Page 188 - Revista da Armada
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Um mandato de três anos tem que ter um rumo para ser consequente, Vossas Excelências sabem que o País pode contar com a Marinha. A
para que chegue a bom porto, ao destino que se quer, como aconteceu Marinha que existe, e que é de todos conhecida. A Marinha do futuro,
em 20 de Maio de 1498. Nesse sentido, acabei de aprovar a Directiva e que cabe a todos nós construir. A Marinha tudo fará para cumprir as
de Política Naval. Constitui o referencial que enquadrará as actividades missões que lhe forem cometidas. Mas, para que tal seja possível, tem
da Marinha até final de 2005. que formar e treinar os homens, reparar os meios e assegurar no dia-
Pretendo que o futuro esteja sempre presente. Assim, elegi como -a-dia o dispositivo e as missões de interesse público, o que está de-
objectivo estratégico a edificação e manutenção das capacidades da pendente dum adequado orçamento de funcionamento. Para isso, a
componente naval do sistema de forças, de forma a constituir, em con- Marinha também sabe que pode contar com a tutela.
formidade com os recursos disponíveis, uma Marinha equilibrada no O orçamento de 2003 obrigou a adoptar, com enorme rigor, o princí-
conjunto das suas capacidades, pronta a cumprir, com motivação e efi- pio básico de preservar o essencial, não comprometendo o futuro.
cácia, as missões atribuídas. E assim foi feito em todos os aspectos relativos à formação, ao treino
Como objectivos essenciais para a consecução do objectivo estraté- e aos exercícios. Mas porque é o futuro que nos norteia, não podemos
gico apenas considerei dois: Modernizar a Esquadra e Potenciar os ignorar que tudo o que deixou de ser feito, principalmente no âmbito
Recursos Humanos. da manutenção da esquadra, embora menos visível no imediato, vai ter
Do primeiro já muito falei. Direi apenas que constituem preocupa- fortes consequências no futuro. Reparações mais dispendiosas e abates
ção, a considerar em próxima revisão da lei de programação militar, a antecipados, relativamente ao que seria desejável face ao calendário do
construção das últimas quatro lanchas de fiscalização previstas no Sis- levantamento dos novos meios, constituem um quadro realista e que
tema de Forças e também conferir mais consistência e peso específico não pode ser ignorado.
à capacidade de guerra de minas. As lanchas, que terão características As Marinhas são organizações de capital intensivo. Foi isso que nos
essencialmente costeiras, destinar-se-ão a substituir o mesmo número levou a aceitar a possibilidade de que alguns dos seus meios mais dis-
da classe Albatroz e os últimos 4 patrulhas da classe CACINE que se- pendiosos venham a ser substituídos por meios já usados. Tudo para
rão inexoravelmente abatidos até 2010. que Portugal possa vir a ter capacidade autónoma de projecção de for-
A segunda preocupação resulta de não se vislumbrar, a curto e mé- ça, mesmo que em dimensão mínima.
dio prazo, a possibilidade de aquisição de meios navais exclusivamente A evolução de uma esquadra, com níveis de desactualização pre-
dedicados à guerra de minas. Nesse sentido determinei que, desde já, se ocupantes, para meios tecnologicamente mais sofisticados, permite
estudem alternativas a esta lacuna do Sistema de Forças Nacional. importantes reduções em pessoal. Esta redução e esta economia no
Potenciar os Recursos Humanos, o segundo objectivo essencial é, domínio dos orçamentos do pessoal tem obrigatoriamente que ser
em si mesmo, a preocupação dominante do mandato. Porque tem a aproveitada para as exigências da manutenção do material que passa
ver com as pessoas, porque tem a ver com os aspectos individuais da a ser mais moderno.
