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CRÓNICAS DE TIMOR

                 Fim de Semana no Paraíso
                 Fim de Semana no Paraíso



             artimos de Dili pelas 19 horas e 30 minu-  praia de Laga, que alcançamos 45 minutos  através da rede mosquiteira da tenda sem du-
             tos, já noite feita em Timor-Leste, em di-  depois – melhor método para medir as dis-  plo tecto. Contempla-se, entre outras, a cons-
         Precção a Baucau. As duas viaturas Toyota  tâncias do que em quilómetros – e que nos  telação de Orion com as três Marias, ou Reis
         Land Cruiser Wagon, carregando com os sete  coloca sensivelmente a meio da distância do  Magos, no seu interior.
         passageiros e a logística, estão bem adaptadas  objectivo final.         Adormece-se com o suave marulhar deste
         para esta expedição de fim-de-se-                                               mar sem ondas, “Tassi Fetu” (mar
         mana à ponta Leste da Ilha – des-                                              mulher), da costa Norte, por opo-
         tino, ilhéu de Jaco.                                                           sição ao mar bravio da costa Sul,
           O primeiro teste é feito logo                                                “Tassi Mane” (mar homem).
         à saída da cidade, atravessando                                                  Inesquecível o despertar, na ma-
         a montanha pela íngreme e es-                                                  nhã seguinte, com as vozes melo-
         treita estrada que serpenteia ao                                               diosas e afinadas de uma dúzia de
         longo das encostas. De noite a                                                 crianças timorenses, empoleiradas
         condução é feita pelo meio da                                                  numa pequena colina próxima,
         via, confiando em que todos os                                                  pouco depois do nascer do Sol.
         veículos que connosco se cruzam                                                Entoavam uma cantiga tradicional
         em sentido contrário tragam ao                                                 para os “malai” – eramos os úni-
         faróis acesos. Quando se cruzam                                                cos, vários quilómetros em redor.
         duas viaturas, é necessário quase                                                Após um rápido pequeno almo-
         parar e, por vezes, pisar a berma                                              ço, composto de café com leite
         de terra batida. Uma roda em fal-                                              e pão com manteiga e compota,
         so e espera-nos o abismo. Talvez                                               repartido com as crianças, conti-
         não por acaso, em Timor -Leste                                                 nuamos para Leste. Passamos por
         conduz-se devagar, por vezes   A costa timorense.                              Laivai, Lautém, Fuiloro, Mehara e
         exasperantemente devagar, para                                                 finalmente Tutuala, última povoa-
         um ocidental.                        Laga é a terra e domínio do famoso e res-  ção da ponta Leste. Pelo caminho compramos
           Atravessam-se cidades e povoações: Hera,  peitado guerrilheiro Comandante Cornélio  bananas e sal grosso, extraído directamente das
         Metinaro, Manatuto, Laleia, terra de Xanana  da Gama, cujo nome de guerra no tempo da  salinas naturais, que se formam junto ao mar e
         Gusmão. A estrada é disputada com os habi-  guerrilha contra os indonésios era “L7”, nome  que as populações utilizam e comercializam
         tantes sentados na berma – apanhando o fresco  pelo qual ainda hoje é conhecido. Sob a sua  sem qualquer processamento. O sal é um bem
         da noite – os porcos, as cabras e as galinhas.  protecção, sentimo-nos mais seguros para  precioso para as populações do interior da ilha,
         Fazem-se figas para que nenhum dos animais  passar a noite.            e por isso utilizado com parcimónia.
         domésticos fique debaixo de um rodado. É   É já uma hora da manhã quando montamos   Em Tutuala, situada num planalto, existe
         uma experiência que pode sair cara a qual-  as tendas, a apenas escassos metros do mar,  uma pousada construída no local mais elevado
         quer “malai” (estrangeiro). O animal poderá  mas ainda há tempo para uma alegre cavaquei-  da povoação dispondo por isso de uma vista
         ter vários donos, que será preciso recompen-  ra ao redor de um saboroso café de Timor, feito  soberba sobre as montanhas e vales em redor.
         sar, e será sempre o porco mais nutrido, a ca-  numa fogueira acesa com a fibra desfiada da  Infelizmente está já há bastante tempo aban-
         bra mais luzidia e o galo mais guerreiro que a  casca do coco seco, técnica utilizada no tem-  donada e em avançado estado de degradação.
         família possuía.                   po da guerrilha, dado tratar-se de um material  É ainda possível pernoitar no seu interior. Por
           Chegamos à estalagem de Baucau - um oásis  altamente inflamável.     cinco dólares tem-se uma cama de ferro e um
         no meio da falta de infra-estruturas hoteleiras   O desconforto da cama dura é largamente  colchão. As casas de banho, colectivas, não
         que se verifica por todo o país - por volta das  recompensado pelo espectáculo magnífico  têm água corrente, existe um tanque com água
         dez da noite, onde nos espera o desejado e  do céu límpido e estrelado que se observa  e um púcaro, que permite ao “hóspede” tomar
         merecido jantar, previamente ga-                                               banho de pucarinha (método tra-
         rantido com um telefonema antes                                                dicional na ilha), assim como dei-
         da partida de Dili.                                                            tar água na sanita.
           Baucau, a 500 metros de alti-                                                  Alguns quilómetros antes de
         tude, apresenta um clima muito                                                 Tutuala termina a estrada de alca-
         mais agradável do que a capital,                                               trão, variando o percurso entre o
         mais fresco e menos húmido, e                                                  macadam esburacado e a picada
         praticamente sem mosquitos.                                                    onde, em qualquer dos casos, só
           Terminado o copioso e recon-                                                 passa uma viatura.
         fortante jantar, seguimos viagem,                                                Chegados a Tutuala perguntá-
         embora uma boa opção seja per-                                                 mos pelo Gonçalo, que pouco
         noitar num dos dez confortáveis                                                depois aparece, chamado por al-
         quartos de que a estalagem dis-                                                gum popular. O “tam tam” sem-
         põe. Mas o nosso propósito não                                                 pre funcionou bem em Timor. O
         é previligiar o conforto mas sim a                                             Gonçalo é um timorense com
         aventura e o contacto com a na-                                                quarenta e dois anos, que fala por-
         tureza, quase intocada.                                                        tuguês, e se tornou numa peça in-
           O nosso objectivo para essa                                                  contornável durante a estadia na
         primeira noite é acampar na   O encanto do Pôr do Sol em Timor.                praia de Tutuala.

         26  ABRIL 2005 U REVISTA DA ARMADA
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