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A COLECÇÃO SEIXAS
                  A COLECÇÃO SEIXAS



              m Agosto de 1962, no decurso da cerimó-  de Lisboa, ela própria também destruída.  A par das fainas da pesca e da actividade das
              nia de inauguração das instalações que o   Foi portanto a tal “preciosa colecção” do  numerosas embarcações do tráfego fluvial, de
         EMuseu de Marinha actualmente ocupa  grande benemérito acima referido que “for-  cunho essencialmente regional, que de norte a
         em Belém, o Ministro que na altura chefiava a  çou” os responsáveis da altura a resolver um  sul do país existiam e que ele observava com
         pasta da Marinha proferiu uma alocução, da  problema que há muito se arrastava e cuja  imenso interesse, era um entusiasta pelos des-
         qual se destacam as seguintes palavras:  justiça não oferecia dúvidas: o de disponibi-  portos náuticos, que abraçou desde a sua ju-
           “ Somente quando da cedência do Palácio  lizar instalações adequadas a um Museu que  ventude, o que, para além de lhe render mui-
         das Laranjeiras, para acudir à premente ne-  perpetuasse a memória da Nação, particular-  tas amizades, o guindou, por mérito próprio,
         cessidade de guardar conve-                                                      à posição de sócio honorário
         nientemente a preciosa colec-                                                    do Clube Naval de Lisboa e
         ção que o grande benemérito                                                      o levou a participar, como só-
         Henrique Maufroy de Seixas                                                       cio fundador, no lançamento
         legou a esta instituição, é que                                                  do Clube Naval de Cascais,
         foi possível reunir e ordenar                                                    onde teve a categoria de vice-
         convenientemente o que até                                                       -comodoro.
         então andara disperso e sujei-                                                     Foi proprietário do iate a va-
         to a sérios riscos.”                                                             por “IDA” e da chalupa (ke-
           Quer isto dizer que o próprio                                                  tch) “VIVANDIÈRE”, a bordo
         governante reconhecia publica-                                                   dos quais viajava frequente-
         mente uma dolorosa verdade:                                                      mente, tomando parte em nu-
         o facto de o Museu de Mari-                                                      merosos cruzeiros no país e no
         nha, embora oficialmente cria-                                                    estrangeiro e também em pro-
         do no longínquo ano de 1863                                                      vas desportivas de vela.
         pelo nosso Rei D.Luís (o único                                                     Não admira, pois, que uma
         monarca que foi, realmente,                                                      tão rica personalidade, se não
         verdadeiro oficial da Armada                                                      contentasse em observar todas
         e comandante de navios), ter   Henrique Manfroy de Seixas junto de dois dos modelos da sua colecção (canhoneiras “Zaire” e   essas actividades marítimas
                                 “Douro”) construidas na sua oficina.
         demorado 86 anos para abrir ao                                                   ou mesmo de nelas intervir.
         público (o que viria a acontecer apenas em 1949)  mente marcada por uma brilhantíssima e mul-  Fez questão de coleccionar os navios e as em-
         e, mesmo assim, em instalações provisórias, o  tisecular História Marítima que contribuiu de  barcações que protagonizavam as missões de
         tal Palácio das Laranjeiras a que o Ministro da  forma decisiva para a aproximação dos povos  serviço público, as diferentes fainas e as com-
         Marinha se referia nas suas palavras!  de todo o mundo e, consequentemente, para a  petições que tanto admirava - assim nasceu a
           Mas se os responsáveis se afadigaram, em  expansão do conhecimento humano.  sua prodigiosa colecção de modelos - e de fi-
         finais de 1948, na resolução do problema,   Mas que colecção era essa tão encomiastica-  xar para a posteridade as imagens mais signi-
         isso deveu-se à necessidade premente de dar  mente referida? E que espécie de pessoa teria  ficativas de todas essas actividades e dos seus
         cumprimento ao legado de Henrique Mau-  sido o seu proprietário?      principais interventores - assim surgiu o seu
         froy de Seixas, ao deixar à Marinha e conse-  A COLECÇÃO SEIXAS compreende então  riquíssimo arquivo fotográfico.
