Page 314 - Revista da Armada
P. 314

Museu Naval de Madrid. - Foto CTEN António Gonçalves                   da vela redonda, só em casos excepcionais tal
                                                                               aconteceria, ainda assim sempre dependente
                                                                               da ausência de uma resposta rápida por parte
                                                                               do experiente marinheiro do leme.
                                                                                                     17
                                                                                 A utilização do remo (ror)  no bordo re-
                                                                                                               18
                                                                               ferido, com a finalidade de manobrar (styr)
                                                                               o navio, terá dado origem à sua designação,
                                                                                                       19
                                                                               estibordo (styr + ror = styrbord) . O bordo
                                                                               oposto, pelo qual o navio atracava como for-
                                                                               ma de não danificar o leme, logo por defini-
                                                                               ção o bordo do cais ou do porto, encontra-se
                                                                                                              20
                                                                               na génese da palavra bombordo (bagbord) ,
                                                                               que coerentemente encontramos na língua in-
                                                                               glesa como port.
                                                                                 Como povo intimamente ligado ao mar, os
                                                                               Vikings contribuíram também decisivamente
                                                                               para o desenvolvimento da navegação à vela.
                                                                               Sendo conhecidas as limitações em navegar
                                                                               chegado ao vento (bolinar) nos navios com
                                                                               pano redondo, colocaram junto ao mastro
                                                                               uma pequena verga cuja finalidade era levar
         Navios vikings do tipo drakkar.
                                                                               para vante a testa de barlavento da vela. Uma
         No entanto, apesar de ser aquele que mais  cana do leme, esse grande invento que ainda  das extremidades encontrava-se inserida na
         conhecido se tornou aos olhos de qualquer  hoje se encontra presente em muitos navios e  testa da vela, pouco acima do punho da es-
         curioso sobre estes assuntos, este só terá sido  embarcações.         cota, enquanto que o lado oposto era fixado
                                                                                                21
         desenvolvido a partir de finais do século IX. O   Se o efeito do leme se mantém constante  junto à base do mastro . Mais tarde foi intro-
         outro tipo de navio, o knorr, contava com 8 a  num navio que habitualmente se encontra direi-  duzido nos navios menores uma variante des-
         14 remadores e podia transportar cerca de duas  to, já o mesmo não se passa se existir um deter-  te expediente. Assim, a verga agora colocada
         toneladas de carga. Contrariamente ao drakkar,  minado ângulo de adornamento, agravando-se  a vante como um gurupés amovível, permitia
                                                                                                  22
         cujo mastro numa manobra relativamente ex-  o problema se esse ângulo variar em função da  que nele fizesse arreigada  o amante da boli-
                                                                                 23
         pedita podia ser deitado a bordo quando se  mareação, marcação e intensidade do vento.  na . Ambos os procedimentos mencionados
         navegava a remos, ou durante as batalhas, no  Dito de outra forma, à medida que o ângulo de  tinham por objectivo conseguir que o navio
         knorr este era fixo, não podendo, por isso, ser  adornamento aumenta, menos eficaz se torna a  pudesse navegar à vela, com o vento mais
                                                                                     24
         arriado. O que desde logo constituía um peri-  acção do leme, uma vez que este deixa de estar  escasso . De resto, as técnicas introduzidas
         go acrescido sempre que confrontados com o  na vertical. Além disso, nos navios vikings exis-  pelos Vikings, no que à afinação e optimi-
                                                                                              25
         mau tempo nas longas travessias para as ilhas  tia ainda uma dificuldade acrescida. Em virtude  zação da mareação  dizem respeito, foram
         Shetland, Faroe, Islândia, Gronelândia e Terra  de o leme se encontrar a estibordo, corria-se o  amplamente divulgadas aquando das suas
         Nova, uma vez que era o navio de transporte  risco de ultrapassado um determinado ângulo  incursões para o sul da Europa nos séculos X
         por excelência, de pessoas e bens. Por sua vez  de adornamento para bombordo, o leme dei-  e XI, e ainda são plenamente utilizadas nos
         os seus navios não dispunham de comparti-  xar, pura e simplesmente, de ter contacto com  nossos dias, beneficiando nós actualmente da
         mentos fechados que pudessem proporcionar  a água. No entanto, dadas as características  evolução tecnológica que garantiu a existên-
         qualquer tipo de abrigo.           Foto Luc Cuyvers (Bélgica)         cia de novos materiais.
           Como forma de acautelar os efeitos da in-                             A figura de proa, sobejamente identificada
         tempérie sobre navios e homens embarcados,                            em toda a iconografia relacionada com os na-
         encontrava-se estabelecido um calendário pro-                         vios vikings, e nos nossos dias símbolo maior de
         pício para as navegações, que privilegiava o pe-                      muitos veleiros, terá sido em primeira-mão uti-
         ríodo compreendido entre meados de Março                              lizada pelos navios egípcios. Foi durante muito
         e o mês de Outubro. Curiosamente, ou talvez                           tempo considerada, no seio de várias culturas,
         não, plenamente coincidente com a época em                            como uma forma particular de reconhecer vida
         que por excelência, um milénio mais tarde, os                         ao próprio navio, atribuindo-lhe, como se de
         veleiros bacalhoeiros portugueses iriam cum-                          um ser vivo se tratasse, autonomia e vontade
         prir a sua tradicional campanha de pesca do                           próprias, chegando inclusivamente a deter, no
         bacalhau, nalgumas das referidas paragens.                            quadro de contextos específicos, característi-
           O governo do navio era feito através de um                          cas sobrenaturais.
         remo colocado na alheta de estibordo. Cum-                              Do outro lado do mundo, exactamente nos
         pre registar que apesar de o efeito ser aparen-                       antípodas, teve início cerca de 3.500 a.C. a
         temente idêntico ao dos navios do Mediterrâ-                          longa, e ainda hoje não completamente com-
            14
         neo  nesta época, o leme viking possuía uma                           preendida, colonização das ilhas do Pacífico.
         particularidade inovadora. De facto, a existên-                       Este fenómeno migratório que se prolongou até
         cia de um movimento de rotação em torno da                            1.000 a.C. encontra-se devidamente compro-
         sua madre (eixo), facilitava a obtenção de uma                        vado, nomeadamente pela descoberta de inú-
                                  15
         resistência adicional da água na pá , o que o                         meros vestígios que incluem, entre outros ma-
                                16
         tornava desde logo mais eficaz . Um braço                              teriais, muitos artefactos de utilização comum,
         horizontal ligado ao topo do remo permitia o                          em barro. Resta acrescentar, no entanto, que
         governo, sem grande esforço, por parte do ma-                         este rasto perfeitamente delineado vai dimi-
         rinheiro do leme, exercendo-se através do seu                         nuindo em idade à medida que nos deslocamos
         movimento horizontal a rotação da pá mergu-                           para leste e para norte, através dos incontáveis
         lhada. Como facilmente se deduz, estamos a   Réplica de um navio viking navegando à vela, onde se   arquipélagos da Polinésia. O que veio corrobo-
         falar daquilo que actualmente designamos por   pode observar o leme descrito.  rar o suposto sentido da migração.

         24  SETEMBRO/OUTUBRO 2005 U REVISTA DA ARMADA
   309   310   311   312   313   314   315   316   317   318   319