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a ser eleito para um mandato de dois meio século –, mas já hoje contestado
anos e meio, renovável por uma vez, por muitos, porque torna impossível REFLECTINDO…
e haverá um ministro dos Negócios combater a concorrência dos países
Estrangeiros, vice-presidente da Co- onde, ao contrário da Europa, se tra- CULTURA E
missão Europeia, que conduz a polí- balha muito e ganha pouco.
tica externa e a segurança, até agora Finalmente, nesta lista, os que são MODELO DE SOCIEDADE
de uma irrelevância total. contra os previstos alargamentos, e
A Comissão Europeia, a partir de muito especialmente contra a Tur- anto no diálogo mediterrânico como no alargamen-
2014, passará a ter um número de quia, estado asiático, populoso, eco- to da Europa, nomeadamente quando se pensa na
comissários igual a dois terços do nú- nomicamente débil e culturalmente TTurquia, tem havido uma certa confusão entre o que
mero dos estados-membros. diferente. poderá ser incluído na procura de valores comuns e o que
A regra da maioria qualificada vai Com estas fortes e aparentemente forma a diversidade cultural que é fundamental respeitar.
estender-se a novas matérias e as de- justificadas razões para o NÃO, por Há diferença entre os valores e princípios que nos
cisões passam a ter validade desde que se deverá então votar SIM? unem e os elementos culturais que nos identificam na
que aprovadas por 55% dos Estados Para os europeístas, porque só com diversidade.
e 65% da população. A unanimidade este Tratado ou outro semelhante se Não é a cultura que nos une. Basta recordar quais são
só se mantém na política externa e o reforça a unidade política da Euro- os elementos fundamentais que distinguem as culturas:
direito de veto apenas subsiste para a pa que, por enquanto, só evidencia língua, religião, opções ideológicas, expressões artísticas,
fiscalidade. uma unidade económica e monetária. passado comum.
Muito importante é o facto de ser Porque, e como argumento mais pre- Na Europa, a extraordinária diversidade destes elemen-
instituída uma cláusula de solidarieda- mente, parece difícil “governar” uma tos é um facto e é considerada uma riqueza. A diversidade
de entre os estados-membros em caso Europa a 25, concebida e estruturada favorece o desenvolvimento mútuo.
de terrorismo ou de catástrofe. a 6 em Roma e a 15 em Nice. Porque Os valores que nos devem unir são os que caracterizam
O Parlamento Europeu passa a ter constitui um passo sério para a Euro- a sociedade que queremos construir e estamos a alargar,
poderes de co-decisão em questões de pa poder tornar-se uma superpotência com a adesão de outros povos. Esses valores são, entre
justiça, segurança e assuntos internos capaz de enfrentar os Estados Unidos, outros: liberdade, democracia, solidariedade, liberalismo
e controlará o Orçamento da União. a Rússia e a China e, dentro em breve, económico, segurança para a paz.
Com o Tratado é aprovada uma Car- a Índia em pé de igualdade. Para os Estes valores, alguns recentes e frequentemente reformu-
ta dos Direitos Fundamentais. “federalistas”, porque é um importante lados, são opções das sociedades mais evoluídas (numa
Não se sabe ao certo por que votou passo em frente na realização do seu perspectiva humanista) e constituem o paradigma das aspi-
NÃO a maioria dos eleitores da Fran- longínquo sonho federal. Para todos os rações de muitos povos. Representam conquistas progres-
ça e da Holanda, mas não existem Portugueses, porque é uma manifesta- sivamente alcançadas pela civilização humana.
quaisquer dúvidas de que não houve ção de fidelidade ao espírito europeu Ao contrário do que sucede com a lenta sedimentação da
unanimidade nos argumentos, tendo e o reconhecimento dos bem visíveis cultura, são valores muitas vezes adoptados durante um cur-
sido, pelo contrário, muito diversas as benefícios auferidos e das futuras van- to prazo tempo. São impostos quer por acção revolucioná-
razões que os motivaram. Alguns por tagens de pertencer à União. ria, como aconteceu na Revolução Francesa, quer por acção
ignorância. Segundo estabelece o Tratado, se, legislativa, como vai acontecendo com a abolição da pena
A generalidade dos comentadores decorridos dois anos a contar da data de morte ou até com decisões tomadas em Bruxelas.
