Page 134 - Revista da Armada
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Uma Bela Colecção num Belo Edifício
          Uma Bela Colecção num Belo Edifício


              empre tivemos uma grande admiração  jecto que consideram indispensável para a  plicável egoísmo, querem ser eles, exclusiva-
              pelos coleccionadores. Mas atenção:  sua colecção. Um amigo meu foi, certa vez,  mente, a gozar, isolados e em silêncio, a peça
         Scoleccionar não é o mesmo que jun-  à Alemanha decidido a adquirir uma viatu-  ou peças que adquiriram.
         tar. Eu, quando fui jovem, juntei selos, o que  ra Mercedes. Acabou por regressar de avião   Mas há uma segunda razão que privilegia
         quer dizer que os removia                                                          o coleccionador: quando
         dos envelopes e os metia de                                                        um Museu ou uma Biblio-
         seguida em álbuns com ró-                                                          teca pretende enriquecer o
         tulos dos países de origem.                                                        seu património com uma
         Era tudo o que eu fazia.                                                           obra de arte ou um livro, a
            Coleccionar é muito                                                             pessoa que vai disponibili-
         mais. Coleccionar é saber                                                          zar a verba indispensável à
         quem foi o artista que pin-                                                        sua aquisição não tem, por
         tou a tela ou modulou a                                                            vezes,  a mesma sensibi-
         escultura ou, ainda, quem                                                          lidade de quem propõe a
         foi que fabricou este ou                                                           compra. E, as coisas com-
         aquele instrumento cien-                                                           plicam-se quando a com-
         tífico. Mas não é tudo. Há                                                          pra é feita em leilão, pois
         que averiguar a data em                                                            não é possível prever a que
         que a obra foi feita, quando                                                       valor subirão os lances. Há
         essa data não está explícita.                                                      anos, sabendo eu que, em
         Quem foi o primeiro dono                                                           Londres, ia ser leiloado um
         da peça que adquirimos e                                                           astrolábio náutico, pedi ao
         por que mãos passou, que                                                           Chefe do Estado-Maior da
         restauros sofreu. Quando                                                           Armada, que me conce-
         se trata de um instrumen-                                                          desse uma verba. Ele deu
         to, a pesquisa tem de ser                                                          o que podia. Pedi ao Adido
         muito mais alargada, pois                                                          Naval em Londres que fos-
         teremos de averiguar quem foi o inventor --  trazendo consigo uma das primeira edições  se ao leilão. Assim o fez. Licitou até ao limite
         nem sempre é um sábio -- que concebeu tal  dos Elementos de Euclides. “E, o Mercedes?”,  da verba concedida, descontada a parte que
         instrumento, para que serve e, naturalmente,  perguntei eu. “Pensei melhor. Talvez não  é paga ao leiloeiro. Depois, naturalmente,
         como funciona.                     fosse muito urgente mudar de carro”, foi  desistiu. A peça acabou por ser arrematada
           Sempre que a ocasião se proporciona, não  a resposta.               por outro interessado. Passado algum tem-
         deixo de prestar homenagem aos colecciona-  É interessante conhecer o comportamen-  po recebi um postal Willem Mörzer Bruyns,
         dores que são, na realidade, os verdadeiros  to destas, por vezes, estranhas criaturas. Al-  responsável pelo sector de navegação do
         construtores dos                                                                         Museu Marítimo
         museus, porque                                                                           de Amsterdão. Di-
         estes são, quase                                                                         zia assim: “Des-
         sempre, iniciados                                                                        culpa lá. Tu já tens
         ou enriquecidos                                                                          astrolábios no teu
         por colecções pri-                                                                       Museu e eu não
         vadas. O Estado                                                                          tinha nenhum no
         não tem vocação                                                                          meu!”
         para coleccionar.                                                                          Os Portugueses
         Por duas razões.                                                                         não são coleccio-
         Em primeiro lu-                                                                          nadores. Excep-
         gar porque lhe                                                                           tuando a pintura
         falta a pertinácia                                                                       contemporânea,
         do coleccionador.                                                                        as porcelanas, e
         De facto, este, para                                                                     algum mobiliá-
         atingir o seu fim,                                                                       rio, desconheço,
         para encontrar a                                                                         noutros sectores,
         peça que lhe fal-                                                                        colecções que me-
         ta,  procura pistas,                                                                     reça a pena des-
         segue o rasto do                                                                         tacar. Refiro-me,
         mais pequeno in-                                                                         especialmente, a
         dício, assim como                                                                        instrumentos cien-
         um polícia per-  Aspectos da colecção.                                                   tíficos. Assim, não
         segue o ladrão e                                                                         havendo coleccio-
         o perdigueiro a lebre veloz. Mas a nossa  guns coleccionadores gostam de mostrar aos  nadores nesta área, também não há antiquá-
         admiração vai, especialmente, para aque-  amigos os seus sucessos e as pechinchas que  rios que se dediquem à venda deste tipo de
         les coleccionadores que, ao longo dos anos,  conseguiram adquirir. A estratégia que usam  material, que, naturalmente,  também não
         vão fazendo sacrifícios, deixando de apro-  para levar à certa o vendedor. Que pagaram  aparece nos leilões. No passado, só me lem-
         veitar outros prazeres da vida, para gastar  metade do valor da peça. No fundo, um su-  bro de ver alguns belos instrumentos que
         os seus parcos cobres na aquisição do ob-  cesso. Outros, porém, numa atitude de inex-  Hipólito Raposo reuniu na sua residência da

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