Page 263 - Revista da Armada
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a ser eleito para um mandato de dois  meio século –, mas já hoje contestado
         anos e meio, renovável por uma vez,  por muitos, porque torna impossível   REFLECTINDO…
         e haverá um ministro dos Negócios  combater a concorrência dos países
         Estrangeiros, vice-presidente da Co-  onde, ao contrário da Europa, se tra-  CULTURA E
         missão Europeia, que conduz a polí-  balha muito e ganha pouco.
         tica externa e a segurança, até agora   Finalmente, nesta lista, os que são   MODELO DE SOCIEDADE
         de uma irrelevância total.     contra os previstos alargamentos, e
           A Comissão Europeia, a partir de  muito especialmente contra a Tur-  anto no diálogo mediterrânico como no alargamen-
         2014, passará a ter um número de  quia, estado asiático, populoso, eco-  to da Europa, nomeadamente quando se pensa na
         comissários igual a dois terços do nú-  nomicamente débil e culturalmente  TTurquia, tem havido uma certa confusão entre o que
         mero dos estados-membros.      diferente.                     poderá ser incluído na procura de valores comuns e o que
           A regra da maioria qualificada vai   Com estas fortes e aparentemente  forma a diversidade cultural que é fundamental respeitar.
         estender-se a novas matérias e as de-  justificadas razões para o NÃO, por   Há diferença entre os valores e princípios que nos
         cisões passam a ter validade desde  que se deverá então votar SIM?  unem e os elementos culturais que nos identificam na
         que aprovadas por 55% dos Estados   Para os europeístas, porque só com  diversidade.
         e 65% da população. A unanimidade  este Tratado ou outro semelhante se    Não é a cultura que nos une.  Basta recordar quais são
         só se mantém na política externa e o  reforça a unidade política da Euro-  os elementos fundamentais que distinguem as culturas:
         direito de veto apenas subsiste para a  pa que, por enquanto, só evidencia  língua, religião, opções ideológicas, expressões artísticas,
         fiscalidade.                    uma unidade económica e monetária.  passado comum.
           Muito importante é o facto de ser  Porque, e como argumento mais pre-  Na Europa, a extraordinária diversidade destes elemen-
         instituída uma cláusula de solidarieda-  mente, parece difícil “governar” uma  tos é um facto e é considerada uma riqueza.  A diversidade
         de entre os estados-membros em caso  Europa a 25, concebida e estruturada  favorece o desenvolvimento mútuo.
         de terrorismo ou de catástrofe.  a 6 em Roma e a 15 em Nice. Porque   Os valores que nos devem unir são os que caracterizam
           O Parlamento Europeu passa a ter  constitui um passo sério para a Euro-  a sociedade que queremos construir e estamos a alargar,
         poderes de co-decisão em questões de  pa poder tornar-se uma superpotência  com a adesão de outros povos.  Esses valores são, entre
         justiça, segurança e assuntos internos  capaz de enfrentar os Estados Unidos,  outros:  liberdade, democracia, solidariedade, liberalismo
         e controlará o Orçamento da União.  a Rússia e a China e, dentro em breve,  económico, segurança para a paz.
           Com o Tratado é aprovada uma Car-  a Índia em pé de igualdade. Para os   Estes valores, alguns recentes e frequentemente reformu-
         ta dos Direitos Fundamentais.  “federalistas”, porque é um importante  lados, são opções das sociedades mais evoluídas (numa
           Não se sabe ao certo por que votou  passo em frente na realização do seu  perspectiva humanista) e constituem o paradigma das aspi-
         NÃO a maioria dos eleitores da Fran-  longínquo sonho federal. Para todos os  rações de muitos povos. Representam conquistas progres-
         ça e da Holanda, mas não existem  Portugueses, porque é uma manifesta-  sivamente alcançadas pela civilização humana.
         quaisquer dúvidas de que não houve  ção de fidelidade ao espírito europeu   Ao contrário do que sucede com a lenta sedimentação da
         unanimidade nos argumentos, tendo  e o reconhecimento dos bem visíveis  cultura, são valores muitas vezes adoptados durante um cur-
         sido, pelo contrário, muito diversas as  benefícios auferidos e das futuras van-  to prazo tempo.  São impostos quer por acção revolucioná-
         razões que os motivaram. Alguns por  tagens de pertencer à União.  ria, como aconteceu na Revolução Francesa, quer por acção
         ignorância.                      Segundo estabelece o Tratado, se,  legislativa, como vai acontecendo com a abolição da pena
           A generalidade dos comentadores  decorridos dois anos a contar da data  de morte ou até com decisões tomadas em Bruxelas.