políticos foi de opinião de que em da sua assinatura, um ou mais esta- Se pretendermos estabelecer a relação entre estes valores
França, pelo menos, uma das razões dos-membros “tiverem deparado com e os da cultura, poderemos integrar alguns deles, mas só
do NÃO foi o descontentamento que dificuldades em proceder à sua ratifi- alguns, os mais antigos e duradouros, no que foi designado
existe com a política interna: quise- cação, o Concelho Europeu analisará por “opções ideológicas”.
ram mostrar um “cartão amarelo” ao a questão”. O Conselho Europeu an- Por outro lado, há elementos próprios do modelo de so-
governo. tecipou essa análise e, tendo em con- ciedade que são tão importantes que perduram e passam a
Mas houve, e há, razões europeias, ta que a Europa mergulhou num cli- ser considerados valores da cultura. É o caso da “liberda-
objectivas, de vária ordem para vo- ma de confusão e de dúvida, decidiu de”, único elemento da trilogia proclamada em 1789 que
tar NÃO. “decretar uma pausa para a reflexão”, se mantém hoje. A “fraternidade” e a “igualdade”, depois
Sem pretender esgotar o assunto, di- adiando, para já, a data da conclusão de uma certa evolução, têm vindo a ter um entendimento
rei que, em primeiro lugar, surgem os das ratificações. mais próximo de “solidariedade” e de “justiça social”.
que, de raiz, são contra a União Eu- A crise política é mais grave e mais A indefinição da identidade da União Europeia não im-
ropeia e os “eurocépticos” que ainda duradoura do que parece. O Tratado, pede que haja consenso entre os europeus sobre alguns
não enxergaram o óbvio. Em segundo com as suas imperfeições, não deixa valores comuns e nenhum outro Continente, mesmo par-
lugar, aparecem os “nacionalistas”, de ser um trabalho notável, que mere- cialmente, está em condições de encontrar a sua identi-
que, não sendo contra a União, vêem cia melhor sorte. Mas, se, como tudo dade tal como a Europa.
de novo, com grande sofrimento, a indica, ele vier a ser anulado ou con- Os principais valores e princípios que caracterizam a
transferencia de mais umas parcelas gelado por muito tempo, resta-nos a sociedade europeia são: respeito pelo ser humano, con-
de soberania para Bruxelas, designa- esperança de que outro virá, inevita- siderado individualmente; respeito pela liberdade do ho-
damente com as votações por maio- velmente com idênticos objectivos, mem, nas suas múltiplas vertentes; primado do direito e
rias simples ou qualificadas. mas com menos artigos, com menos da igualdade perante a lei; criação de instituições demo-
Vêm depois os “ultrademocratas”, ambição e, sobretudo, sem o nome de cráticas; separação dos poderes judicial, executivo e legis-
insatisfeitos por o Tratado ser uma Tratado da Constituição da Europa. É lativo; princípio da solidariedade; protecção das minorias;
construção, tal como os anteriores, um nome que assusta muita gente cul- princípio da tolerância; adopção de um sistema político
feita à revelia dos cidadãos: o tão ta. Sem razão? pluralista; respeito pela propriedade e pela iniciativa priva-
apregoado défice democrático. Com Z da; economia de mercado; promoção da sociedade civil.
certo peso nos “sindicalistas”, surge a Comandante E. H. Serra Brandão Tudo isto tem como objectivo último o respeito e a valo-
impressão de que o Tratado não de- rização da pessoa humana.
fende, como desejariam, o modelo Nota Z
A Revista da Armada agradece à Editora Ulisseia
social europeu – motivo de orgulho a reprodução da capa do livro – “O Renascer António Emílio Sacchetti
para a Europa Ocidental no último da Europa” VALM
REVISTA DA ARMADA U AGOSTO 2005 9