Page 270 - Revista da Armada
P. 270
A MARINHA DE D. MANUEL (50)
Uma Fortaleza em Ceilão
Uma Fortaleza em Ceilão
m 1517 saiu de Lisboa uma esquadra descoberta na Casa da Índia lançando o des- do de pequenos navios redondos. Não alcan-
de cinco naus grossas, sob o comando crédito no feitor, que foi imediatamente pre- çaram Colombo por dificuldades de vento,
Ede António Saldanha, com destino à so e assim permaneceu até que Lopes Soares e acabaram por ter de esperar em Gale por
Índia. Os navios deviam carregar e regressar chegou a Lisboa em 1519. Estava-se perante mais de um mês. Mas decorrido esse tempo
ao reino como acontecia todos os anos, mas o um episódio daqueles que, infelizmente, não apareceram em frente da principal cidade de
Capitão ficaria no Oriente com a missão es- seriam invulgares no meio de uma certa fi- Ceilão com um poder naval que assustaria
pecífica de ir todos os anos à entrada do Mar dalguia que ia à Índia com o intuito de enri- qualquer reino do Oriente. Lopo Soares já re-
Vermelho, a Ormuz e a Cambaia, dando caça quecer tão rápido quando fosse possível. velara, noutras circunstâncias, um estilo de
aos navios de mouros que fu- relacionamento com os peque-
gissem ao controlo português. nos poderes locais muito mais
O ciclo desta acção de corso e moderado do que tivera Afon-
vigilância repetia-se todos os so de Albuquerque, e a forma
anos, com a saída do Malabar como negociou com o sobe-
até ao final de Janeiro, perma- rano de Colombo é paradig-
nência no estreito até Abril, a mático dessa moderação que,
que se seguia a passagem pela sendo muito criticada, por
entrada do Golfo Pérsico com vezes, também deu os seus
a invernada em Ormuz até fi- frutos. Como era habitual, foi
nais de Agosto, altura em que enviada uma embaixada a ter-
se atravessava para a Índia ra, e as negociações prolonga-
passando por Cambaia, antes ram-se por algum tempo, no
de voltar a Cochim carregado acerto de pormenores de uma
com os despojos da campa- aliança que o rei não ousava
nha. Digamos que a missão recusar. Entretanto, a fortale-
de António Saldanha se en- za começou imediatamente a
quadrava dentro do conhe- tomar forma e, evidentemente
cimento que já havia sobre que esta presença portuguesa
o regular movimento de na- Ceilão no núcleo central da produ-
vios muçulmanos no Índico, Gaspar Correia – Lendas da Índia. ção de canela não interessava
e da experiência das monções. aos habituais comerciantes do
Apenas se poderá ver na determinação régia No entanto a presença deste funcionário produto. As intrigas acabaram por provocar
de 1517 um retirar de liberdade de comando régio, os poderes que levava e, sobretudo, o a revolta que surpreendeu os que trabalha-
e escolha ao governador da Índia – que era que se disse no Oriente acerca da sua missão vam em terra, descuidados da sua seguran-
Lopo Soares de Albergaria – e um eventual si- e objectivos, tornaram bem claro que D. Ma- ça. A reacção nacional foi imediata, mas os
nal de descontentamento sobre a sua acção. A nuel não estava contente com a administra- atacantes (uns milhares de mouros, segun-
corroborar este sentimento, pode acrescentar- ção e comando das coisas da Índia. O próprio do Correia) fortificaram-se numa peque-
se o facto de que, um mês depois da partida governador o deve ter entendido muito bem, na aldeia perto da ponta onde estava a ser
destes cinco navios, saíram mais três, levan- apressando-se a cumprir no escasso ano que construída a fortaleza, e dali lançavam no-
do Fernão de Alcáçova como Capitão -Mor, lhe restava no cargo as determinações do seu vos ataques sem que a artilharia dos navios
nomeado para feitor da Índia, com poderes regimento que ainda não concretizara. Em Ja- os pudesse afectar. Foi necessário lançar um
que claramente entravam nas competências neiro de 1518 despachou António Saldanha ataque com três frentes, a partir de posições
habitualmente conferidas ao governador. com treze velas, para o “estreito”, com um em terra (os portugueses já dispunham de
Ambas as esquadras chegaram a Goa em fi- carregamento de arroz e açúcar para Ormuz espingardas), ao mesmo tempo que Fernan-
nais de Setembro, quando Lopo Soares ain- (mercadorias que permitiam um excelente do Monroy se acercava da praia com as fus-
da não tinha chegado de Ormuz, e Fernão negócio nessa região); organizou uma expe- tas, bombardeando as tranqueiras inimigas.
de Alcáçova imediatamente começou a in- dição às Maldivas, cujo comando entregou a Quando a resistência enfraqueceu, o seu pes-
quirir os funcionários da administração e a João da Silveira (sobrinho do Barão do Alvi- soal desembarcou e entrou pelos abrigos den-
tomar medidas que denotavam a suspeitada to); e preparou-se ele próprio para ir a Ceilão tro, acabando com a revolta. Apesar de tudo
animosidade e gerando um ambiente de ten- e instalar uma fortaleza na baía de Colombo, isto, o governador continuou a recomendar
são. Tanto quanto nos relata Gaspar Correia um local chave para o negócio da canela. Já comedimento e não permitiu que a violência
– cuja relação com Albergaria era muito fria, sabia que o seu sucessor chegaria por alturas tomasse conta das relações entre os portu-
não havendo nenhuma razão para elogiar a de Setembro desse ano, e toda a sua preocu- gueses e as populações locais, acabando por
sua acção na Índia – o feitor nomeado nunca pação era a de que não se cruzasse com ele fazer o forte, montar uma feitoria e obter um
conseguiu realizar a sua missão, regressando sem ter cumprido a missão, que lhe fora es- acordo de comércio e vassalagem.
a Lisboa em 1518, com intuitos claros de obter pecificamente encomendada por D. Manuel. Quando Lopo Soares de Albergaria regres-
desagravo junto de D. Manuel acerca do que Partiu – então – a 20 de Setembro de 1518, em sou a Cochim, já tinha chegado a esquadra de
lhe fizera o governador. Todavia, Alcáçova direcção ao sul, levando 19 navios grossos, 12 Lisboa onde vinha Diogo Lopes de Sequeira
fizera embarcar em Cochim uma arca com fustas que vieram de Goa, comandadas por para o substituir no cargo de governador.
objectos seus, onde escondera uma avultada Fernando Monroy (ou 8 conforme diz Cas- Z
quantia em dinheiro proveniente de negócios tanheda), 3 galés, 1 galeota, 2 bergantins, 4 J. Semedo de Matos
ilícitos efectuados no Oriente, e essa arca foi caravelas e ainda um número indetermina- CFR FZ
16 AGOSTO 2004 U REVISTA DA ARMADA