         políticos foi de opinião de que em  da sua assinatura, um ou mais esta-  Se pretendermos estabelecer a relação entre estes valores
         França, pelo menos, uma das razões  dos-membros “tiverem deparado com  e os da cultura, poderemos integrar alguns deles, mas só
         do NÃO foi o descontentamento que  dificuldades em proceder à sua ratifi-  alguns, os mais antigos e duradouros, no que foi designado
         existe com a política interna: quise-  cação, o Concelho Europeu analisará  por “opções ideológicas”.
         ram mostrar um “cartão amarelo” ao  a questão”. O Conselho Europeu an-  Por outro lado, há elementos próprios do modelo de so-
         governo.                       tecipou essa análise e, tendo em con-  ciedade que são tão importantes que perduram e passam a
           Mas houve, e há, razões europeias,  ta que a Europa mergulhou num cli-  ser considerados valores da cultura.  É o caso da “liberda-
         objectivas, de vária ordem para vo-  ma de confusão e de dúvida, decidiu  de”, único elemento da trilogia proclamada em 1789 que
         tar NÃO.                       “decretar uma pausa para a reflexão”,  se mantém hoje.  A “fraternidade” e a “igualdade”, depois
           Sem pretender esgotar o assunto, di-  adiando, para já, a data da conclusão  de uma certa evolução, têm vindo a ter um entendimento
         rei que, em primeiro lugar, surgem os  das ratificações.       mais próximo de “solidariedade” e de “justiça social”.
         que, de raiz, são contra a União Eu-  A crise política é mais grave e mais   A indefinição da identidade da União Europeia não im-
         ropeia e os “eurocépticos” que ainda  duradoura do que parece. O Tratado,  pede que haja consenso entre os europeus sobre alguns
         não enxergaram o óbvio. Em segundo  com as suas imperfeições, não deixa  valores comuns e nenhum outro Continente, mesmo par-
         lugar, aparecem os “nacionalistas”,  de ser um trabalho notável, que mere-  cialmente, está em condições de encontrar a sua identi-
         que, não sendo contra a União, vêem  cia melhor sorte. Mas, se, como tudo  dade tal como a Europa.
         de novo, com grande sofrimento, a  indica, ele vier a ser anulado ou con-  Os principais valores e princípios que caracterizam a
         transferencia de mais umas parcelas  gelado por muito tempo, resta-nos a  sociedade europeia são:  respeito pelo ser humano, con-
         de soberania para Bruxelas, designa-  esperança de que outro virá, inevita-  siderado individualmente; respeito pela liberdade do ho-
         damente com as votações por maio-  velmente com idênticos objectivos,  mem, nas suas múltiplas vertentes; primado do direito e
         rias simples ou qualificadas.   mas com menos artigos, com menos  da igualdade perante a lei; criação de instituições demo-
           Vêm depois os “ultrademocratas”,  ambição e, sobretudo, sem o nome de  cráticas; separação dos poderes judicial, executivo e legis-
         insatisfeitos por o Tratado ser uma  Tratado da Constituição da Europa. É  lativo; princípio da solidariedade; protecção das minorias;
         construção, tal como os anteriores,  um nome que assusta muita gente cul-  princípio da tolerância; adopção de um sistema político
         feita à revelia dos cidadãos: o tão  ta. Sem razão?           pluralista; respeito pela propriedade e pela iniciativa priva-
         apregoado défice democrático. Com                          Z   da; economia de mercado; promoção da sociedade civil.
         certo peso nos “sindicalistas”, surge a   Comandante E. H. Serra Brandão  Tudo isto tem como objectivo último o respeito e a valo-
         impressão de que o Tratado não de-                            rização da pessoa humana.
         fende, como desejariam, o modelo   Nota                                                               Z
                                        A Revista da Armada agradece à Editora Ulisseia
         social europeu – motivo de orgulho   a reprodução da capa do livro – “O Renascer    António Emílio Sacchetti
         para a Europa Ocidental no último   da Europa”                                                     VALM
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U AGOSTO 2005  9
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