Page 333 - Revista da Armada
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Esta Marinha sabe que o seu Comandante encontrará sempre a forma equi-
         librada de afirmar os interesses de cada um, sem esquecer, como lhe compe-  REFLECTINDO…
         te, a afirmação dos interesses institucionais. Como também sabe que o seu
         Comandante nunca se eximirá a expressar o seu conselho à tutela em maté-  A POLÍTICA, O GOVERNO E
         rias tão delicadas como as que estiveram e estarão em discussão, por inicia-
         tiva própria ou a pedido.                                          O ALMIRANTADO
           Esta Marinha, e principalmente toda a estrutura de comando, não tem dú-
         vidas de que o seu papel, num país com trinta anos de vida democrática, não   recondução ou substituição de um Chefe de Estado-
         é à frente de qualquer manifestação de rua mas, ao contrário, dando sinais   A
                                                                          -Maior pelo Governo repete-se com a regularidade dos
         claros de garantia do funcionamento pleno dos órgãos de soberania, livre-  acontecimentos de periodicidade estabelecida, mas
         mente eleitos.                                              não deixa por isso de ser vista com alguma expectativa.
           É claro que em qualquer organização há sempre quem seja mais avesso ao   A Marinha é uma Instituição secular, estruturante da Na-
         cumprimento das regras, mesmo que nela esteja por sua livre vontade. E hoje,   ção portuguesa. O Governo é um Órgão de Soberania, politi-
         felizmente, ninguém é obrigado a estar na Marinha. Tal pode suceder pelos   camente monocromático.
         mais variados motivos. Falta de experiência, juventude, mau aconselhamen-  A Marinha subsiste à mudança do Chefe, porque só ele
         to, deficiente enquadramento, errada leitura de procedimentos anteriores em   muda;  o novo Chefe dá continuidade à mesma Instituição. Diz
                                                   que a tolerância não   o ditado: os homens mudam, mas as instituições permanecem.
                                                  Foto Júlio Tito  terá sido bem enten-  -Ministro, para nascer outro, diferente, após uma nova no-
                                                                      O Governo muda totalmente com a saída do Primeiro-
                                                   dida, não excluindo,
                                                   por ser intolerável
                                                   qualquer ingenuida-  meação.
                                                                      As responsabilidades da Marinha, a sua imagem, os seus
                                                   de neste processo, a   valores e as suas missões mantêm-se basicamente inalteradas,
                                                   existência de interes-  independentemente da mudança da chefia.  As responsabilida-
                                                   ses furtivos, ou mes-  des, a imagem do Governo e os objectivos políticos alteram-se
                                                   mo uma vontade ex-  radicalmente, com a mudança da cor política dos Ministros.
                                                   pressa em minar por   Um Almirante imprime o seu cunho pessoal ao exercício do
                                                   dentro a instituição   seu comando e pode suceder ser demitido durante o seu man-
                                                   militar.          dato; mas a Instituição prevalece às circunstâncias da ocorrên-
                                                     Como sempre su-  cia.  Se o Primeiro-Ministro, por qualquer razão, é demitido, o
                                                   cede, quando algo   Governo não sobrevive à queda do seu líder.
                                                   não corre bem na   O Almirante não está agarrado ao poder, porque a sua per-
                                                   Marinha, a minha   manência no cargo não depende do brilho com que o desem-
                                                   primeira preocupa-  penha.  Sente-se responsável pela maneira como preserva a
                                                   ção não é ir à procura   imagem da Instituição, e vai fazendo o melhor, porque toda a
                                                   dos culpados. É tirar   sua vida profissional, perto de quarenta anos, foi dedicada a
                                                   lições do sucedido e   servir a Instituição que quer prestigiar.  Não comete atropelos
                                                   corrigir procedimen-  nem pratica a demagogia para continuar, porque sabe que há
                                                   tos futuros. As puni-  um limite temporal a partir do qual não continua, indepen-
                                                   ções nunca podem   dentemente da sua boa saúde, vitalidade ou competência.  E
                                                   ser um fim em si, mas   sabe também que vai entregar o testemunho a um camarada
                                                   apenas um meio de,   que, tal como ele, tem vivido a Instituição ao longo de déca-
                                                   com equilíbrio e pe-  das e igualmente a quererá dignificar.  O Almirante sai e con-
                                                   dagogia, se assinalar   tinuará a respeitar e a prestigiar a Instituição após a sua saída;
                                                   algo de grave que su-  não passa para a oposição.
                                                   cedeu, e que não se   O Primeiro-Ministro sabe que a sua responsabilidade ter-
                                                   deve repetir.     mina com o fim do seu desempenho, e do seu Governo, sem
                                                     É pois com enor-  que tal nada tenha a ver com a imagem do Governo seguinte.
         me orgulho que vos manifesto o apreço com que acompanhei o comporta-  Após a saída, passa a atacar o novo Governo, na oposição, e
         mento da Marinha durante o período, sem dúvida demasiado longo, em que   é na oposição que o tenta reconquistar.
         se mantiveram indefinições sobre as versões finais dos diplomas que preten-  Uma vez que lhes compete defender intransigentemente
         diam introduzir alterações de incidência estatutária e no apoio à saúde.  valores permanentes, vitais para a Nação, com qualquer e
           A vossa angústia, a vossa intranquilidade, as vossas dúvidas, a vossa apre-  com todos os Governos, os elementos das Forças Armadas
         ensão, foram também as minhas.                              não podem ter, por lei, filiação partidária.
           O vosso comportamento, apesar de toda a envolvente, sempre sereno,   A diferença entre a estabilidade da Instituição Militar e a
         equilibrado, adulto, foi o de um militar de corpo inteiro.  sucessão instável dos Governos é enorme. Mas, ao partida-
                                                                     rizar demasiado as escolhas e as nomeações das Chefias das
           Marinheiros,                                              Forças Armadas, os políticos estão a olhar para estas chefias
           Por vezes o futuro não parece risonho. Olhamos para o lado e só vemos   com os óculos da sua cor política, procurando neles alguma
         descrença. Mas está nas nossas mãos que ele seja diferente, melhor. Somos   afinidade com o seu ideário político.  Deixaram mesmo de
         nós, e não os outros, que construímos o nosso futuro. Conhecendo a Marinha   querer fazer a sua escolha entre aqueles que a Instituição en-
         como conheço, e sabendo do que são capazes estes homens e mulheres, não   tende que melhor a poderão servir.
         tenho qualquer dúvida que as dificuldades serão ultrapassadas e todos, jovens   No entanto, embora a Instituição Militar defenda interesses
         e menos jovens, com ESPERANÇA, DETERMINAÇÃO e CONFIANÇA, saberão   nacionais mais duradouros do que os objectivos políticos dos
         ajudar a construir a Marinha que o País aprovou, a Marinha que o País mos-  Governos, as Chefias Militares sabem que é sempre seu de-
         trou querer, a Marinha do Séc. XXI. Competente, moderna, eficiente, sempre   ver servir a Nação e respeitar a finalidade da Instituição, na
         pronta e apenas com um objectivo – servir melhor Portugal.  completa subordinação ao poder político.
           Por tudo quanto vos disse, foi, continua a ser e será sempre um orgulho,                            Z
         comandar esta Marinha.                                                               António Emílio Sacchetti
                                                                 Z                                          VALM
                                                                                     REVISTA DA ARMADA U NOVEMBRO 2005  7
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