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PONTO AO MEIO DIA




               A Autoridade Marítima


                           O conceito, o espaço geográfico

                 e suas envolventes, e a estrutura operacional

          I – A AUTORIDADE MARÍTIMA E SUA   e desconexões à lei civil, processual civil e co-  já em tempo da antiguidade romana, o DPM
          ORIGEM CONCEPTUAL                 mercial e aos regimes organizativos jurisdicio-  (margens e leitos das águas sujeitas à influên-
                                            nais em institutos tidos como fundamentais  cia de marés) era considerado e assumido
            Tal como foi criada no início do séc. XIX (há  ao comércio jurídico (despacho de largada,  como um espaço de prolongamento natural
          notícia da existência do capitão do porto des-  tempos de embarque, arrestos, apreensões,  da actividade dos navios e embarcações que
          de 1805, não obstante as origens funcionais de  averiguação e registo processual de naufrá-  acostavam – e que eram varados - nas praias
          tal cargo remontarem ao séc. XVI), a Autori-  gios e recursos, entre muitos outros).  e demais áreas costeiras, e das formas de vida
          dade Marítima (AM) sempre assumiu uma   Aliás, aquando da elaboração da Lei dos  das gentes de mar (formas de embarque e
          ligação umbilical com as populações                                       desembarque, e a necessidade dos
          ribeirinhas e as actividades mercantis   Livro de inscrição marítima.     acampamentos feitos na proximidade
          e comerciais que se desenvolviam nos   Finais do século XIX.              dos navios).
          espaços costeiros portugueses. Desde                                       Fundamentalmente, pode afirmar-
          a visita e a vistoria aos navios de co-                                   -se que a Capitania do Porto (CP)
          mércio, às amarrações fixas, serviços                                      sempre (desde os primeiros textos es-
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          de lastros, fiscalização dos apetrechos                                    truturais  ao regime legal aprovado
          de pesca, visto no rol de matrícula da                                    em 2002) se constituiu como uma es-
          equipagem, definição de lotações e                                        trutura funcional cuja missão prepon-
          inscrição marítima, proibição de sair                                     derante incidia, claramente, sobre três
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          a barra, e definição de ancoradouros,                                      vertentes , todas elas horizontalmen-
          entre muitos outros actos típicos, à AM                                   te agregadas e imprescindivelmente
          sempre foi (desde os textos de 1839) co-                                  complementares: segurança (numa
          metido um quadro de atribuições cuja missão,  Tribunais Marítimos, já no início de 1986,  dupla função de segurança de bens e socorro
          fulcral e primordial, era a presença da auto-  se pode confirmar aquela realidade, tendo-  a pessoas, e garantia da segurança da navega-
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          ridade do Estado nas costas e nos portos e o  -se optado, claramente, por uma definição  ção ), serviços de repartição e conservatória e
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          apoio às populações . A razão última era, isso  jurisdicional daqueles tribunais de especia-  serviços de polícia. O entrosamento concep-
          mesmo se confirma pelos documentos legais  lidade com base na jurisdição dos Departa-  tual e jurídico das três vertentes resulta neces-
          iniciais, a necessidade de se instituir uma pos-  mentos Marítimos (artigo 1º da Lei nº 35/86,  sário e adequado ao longo de toda a história
          tura de autoridade que assumisse, além do  de 04SET), assumindo-se a manutenção de  jurídica e regulamentar da AM, tendo atra-
          controlo, funções de árbitro, salvaguardando-  competências de tipo pré-jurisdicional aos  vessado – inalterável em conceito – formas de
          -se os valores da res publica, e os interesses do  capitães dos portos, como é, irrecusavelmen-  Estado, regimes políticos diferenciados e vá-
          Estado em espaços marítimos e portuários. A  te, o instituto da tentativa de conciliação  (arti-  rias opções governamentais . Assim como se
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          experiência e o conhecimento – do mar e das  go 9º da referida lei) e tipificando-se, ainda,  confirma - já desde a alínea c) do artigo 9º do
          actividades e fainas - há muito instalados na  os tribunais marítimos como instâncias con-  Decreto de 1892 - que em termos de socorro
          Marinha, concederam o sustento necessário  tenciosas competentes para tratamento das  a navios ou embarcações em perigo (função
          à criação de tal função.          decisões dos capitães dos portos em matéria  que evoluiu, muito posteriormente, para os
            Deve, também, referir-se, no âmbito do or-  contra-ordenacional. Este quadro mantém-se,  quadros de salvaguarda da vida humana no
          denamento jurídico português, que sempre  com poucas alterações, ainda hoje.  mar), a competência da CP está intrínseca e
          coexistiu uma uniformização jurídico-concep-  O capitão do porto sempre assumiu, pois,  processualmente acoplada à estrutura da Ma-
          tual profundíssima entre os quadros legais da  a adequada amplitude de competências em  rinha , nela subsistindo estruturalmente.
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          AM - e suas competências técnico-administra-  relação a profissões e actividades relaciona-  Especificamente em relação aos serviços
          tivas - e as codificações comerciais e proces-  das com o âmbito marítimo, cenário que se foi  de polícia, os quais sempre estiveram no
          suais civis. O famoso Código Comercial de  avolumando, em terra, à medida que aque-  âmbito de intervenção funcional das auto-
          28JUN1888 (especificamente o Livro Tercei-  las actividades exigiam logística, estaleiros,  ridades marítimas, porque fundamentais ao
          ro, do Comércio Marítimo) é, disso, um claro  tendais, zonas de apoio e equipamentos por-  seu próprio desiderato legal e fundadas no
          exemplo, bastando atentar naquilo que esti-  tuários de maior complexidade e dimensão,  conhecimento intrínseco do meio marinho
          pulava (e, parcialmente, ainda preceitua) em  o que determinou, por sua vez, dos quadros  que naturalmente desenvolvem, foram cris-
          matéria de navios preparados para viagem,  legais, uma complementaridade mais estreita  talizando em actos típicos de polícia de âmbito
          relatórios de mar, avarias, abandonos e re-  entre o tipo de autoridade que se executava  marítimo, como a visita, a fiscalização de cais,
          moção de destroços, entre muitas outras ma-  em espaços marítimos e aquela que tinha que  o exercício da autoridade perante marítimos
          térias. Este facto induziu, fundamentalmente  ser imposta em espaços de terra que se cons-  infractores e a averiguação para o despacho
          ao longo do último século, que qualquer alte-  tituíam como o prolongamento natural das  de largada, entre muitos outros. Isto mesmo
          ração às competências dos capitães dos portos  actividades marítimas. Afinal, uma atitude  resulta, desde os inícios, do artigo 34º, 40º, 41º,
          tivesse contornos de elevada sensibilidade te-  que ía ao encontro dos mais antigos conceitos  43º  da chamada Lei Ribeira de Sabrosa  (que
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          mática e jurídica, porquanto a desconfigura-  de domínio público marítimo (DPM) - termo  aprovou o Regulamento para a Polícia dos Portos,
          ção de determinados regimes específicos da  que, posteriormente, encontrou terminologia  de 30AGO1839, por determinação de Portaria
          AM produziriam, necessariamente, alterações  jurídica muito mais específica -, porquanto,  do Ministério da Marinha, de 25JAN1839), e,


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