motivação, porque tem a ver, em grande parte, com razões que ultra- Esta seria apenas uma das formas de conseguir o tão procurado desi-
passam a gestão do Ramo, mas que têm reflexos profundos no seu derato do balanço adequado entre os orçamentos do pessoal e o de ope-
dia-a-dia. Garantir a adequada satisfação das necessidades do pessoal ração e manutenção. Mas a saída de pessoal, por iniciativa da Marinha
militar, militarizado e civil, mas igualmente exigir a eficiência e eficá- ou por vontade própria, e as faltas de adesão que se têm verificado, já
cia de profissionais sérios e qualificados, é um objectivo essencial da pouca margem de manobra nos deixam para o futuro. E o orçamento
minha visão da Marinha. de 2004 tem que forçosamente começar a reflectir uma tendência para o
Não desenvolverei este tema que, de tal modo abrangente, consti- crescimento na componente de operação e manutenção. É que, se ainda
tuirá, só por si, motivo de uma directiva sectorial, a publicar em breve. não temos que suportar os custos que nesse campo os novos meios na-
Mas não quero deixar passar este dia sem uma referência expressa à vais terão, temos por outro lado que suportar os elevadíssimos custos
dimensão do problema. de uma esquadra que, em grande parte, se encontra envelhecida, em
Anos sucessivos em que os candidatos à Escola Naval não são sufi- acelerada degradação, em obsolescência logística, e que tem que con-
cientes para preencher o número de vagas, constituem um claro com- tinuar a cumprir as suas missões.
prometimento do futuro. Incorporações sucessivas de voluntários, que
ficam aquém do necessário, condicionam o presente, tendo reflexos no Antes de terminar quero deixar algumas palavras especialmente di-
futuro. Há , pois, que incentivar mais adesões! rigidas aos que servem na Marinha.
Ver, ano após ano, parte dos melhores quadros deixar a Marinha Temos um grande projecto pela frente que o País reconhece e apoia.
onde gostariam de permanecer, apenas porque o mercado compensa É tempo de trabalho. É tempo de orgulho.
de forma significativamente diferente a competência, a responsabilida- Os desafios da sofisticação tecnológica dos novos meios em todas as
de, a dedicação e a disponibilidade, obriga a reflectir sobre o caminho a épocas foram vencidos, e sempre colocaram a Marinha na vanguarda
seguir. A Marinha pode e vai fazer mais para que o mérito, o bom de- da modernidade e da profissionalização. A Marinha tem sabido ante-
sempenho e a dedicação ao serviço sejam reconhecidos, assegurando a cipar-se e ter a iniciativa de se reestruturar e redimensionar, num pro-
selecção dos mais aptos para o desempenho dos postos mais elevados, cesso de permanente transparência que nos caracteriza e de que nos
ou das funções mais exigentes. orgulhamos.
Mas tal não será suficiente. Há pois que encontrar a solução para As próximas batalhas a ganhar, e que só a conjuntura obrigou a retar-
apoiar mais os que gostam de servir Portugal na Marinha . dar, estão, também, ligadas aos sistemas de informação, à modernidade
A gestão de um Ramo, mesmo com menos de quinze mil homens administrativa e às condições de habitabilidade. A modernidade dos
entre militares, militarizados e civis, é naturalmente complexa. Mas meios e a dignificação do pessoal têm que andar a par. São devidas aos
mais complexa se torna quando, fruto das mais diversas razões, existem que já pertencem à casa. São essenciais para atrair novos membros.
congelamentos de vagas, distorções de quadros, inversões remunerató- Mas esta dinâmica no sentido da modernidade e em direcção ao fu-
rias e diplomas importantes que ainda procuram o desejável consenso turo encontra, sem margem para dúvida, um sólido porto de abrigo na
para serem publicados. história, na cultura e na atitude que teimamos em preservar.
Trata-se, pois, de uma área extremamente crítica e com profundas
incidências na motivação do pessoal, a merecer a melhor atenção por Marinheiros.
parte da tutela, em paralelo com as reformas estruturais que se preten- Continuamos a ter o futuro como horizonte.
dem introduzir. Aqui há, essencialmente, que concretizar vontades! Com esperança, determinação e confiança.
Ganhar a batalha do material é, sem dúvida, muito importante. Mas Para que valha a pena servir Portugal na Marinha.
se não for também ganha a batalha do pessoal, pouco significado terá. Para que Portugal se volte a cumprir, no mar.
A Marinha mantém a sua total disponibilidade para colaborar nesta Z
luta, que não é só sua, ou da tutela. É do País. Francisco António Torres Vidal Abreu
Senhor Ministro de Estado e da Defesa Nacional, Almirante
6 JUNHO 2003 U REVISTA DA ARMADA