Page 332 - Revista da Armada
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           ESTRATÉGIA NAVAL PORTUGUESA
            ESTRATÉGIA NAVAL PORTUGUESA


                   II.  Os Oceanos e os Desafios Estratégicos



         1. INTRODUÇÃO                      fica-se hoje que, muitos deles, tendo defini- 3. EXPRESSÃO ECONÓMICA
                                            do os seus direitos de soberania e jurisdição
           Os oceanos criaram e mantêm Portugal.   sobre espaços marítimos vastíssimos, nun-  A expressão económica dos desafios
         São eles que influenciam o género de vida   ca revelaram capacidade para gerir os res-  estratégicos ligados aos oceanos é muito
         nacional e que conferem valor e vantagem   pectivos recursos, nem para garantir a sua  diversificada, porque nela se incluem as-
         competitiva ao país no sistema internacio-  utilização racional. Por isso, outros Estados  pectos tão distintos como os relativos às
         nal. Para que isso seja possível na actua-  mais capazes demonstram uma crescente  actividades litorais, à ordem pública e à
         lidade, devem ser relegadas para plano   apetência para alargar as respectivas com-  gestão dos recursos marinhos.
         secundário as concepções idealistas das   petências nesses espaços.     As actividades litorais de natureza in-
         relações internacionais, porque será difícil   Assim, perspectivam-se dois tipos de  dustrial, comercial turística e portuária,
         acomodar novos interesses portugueses   evoluções das fronteiras marítimas. Por  têm associadas os interesses de grupos
         ligados ao mar, com os dos restantes paí-  um lado, como alguns Estados conside-  económicos incompatíveis entre si e com
         ses da nossa área de interesse. A realização   ram que o mar adjacente é parte do seu  os interesses do Estado, de grupos sociais,
         destes interesses com algumas perspecti-  território, preconizam a extensão da juris-  ou de indivíduos. Por isso, são uma impor-
         vas de sucesso, implica a caracterização   dição territorial, condicionando a liberdade  tante fonte de disputa estratégica, cuja regu-
         dos desafios estratégicos ligados aos ocea-  de passagem e a exploração dos mares lito-  lação reclama um adequado conhecimento
         nos e a assumpção que acrescidas ambições   rais. Por outro lado, nas organizações inter-  técnico das suas implicações e a imposição
         de Portugal relativamente ao uso do mar,   nacionais decorrem negociações destinadas  da autoridade do Estado.
         desencadearão disputas internacionais, cuja   a alargar os direitos dos Estados ribeirinhos   A globalização da economia e a sua de-
         solução requer o fortalecimento e emprego   sobre o solo e subsolo marinhos, até ao li-  pendência do transporte marítimo, confe-
         do poder nacional no quadro de uma polí-  mite máximo das 350 milhas da costa, nos  rem um papel decisivo à capacidade de os
         tica marítima adequada.            termos previstos no art.º. 76º da Convenção  Estados ribeirinhos preservarem a ordem
           É indispensável caracterizar os desafios   da ONU sobre o Direito do Mar.  pública nos oceanos, por forma a conterem
         estratégicos ligados aos oceanos, porque   No âmbito destes processos, afigura-se  os efeitos das actividades económicas cri-
         estes, ao despertarem vocações e ao mobi-  provável que as grandes potências ma-  minosas e a resistirem à coacção económi-
         lizarem vontades relativamente ao uso do   rítimas pressionem no sentido de  evitar  ca. As actividades económicas criminosas
         mar, são essenciais, não só para identificar   qualquer mudança que prejudique os seus  que tiram partido do mar, incluem, entre
         e adoptar os objectivos marítimos nacio-  interesses. Para isso, tentarão afastar a dis-  outras, os tráficos de droga e de pessoas, o
         nais, mas, também,  para edificar, articu-  cussão dos benefícios económicos, para a  contrabando de armas, as formas de pesca
         lar e empregar as capacidades materiais e   colocar à luz dos grandes princípios polí-  ilegais e a pirataria. A coacção económica
         humanas do país nas acções necessárias à   ticos. Poderão, igualmente, esforçar-se por  que tira partido do mar pode ter efeitos de-
         sua concretização. Não menos importante   provocar novas alterações do Direito Inter-  vastadores na vida de qualquer Estado, em
         é o facto de os desafios estratégicos ligados   nacional, compatíveis com as suas aspira-  resultado da interdependência global das
         aos oceanos, serem determinantes para se   ções, o que significará evitar mais restrições  economias e da importância do transporte
         desenvolver uma visão integrada do valor   à liberdade de circulação nos mares e à ex-  marítimo. Entre as armas económicas sus-
         do mar ao mais alto nível decisório do Es-  ploração dos recursos naturais. É possível  ceptíveis de aplicação, está a imposição de
         tado. Com efeito, as perspectivas do jurista,   que aqueles países defendam a tese de que  restrições à circulação marítima dos recur-
         do economista, do ambientalista ou do mi-  estas alterações são um acto político com  sos energéticos, dos bens alimentares e das
         litar são meras imagens sectoriais diferen-  consequências económicas, e não um acto  matérias-primas essenciais.
         ciadas. Cada uma delas, isoladamente, tem   destinado a  alcançar benefícios económi-  A gestão dos recursos marinhos é um im-
         pouca utilidade para definir a política ma-  cos. Nestas circunstâncias, os interesses  perativo que resulta de as actividades hu-
         rítima nacional. Por isso, os desafios estra-  dos pequenos países ribeirinhos serão se-  manas ameaçarem os níveis de utilização
         tégicos ligados aos oceanos surgem como   riamente desafiados. Primeiro, através de  sustentável dos oceanos. Pesqueiros muito
         uma ferramenta essencial para estabelecer   uma campanha internacional dissimulada  produtivos encontram-se à beira da exaus-
         os processos formais destinados a agregar,   pela retórica igualitária baseada no concei-  tão ou estão irreversivelmente destruídos,
         a ordenar e a contextualizar de forma har-  to do mar como recurso comum, cujo pro-  facto que eliminou a fonte de subsistência e
         moniosa as expressões jurídica, económica,   pósito final será a satisfação das ambições  o sentido das vidas de algumas comunida-
         ambiental e militar, a fim de informar cabal-  dos mais poderosos. Para isso, as grandes  des costeiras. Por outro lado, os fundos ma-
         mente o decisor político.          potências marítimas preconizarão normas  rinhos são a última grande mina mundial,
                                            internacionais que impõem as mesmas con-  não obstante a sua exploração poder pertur-
         2. EXPRESSÃO JURÍDICA              dições a todos os países. Porém, mais tarde,  bar os ecossistemas e inviabilizar a preser-
                                            como dispõem de superioridade científica,  vação dos recursos vivos na coluna de água
           A expressão jurídica moderna dos desa-  tecnológica e financeira, terão condições  suprajacente. A agravarem-se as necessida-
         fios estratégicos ligados aos oceanos, surgiu  para afirmar a teoria da capacidade de uso  des impostas pelo crescimento da população
         nos anos 70 do século XX, quando foi esta-  efectivo do mar, o que questionará todas as  mundial e pelo aumento dos requisitos de
         belecido um novo modelo internacional de  outras teorias que venham a ser invocadas  desenvolvimento, é provável que as potên-
         afirmação da autoridade dos Estados. Veri-  pelos pequenos países ribeirinhos.  cias militarmente melhor apetrechadas, com

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