Page 374 - Revista da Armada
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A COLECÇÃO SEIXAS
A COLECÇÃO SEIXAS
m Agosto de 1962, no decurso da cerimó- de Lisboa, ela própria também destruída. A par das fainas da pesca e da actividade das
nia de inauguração das instalações que o Foi portanto a tal “preciosa colecção” do numerosas embarcações do tráfego fluvial, de
EMuseu de Marinha actualmente ocupa grande benemérito acima referido que “for- cunho essencialmente regional, que de norte a
em Belém, o Ministro que na altura chefiava a çou” os responsáveis da altura a resolver um sul do país existiam e que ele observava com
pasta da Marinha proferiu uma alocução, da problema que há muito se arrastava e cuja imenso interesse, era um entusiasta pelos des-
qual se destacam as seguintes palavras: justiça não oferecia dúvidas: o de disponibi- portos náuticos, que abraçou desde a sua ju-
“ Somente quando da cedência do Palácio lizar instalações adequadas a um Museu que ventude, o que, para além de lhe render mui-
das Laranjeiras, para acudir à premente ne- perpetuasse a memória da Nação, particular- tas amizades, o guindou, por mérito próprio,
cessidade de guardar conve- à posição de sócio honorário
nientemente a preciosa colec- do Clube Naval de Lisboa e
ção que o grande benemérito o levou a participar, como só-
Henrique Maufroy de Seixas cio fundador, no lançamento
legou a esta instituição, é que do Clube Naval de Cascais,
foi possível reunir e ordenar onde teve a categoria de vice-
convenientemente o que até -comodoro.
então andara disperso e sujei- Foi proprietário do iate a va-
to a sérios riscos.” por “IDA” e da chalupa (ke-
Quer isto dizer que o próprio tch) “VIVANDIÈRE”, a bordo
governante reconhecia publica- dos quais viajava frequente-
mente uma dolorosa verdade: mente, tomando parte em nu-
o facto de o Museu de Mari- merosos cruzeiros no país e no
nha, embora oficialmente cria- estrangeiro e também em pro-
do no longínquo ano de 1863 vas desportivas de vela.
pelo nosso Rei D.Luís (o único Não admira, pois, que uma
monarca que foi, realmente, tão rica personalidade, se não
verdadeiro oficial da Armada contentasse em observar todas
e comandante de navios), ter Henrique Manfroy de Seixas junto de dois dos modelos da sua colecção (canhoneiras “Zaire” e essas actividades marítimas
“Douro”) construidas na sua oficina.
demorado 86 anos para abrir ao ou mesmo de nelas intervir.
público (o que viria a acontecer apenas em 1949) mente marcada por uma brilhantíssima e mul- Fez questão de coleccionar os navios e as em-
e, mesmo assim, em instalações provisórias, o tisecular História Marítima que contribuiu de barcações que protagonizavam as missões de
tal Palácio das Laranjeiras a que o Ministro da forma decisiva para a aproximação dos povos serviço público, as diferentes fainas e as com-
Marinha se referia nas suas palavras! de todo o mundo e, consequentemente, para a petições que tanto admirava - assim nasceu a
Mas se os responsáveis se afadigaram, em expansão do conhecimento humano. sua prodigiosa colecção de modelos - e de fi-
finais de 1948, na resolução do problema, Mas que colecção era essa tão encomiastica- xar para a posteridade as imagens mais signi-
isso deveu-se à necessidade premente de dar mente referida? E que espécie de pessoa teria ficativas de todas essas actividades e dos seus
cumprimento ao legado de Henrique Mau- sido o seu proprietário? principais interventores - assim surgiu o seu
froy de Seixas, ao deixar à Marinha e conse- A COLECÇÃO SEIXAS compreende então riquíssimo arquivo fotográfico.
quentemente à Nação, o valioso recheio do todo o valiosíssimo acervo do Museu que Hen- Estas foram, efectivamente, as duas princi-
seu Museu, a que veio a ser dado o nome rique Maufroy de Seixas foi montando ao lon- pais vertentes da designada COLECÇÃO SEI-
abreviado de COLECÇÃO SEIXAS. Dispu- go de vários anos, a partir de 1915, em depen- XAS - os modelos e as fotografias. Os primeiros
nha concretamente o testamento: dências da sua própria residência de Lisboa. O construídos com quase obcessivo rigor, porque
“ Lego em plena propriedade ao Estado (Mi- recheio desse Museu veio a atingir proporções só assim lhe interessava reproduzir os origi-
nistério da Marinha), todos os objectos, sem assinaláveis, ocupando oito salas de diferentes nais. Para tal se rodeou de alguns dos melho-
excepção alguma, que constituem o Museu de tamanhos, uma das quais um verdadeiro sa- res artistas e profissionais, entre desenhadores,
Marinha que tenho instalado no primeiro e se- lão nobre, e uma galeria, tudo distribuído por modeladores, pintores, entalhadores, cinzela-
gundo andares do meu prédio em que habito dois pisos, e era constituído por um impressio- dores, poleeiros, aparelhadores e aderecistas,
nesta cidade, na Rua D. Estefânia, números (...), nante conjunto de peças coleccionadas metó- num total de trinta e oito, que ao longo de cerca
devendo tudo o que constitui o mesmo Mu- dica e pacientemente, mercê de um cuidadoso de trinta anos o ajudaram a concretizar a sua
seu dali ser retirado o mais breve possível, mas planeamento, de uma inabalável vontade e, maravilhosa obra. Os originais eram meticu-
nunca além dos três meses a contar da data do também, de uma apreciável fortuna pessoal, losamente estudados e medidos, de cada um
meu falecimento (...).” que permitiu ao seu proprietário concretizar deles se reunia a maior e mais completa do-
A simples leitura da citação que antecede os projectos que ia traçando e dar vida aos so- cumentação, ouviam-se peritos e experimen-
explica por si só a rapidez que a redacção do nhos que acalentava. tados profissionais, produziam-se desenhos e
testamento imprimiu à tomada de decisões Henrique Maufroy de Seixas foi, acima planos de construção rigorosamente à escala,
oficiais, para que o legado pudesse ser recebi- de tudo, um admirador das coisas do mar e porque o que se perseguia era verdadeira-
do em curto espaço de tempo e instalado de orientou sempre a sua vida em função dessa mente a perfeição. Dessa forma surgiu, para-
forma condigna, juntamente com o acervo que, grande paixão. Todas as actividades que com lelamente à colecção de modelos, que ascende
entretanto, a Marinha conseguira juntar duran- ele se relacionavam lhe inspiravam interesse a 292 unidades, dos mais diversos tipos e di-
te os anos que se seguiram ao incêndio que em e curiosidade, não só no que à Armada dizia mensões, a colecção de desenhos e planos, que
1916 devastou as instalações da antiga Escola respeito - cultivou muitas amizades com nu- atingiu a significativa cifra de 257 documentos,
Naval, destruindo quase por completo o va- merosos profissionais da Marinha de Guerra produzidos entre 1915 e 1944.
lioso conjunto de modelos de navios antigos - mas também ao comércio, às pescas, ao trá- No que respeita às fotografias, Henrique
que D. Maria II oferecera à Marinha e que era fego fluvial, ao recreio e ainda à actividade das Maufroy de Seixas foi sistematicamente colec-
guardado na Sala do Risco do antigo Arsenal principais embarcações da casa real. cionando as imagens que melhor documen-
12 DEZEMBRO 2004 U REVISTA DA ARMADA