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A MARINHA DE D. MANUEL (57)
O Quadro de Greenwich
O Quadro de Greenwich
o ano de 1516, Carlos III, Duque de no maior navio, a Santa Catarina do Mon- imperial manuelino. Foi realçada por todos
Sabóia, mandou uma embaixada a te Sinai, com cerca de 1000 toneladas. Nas os cronistas portugueses daquele tempo,
ND. Manuel, pedindo-lhe a sua se- vésperas da partida houve grandes festas e mereceu uma representação pictórica de
gunda filha, D. Beatriz, em casamento. Da- e representou-se no Paço da Ribeira a peça rara beleza, num quadro que hoje faz parte
mião de Góis fala desta missão diplomática As Cortes de Júpiter, de Mestre Gil Vicente. da colecção do National Maritime Museum,
levada a cabo por Honorato de Cais, referin- A Infanta embarcou utilizando uma ponte em Greenwich. Infelizmente não é possível
do que o rei rejeitou a proposta “por alguns flutuante, montada em cima de barcas, que identificar o seu autor, apesar de se reconhe-
respeitos” e porque a Infanta tinha apenas 12 ia até ao navio, fundeado em frente ao Ter- cer poder haver a influência de uma escola
anos de idade. Vendo com atenção qual era reiro do Paço. Saíram a 9 de Agosto, mas portuguesa de pinturas marítimas, onde
a situação do Du- marcaram posi-
que de Sabóia e as ção notáveis artis-
relações políticas tas da época como
que interessavam Gregório Lopes
a D. Manuel, jul- (aliás, este pin-
go que podemos tor chegou a ser
deduzir o que apontado como o
terá provocado autor do quadro,
a hesitação do mas não existe ne-
rei, e justificado nhuma prova que
a expressão vaga corrobore esta
do cronista com opinião). Trata-se
o “alguns respei- de um óleo sobre
tos”, sem querer placas de carva-
nomear quais. lho, onde a res-
As possessões do tauração de 1995
Duque de Sabóia permitiu realçar o
ficavam encrava- brilho e a lumino-
das entre a França Portuguese Carracks. sidade próprias
e a Itália, onde se Anónimo. do Mediterrâneo.
National Maritime Museum – Greenwich.
iriam dar os con- Em primeiro pla-
frontos entre Francisco I de França e o futuro fundearam em Belém, antes de se fazer ao no, sobressai a figura da Santa Catarina do
imperador Carlos V, genro do monarca por- mar com destino ao sul. Monte de Sinai, a navegar com amuras a bom-
tuguês. Carlos III de Sabóia procurava um À semelhança das embaixadas que fo- bordo, num mar encrespado que constitui
apoio, tão perto quanto possível de Carlos V, ram enviadas ao Papa, nos anos de 1506 uma das pistas de identificação do quadro
que, ao mesmo tempo, não fosse demasiado e, especialmente, em 1514, esta viagem e que o associam a uma autoria portugue-
comprometedor aos olhos do rei de França. devia espalhar pelo Mediterrâneo Oci- sa. Parece-me notável a representação dos
Sendo de uma categoria nobiliárquica infe- dental a fama da coroa portuguesa. Diga- motivos marítimos, que permitem, inclu-
rior a qualquer rei, a possibilidade de casar mos que esta era uma das componentes sivamente, um estudo sobre o aparelho e a
com uma filha segunda de D. Manuel, era da política externa de D. Manuel, sendo manobra dos navios da época. Entre outros
particularmente vantajosa, não só sob o pon- fundamental exibir um notável poder na- pormenores magníficos, são bem visíveis as
to de vista político, como da possibilidade val e impressionar pelo brilho do fausto duas monetas que acrescentam a vela gran-
de obter um dote considerável, recolhido e pela pompa das representações. Faria o de, encostada ao estai (no original vêem-se
numa Lisboa que resplandecia com as rique- que – salvaguardadas as medidas – hoje as letras que estabelecem a correspondência
zas do Oriente. Contudo, o Rei de Portugal chamaríamos por exercício de presença entre os panos); as escotas pouco caçadas a
não aceitou as primeiras propostas e só ao naval ou o “show the flag” muito próprio estibordo, com a amura livre; e a apaga da tes-
cabo de múltiplas insistências é que acedeu dos ingleses, alguns séculos mais tarde. ta de estibordo. Há vários homens em cima
a este casamento, não sem antes ter envia- Nesse sentido passaram por Tânger, Ta- das vergas agarrados aos amantilhos, talvez
do alguém a Sabóia para avaliar do “stado rifa, Ceuta, Málaga (onde estiveram duas preparados para carregar o pano, logo que
senhoria & poder” do candidato. O assunto semanas), Alicante e Marselha, chegando terminem as salvas de cortesia.
ficou resolvido a 26 de Março, a união sagra- a Villefranche a 9 de Setembro. Esta esquadra regressou a Lisboa pou-
da foi realizada por procuração na Sé de Lis- Algumas fontes dizem-nos que o Duque co tempo depois, e D. Manuel não viveu
boa, no Domingo de Pascoela, e seguiram-se pressionou os portugueses para que se fi- o suficiente para saber do futuro daquele
os preparativos da viagem, que deveria ter zesse o desembarque imediato da infanta casamento. A 13 de Dezembro de 1521 o
um impacte condizente. portuguesa, mas Góis refere que ela própria rei falecia no Paço da Ribeira, com quase
Continuando a seguir o que nos diz Da- estaria muito enjoada, aceitando de bom gra- 53 anos. Aqui terminam também as Mari-
mião de Góis, a esquadra que levou a Infan- do deixar a Santa Catarina, e ultrapassando nhas de D. Manuel, com um agradecimento
ta a Sabóia, envolveu 4 naus grossas, 4 galés, (pelo que nos é dado conhecer) alguns aspec- a quem as foi seguindo ao longo dos seus
1 fusta, 2 galeões, 5 naus e 2 caravelas, num tos protocolares. De qualquer forma a jorna- 57 episódios
total de 18 navios. O capitão-mor foi Marti- da não tem muito mais história do que a de Z
nho Castelo Branco, conde de Vila Nova de ter mostrado o poder de D. Manuel, com as J. Semedo de Matos
Portimão, que embarcou com D. Beatriz, riquezas e os exotismos próprios do sonho CFR FZ
REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2005 21