         quentemente à Nação, o valioso recheio do  todo o valiosíssimo acervo do Museu que Hen-  Estas foram, efectivamente, as duas princi-
         seu Museu, a que veio a ser dado o nome  rique Maufroy de Seixas foi montando ao lon-  pais vertentes da designada COLECÇÃO SEI-
         abreviado de COLECÇÃO SEIXAS. Dispu-  go de vários anos, a partir de 1915, em depen-  XAS - os modelos e as fotografias. Os primeiros
         nha concretamente o testamento:    dências da sua própria residência de Lisboa. O  construídos com quase obcessivo rigor, porque
           “ Lego em plena propriedade ao Estado (Mi-  recheio desse Museu veio a atingir proporções  só assim lhe interessava reproduzir os origi-
         nistério da Marinha), todos os objectos, sem  assinaláveis, ocupando oito salas de diferentes  nais. Para tal se rodeou de alguns dos melho-
         excepção alguma, que constituem o Museu de  tamanhos, uma das quais um verdadeiro sa-  res artistas e profissionais, entre desenhadores,
         Marinha que tenho instalado no primeiro e se-  lão nobre, e uma galeria, tudo distribuído por  modeladores, pintores, entalhadores, cinzela-
         gundo andares do meu prédio em que habito  dois pisos, e era constituído por um impressio-  dores, poleeiros, aparelhadores e aderecistas,
         nesta cidade, na Rua D. Estefânia, números (...),  nante conjunto de peças coleccionadas metó-  num total de trinta e oito, que ao longo de cerca
         devendo tudo o que constitui o mesmo Mu-  dica e pacientemente, mercê de um cuidadoso  de trinta anos o ajudaram a concretizar a sua
         seu dali ser retirado o mais breve possível, mas  planeamento, de uma inabalável vontade e,  maravilhosa obra. Os originais eram meticu-
         nunca além dos três meses a contar da data do  também, de uma apreciável fortuna pessoal,  losamente estudados e medidos, de cada um
         meu falecimento (...).”            que permitiu ao seu proprietário concretizar  deles se reunia a maior e mais completa do-
           A simples leitura da citação que antecede  os projectos que ia traçando e dar vida aos so-  cumentação, ouviam-se peritos e experimen-
         explica por si só a rapidez que a redacção do  nhos que acalentava.   tados profissionais, produziam-se desenhos e
         testamento  imprimiu à tomada de decisões   Henrique Maufroy de Seixas foi, acima  planos de construção rigorosamente à escala,
         oficiais, para que o legado pudesse ser recebi-  de tudo, um admirador das coisas do mar e  porque o que se perseguia era verdadeira-
         do em curto espaço de tempo e instalado de  orientou sempre a sua vida em função dessa  mente a perfeição. Dessa forma surgiu, para-
         forma condigna, juntamente com o acervo que,  grande paixão. Todas as actividades que com  lelamente à colecção de modelos, que ascende
         entretanto, a Marinha conseguira juntar duran-  ele se relacionavam lhe inspiravam interesse  a 292 unidades, dos mais diversos tipos e di-
         te os anos que se seguiram ao incêndio que em  e curiosidade, não só no que à Armada dizia  mensões, a colecção de desenhos e planos, que
         1916 devastou as instalações da antiga Escola  respeito  - cultivou muitas amizades com nu-  atingiu a significativa cifra de 257 documentos,
         Naval, destruindo quase por completo o va-  merosos profissionais da Marinha de Guerra  produzidos entre 1915 e 1944.
         lioso conjunto de modelos de navios antigos  - mas também ao comércio, às pescas, ao trá-  No que respeita às fotografias, Henrique
         que D. Maria II oferecera à Marinha e que era  fego fluvial, ao recreio e ainda à actividade das  Maufroy de Seixas foi sistematicamente colec-
         guardado na Sala do Risco do antigo Arsenal  principais embarcações da casa real.   cionando as imagens que melhor documen-

         12  DEZEMBRO 2004 U REVISTA DA ARMADA
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