Page 304 - Revista da Armada
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apito do contra-mestre, são coisas im- movimento intenso que constituiu
portantes que qualquer futuro oficial o sustentáculo da independência e
tem de fazer, para perceber as dificul- desenvolvimento da Holanda, des-
dades de quem vai estar sobre as suas de o século XVI. E não deixa de ser
ordens no futuro. Mas a adaptação ao importante que os nossos cadetes
mar e à vida de bordo está na forma conheçam o que ainda hoje é um
como se aprende a dominar o corpo “santuário” do comércio marítimo.
com o balanço do navio, como ven- Nesta altura já contavam com dois
cer o enjoo, como continuar a pensar meses de viagem, muito mar, muita
com lucidez e discernimento e, sobre- surriada, muito sol e muito vento,
tudo, aprender a viver com os outros experimentando um pouco da ma-
no meio deste ambiente agreste que é turidade de velho marinheiro.
o navio no mar. Aqui aprendem que Nos dias 18, 19 e 20, divididos
o vento e o oceano têm uma força ili- em grupos pequenos, tiveram opor-
mitada que a inteligência do Homem tunidade de efectuar uma visita guia-
sabe controlar e dominar, usando-a NRP “Sagres”. da ao Rijksmuseum, apreciando al-
quando é possível e contornando-a ou defen- de vento que permitiram aos cadetes ver o que gumas das mais notáveis obras da arte holandesa
dendo-se dela quando assim tem de ser. E não são fainas de mastros debaixo de chuva e com do “século de ouro” (sec. XVII), e que constituem
há forma mais intensa de compreender o mar, a proa a mergulhar nas ondas, num ambiente uma referência incontornável da arte e da cultu-
que a navegação num veleiro. que parece apocalíptico, mas em que é possível ra europeia. Frans Halls, Jen Steen, Avercamp (as
A 24 de Junho o navio chegava a Portsmouth defender o navio e aproveitar a própria força da paisagens geladas), Vermeer (deslumbrante nas
com o objectivo de participar numa parte do natureza para navegar até bom porto. Chegaram suas cores) e – como não podia deixar de ser
programa de comemorações do bicentenário a 3 de Agosto e zarparam no dia 6 do
da batalha de Trafalgar (TRAFALGAR 200), que mesmo mês, a tempo de ir participar
incluiu a International Fleet Review, a 28 de Ju- na Sail Bremerhaven.
nho, e a International Drumhead Ceremony a Recuperou-se nesta viagem uma
29 de Junho. A primeira destas cerimónias con- prática antiga na Sagres, própria das
tou com a presença de várias centenas de na- grandes travessias e (provavelmente)
vios de 35 países diferentes (esteve presente o das diversas viagens de volta ao mun-
NRP “Álvares Cabral”), representando todos os do, quando a guarnição passa muitos
continentes do Globo, formados para uma revista meses fora de casa. Refiro-me à publi-
formal levada a cabo pela Rainha de Inglaterra, cação de um pequeno jornal de nome
embarcada no HMS “Endurance”. O Almirante A Barca, cujo objectivo não é outro
Vidal Abreu, Chefe do Estado Maior da Armada, que congregar sentimentos, gerar um
esteve presente nestas comemorações, e teve processo de comunicação entre as
ocasião de ir a bordo da Sagres no dia 29. pessoas e, no fundo, ajudar a ultra-
A 2 de Julho largaram em direcção a Wa- passar a saudade consolidando o es- O ALM CEMA cumprimenta a oficialidade da “Sagres”.
terford, na República da Irlanda, onde iria co- pírito de grupo. Pois, A Barca já não se
meçar a regata Tall Ships Race, com percurso publicava há alguns anos e renasceu
por Cherburgo (França), Newcastle (Inglaterra) agora com a colaboração de vários
e Fredrikstad (Noruega). Infelizmente as condi- cadetes, que para ela escreveram. E,
ções de vento não favoreceram a primeira par- folheando o jornal, leio o depoimento
te da prova levando a que apenas o troço de do Mestre Leitão – a fazer (provavel-
Newcastle para Fredrikstad fosse efectivamente mente) a última viagem da sua longa
de verdadeira regata, com condições de mar e carreira neste navio –, a falar dessa tra-
vessia de Newcastle para Fredrikstad
e explicando como foi difícil mudar
uma vela numa faina nocturna. “Nin-
guém esteve em perigo porque todos
têm cinto,... mas olhe que quando a
proa baixava ficávamos todos dentro Equipa desportiva do NRP “Sagres” com os troféus conquistados.
de água”. Os cadetes, tão depressa,
não se vão esquecer dessa faina. – Rembrandt. Amesterdão foi a cidade onde vi-
A 14 de Agosto saíram de Bremerhaven e a veu Rembrandt e onde está a magnífica Ronda da
17, pela madrugada, estavam em frente a Ijmui- Noite, cuja apreciação no local não pode compa-
den, prontos a transpor a eclusa que dá acesso rar-se com observação de quaisquer cópias, das
ao rio Amstel e a Amesterdão. O objectivo era a muitas que existem por toda a parte. Foi o neces-
participação no festival Sail Amsterdam 2005, sário complemento cultural da viagem, não me-
que constitui um verdadeiro delírio de concen- nos importante que muitos outros eventos.
tração de navios a que se juntam as milhares de A 22 de Agosto o navio navegava no mesmo
embarcações locais. Quando começou o des- rio Amstel, em direcção à eclusa e ao mesmo
file naval para entrar na cidade, a Sagres estava Mar do Norte de onde viera. O destino agora
rodeada de um verdadeiro tapete de embarca- era Lisboa, a cidade que já preenchia a mente
ções dos mais variados tipos, compondo uma de todos e onde iria chegar a 28 de Agosto, cer-
imagem que seria verdadeiramente impensável ca das 15h00. Pelo caminho, à passagem por
para quem não o testemunhou directamente. Ouessant, cruzou-se com o NRP “Corte Real”,
Amesterdão é uma cidade habituada a receber rumando a Norte.
marinheiros de todos os países, desde os tempos Durante a presença em todos os portos, os
mais remotos, estando toda ela marcada por este cadetes e guarnição do navio tiveram ocasião
14 SETEMBRO/OUTUBRO 2005 U REVISTA DA ARMADA