesmo nome.
           Há algum tempo atrás, em roda de amigos,
         discutimos este assunto, parecendo-nos estra-
         nho que indivíduos com nomes constituídos por
         cinco ou seis apelidos, alguns pouco vulgares,
         tivessem vários companheiros “homógrafos”.
         Também pensamos que, no nosso país, existem
         nomes extremamente repetidos, como por
         exemplo António Silva que, só na lista telefóni-
         ca de Lisboa aparece mais do que meia centena
         de vezes. Deste modo, um simples dígito não
         poderia representar tão elevado número de pes-
         soas. A curiosidade não nos deu para mais e
         acabamos por esquecer o assunto.
           Acontece porém que, recentemente, o
         matemático e físico Jorge Buescu, publicou uma
         obra intitulada O Mistério do Bilhete de
         Identidade e Outras Histórias. Crónicas das
         Fronteiras da Ciência (1) — que aconselhamos a
         leitura — no qual é explicada, logo no primeiro
         capítulo, a verdadeira função do tal dígito que se segue ao  Curiosamente, o sistema nem sempre funciona. É o que acontece
         número do BI.                                        em 50 % dos casos quando o dígito de controlo é zero. De facto,
           Esse dígito foi inventado para detectar erros que, eventualmente,  numa divisão por 11, o resto pode ser zero ou dez, todavia, o nos-
         possam ser cometidos pelo operador ao transferir, para o BI, o  so Arquivo de Identificação utiliza um zero para estas duas situa-
         número atribuído ao cidadão. Os erros mais frequentes, que são a  ções. Por exemplo, para o BI número 6009440 0 , teremos:
         alteração de um único algarismo (por exemplo 9625232 em vez de
         9620232) e a troca entre dois algarismos (9602232 por 9620232).  6x8+0x7+0x6+9x5+4x4+4x3+0x2+ 0 x1=121,
           Para o efeito estabeleceu-se um algoritmo modular, tendo-se  o que quer dizer que neste caso o zero é verdadeiro.
         escolhido o módulo 11. Esclarece-se que um algoritmo deste tipo  Todavia, para o BI com o número 8149419 0 , teremos:
         só funciona com um módulo que seja primo e, como o nosso sis-
         tema de numeração tem a base dez, escolheu-se o mais próximo  8x8+1x7+4x6+9x5+4x4+1x3+9x2+ 0 x1=177
         de dez que é o 11, até porque, com este módulo e um artifício  e, neste caso, o zero é falso, pois o dígito de controlo deveria ser
         (que será usado incorrectamente) poderemos ter apenas um dígito  10, para que a soma fosse 187 e, portanto, divisível por 11.
         de controlo.                                          A solução preconizada por Jorge Buescu, na obra citada, seria
           Na prática, multiplicam-se os algarismos do número de BI,  usar, no caso do resto ser 10, um X romano, que funcionaria
         incluindo o dígito de controlo, sucessivamente, mas da direita  como um dígito.
         para a esquerda, por um, por dois, por três, etc. e somam-se as
         parcelas. O resultado será um múltiplo de 11.Para o caso do BI                           A. Estácio dos Reis
         com o número 9620232 7 , teremos:                                                                   CMG
                                                              Bibliografia
                 9x8+6x7+2x6+0x5+2x4+3x3+2x2+ 7 x1=154        (1) Editora GRADIVA

         26 AGOSTO 2002 • REVISTA DA ARMADA
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