Page 280 - Revista da Armada
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O Verdadeiro e o Falso
O Verdadeiro e o Falso
ma mentira muitas vezes repetida passa
a ser uma verdade incontestável. Todos
U nós já ouvimos muitas vezes esta máxi-
ma e todos nós sabemos, também, que ela foi
seguida durante conflitos armados ou mesmo,
e especialmente, na chamada guerra fria que
se travou, no século passado, entre as duas
mais poderosas nações deste globo em que
vivemos.
Todavia, julgávamos nós que tal só se passava
no domínio da política, em que a mentira ou a
verdade são sempre difíceis ou mesmo impos-
síveis de provar. Estávamos, porém, redonda-
mente enganados porque, afinal, o mesmo tam-
bém acontece no domínio das ciências exactas.
Isto por que tem corrido, como matéria
assente, que, nos bilhetes de identidade (BI) emi-
tidos pelo Arquivo de Identificação, o dígito,
metido dentro dum pequeno quadrado, que se
segue ao número de identificação do cidadão,
indica a quantidade de pessoas que aquele
mesmo Arquivo encontrou com o mesmo nome.
Há algum tempo atrás, em roda de amigos,
discutimos este assunto, parecendo-nos estra-
nho que indivíduos com nomes constituídos por
cinco ou seis apelidos, alguns pouco vulgares,
tivessem vários companheiros “homógrafos”.
Também pensamos que, no nosso país, existem
nomes extremamente repetidos, como por
exemplo António Silva que, só na lista telefóni-
ca de Lisboa aparece mais do que meia centena
de vezes. Deste modo, um simples dígito não
poderia representar tão elevado número de pes-
soas. A curiosidade não nos deu para mais e
acabamos por esquecer o assunto.
Acontece porém que, recentemente, o
matemático e físico Jorge Buescu, publicou uma
obra intitulada O Mistério do Bilhete de
Identidade e Outras Histórias. Crónicas das
Fronteiras da Ciência (1) — que aconselhamos a
leitura — no qual é explicada, logo no primeiro
capítulo, a verdadeira função do tal dígito que se segue ao Curiosamente, o sistema nem sempre funciona. É o que acontece
número do BI. em 50 % dos casos quando o dígito de controlo é zero. De facto,
Esse dígito foi inventado para detectar erros que, eventualmente, numa divisão por 11, o resto pode ser zero ou dez, todavia, o nos-
possam ser cometidos pelo operador ao transferir, para o BI, o so Arquivo de Identificação utiliza um zero para estas duas situa-
número atribuído ao cidadão. Os erros mais frequentes, que são a ções. Por exemplo, para o BI número 6009440 0 , teremos:
alteração de um único algarismo (por exemplo 9625232 em vez de
9620232) e a troca entre dois algarismos (9602232 por 9620232). 6x8+0x7+0x6+9x5+4x4+4x3+0x2+ 0 x1=121,
Para o efeito estabeleceu-se um algoritmo modular, tendo-se o que quer dizer que neste caso o zero é verdadeiro.
escolhido o módulo 11. Esclarece-se que um algoritmo deste tipo Todavia, para o BI com o número 8149419 0 , teremos:
só funciona com um módulo que seja primo e, como o nosso sis-
tema de numeração tem a base dez, escolheu-se o mais próximo 8x8+1x7+4x6+9x5+4x4+1x3+9x2+ 0 x1=177
de dez que é o 11, até porque, com este módulo e um artifício e, neste caso, o zero é falso, pois o dígito de controlo deveria ser
(que será usado incorrectamente) poderemos ter apenas um dígito 10, para que a soma fosse 187 e, portanto, divisível por 11.
de controlo. A solução preconizada por Jorge Buescu, na obra citada, seria
Na prática, multiplicam-se os algarismos do número de BI, usar, no caso do resto ser 10, um X romano, que funcionaria
incluindo o dígito de controlo, sucessivamente, mas da direita como um dígito.
para a esquerda, por um, por dois, por três, etc. e somam-se as
parcelas. O resultado será um múltiplo de 11.Para o caso do BI A. Estácio dos Reis
com o número 9620232 7 , teremos: CMG
Bibliografia
9x8+6x7+2x6+0x5+2x4+3x3+2x2+ 7 x1=154 (1) Editora GRADIVA
26 AGOSTO 2002 • REVISTA DA ARMADA