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A MARINHA DE D. JOÃO III (22)
Tomé de Sousa, o 1º Governador-Geral
Tomé de Sousa, o 1º Governador-Geral
ma das capitanias do norte do Brasil território com parcos meios humanos e ma- cia de Santa Cruz. Nomeou um governador
foi dada a João de Barros, o autor das teriais, há que juntar a pressão constante dos geral, com um regimento próprio, e criou
UDécadas da Ásia, que a ela se refere franceses. Sobre o assunto, é interessante ler as uma estrutura mista de poder, onde eram
nestes termos: “por eu ter hυa destas capi- palavras de Luís Góis, escritas em 1548, numa mantidos a maioria dos direitos dos capi-
tanias me tem custado muyta substancia de carta dirigida ao rei. Diz, a certa altura, “que tães donatários, mas onde entrava a mão da
fazenda, por razão de hυa armada que, em se com tempo e brevidade Vossa Alteza não administração régia, presente sob a forma
parceria de Aires da Cunha e Fernão Álvares socorre a estas capitanias e costa do Brasil [...] de oficiais e instituições inerentes ao apa-
de Andrade [...] todos fizemos para aquelas Vossa Alteza perderá a terra, e que visto perca relho de estado, e corporizada pela figura
partes”. É visível a mágoa do cro- do governador, representante do
nista, feitor das Casas da Guiné próprio soberano.
e da Índia, pelo prejuízo que lhe A figura escolhida para o car-
causara um empreendimento à go foi Tomé de Sousa, cavaleiro
partida tão promissor. Sabemos da casa de D. João III e primo de
que esta armada, financiada por D. António de Ataíde, com vasto
três dos capitães donatários do curriculum de bons serviços no
norte do Brasil, partiu a 1535, co- Norte de África ao ponto de ter
mandada pelo próprio Aires da merecido especiais mercês régias,
Cunha, transportando cerca de 900 por diversas vezes. Para o exercí-
homens, com “cento e treze de ca- cio das funções foi elaborado um
valo”, todos pagos a expensas dos regimento próprio, determinan-
respectivos interessados. Na via- do que se estabeleça na cidade da
gem do Cabo de Santo Agostinho Baía, onde deverá mandar fazer
para o norte, foram acossados por uma “fortaleza e povoação gran-
um temporal que levou ao naufrá- de e forte”. Esta opção tem várias
gio e à morte do Capitão-Mor, se- razões que, antes do mais, se pren-
guindo os restantes até à ilha da dem com o estado de abandono
Trindade, onde ficaram cerca de em que se encontrava a capitania
três anos, na esperança de nova de Francisco Pereira Coutinho,
fortuna. Os dois filhos de João de recentemente falecido e sem her-
Barros, que nela tinham embarca- deiros no Brasil. Mas deve juntar-
do, acabaram por voltar ao Brasil -se-lhe a excelente localização geo-
mais de uma década depois, e a gráfica, que a historiografia de
expedição saldou-se pela perda referência, define apenas como
de mais de setecentos homens e sendo central, mas que tem de ser
quase toda a fazenda. entendida noutra perspectiva e no
A sorte desta armada, que en- contexto das comunicações marí-
volvia um avantajado projecto timas da época. A partir dali, pode
financeiro de colonização, com a navegar-se para sul, até aos limi-
emigração de muita gente e com tes da capitania de S. Vicente, sem
um efectivo desejo de estabeleci- grandes problemas, havendo ape-
mento nas novas terras, mostra Baía de Todos os Santos. nas pequenos períodos desfavorá-
bem das dificuldades que se ofere- Biblioteca da Ajuda – Manuscrito atribuído a Luís Teixeira. veis. A navegação para o norte é,
ciam ao sistema preconizado por D. João III, pouco, aventura a perder muito, porque não contudo, mais complicada, mas escolhendo
que tivera um porfiado mentor na figura do está em mais de serem os franceses senhores a época adequada (curta) é possível contar
seu secretário, D. António de Ataíde, 1º Con- dela [...] e de ter eles um pé no Brasil hei medo com ventos favoráveis e beneficiar de uma
de da Castanheira. É verdade que nem todas adonde quererão e podem ter o outro”. E re- revessa da corrente equatorial do sul que
as capitanias tiveram a sorte das três mais a mata, já no final da carta: “queira Deus não se corre na direcção norte, junto à costa. São es-
norte, mas foram singulares os casos de su- atrevam a dobrar o Cabo da Boa Esperança”. tas características que permitem classificá-la
cesso. Talvez que um dos mais significativos Alertando para um problema crucial, pouco como central, e não a possível equidistância
tenha sido o de Duarte Coelho em Pernam- notado pelo discurso historiográfico corrente: dos extremos norte e sul.
buco, onde foi fundada a «Nova Lusitânia», a presença estrangeira na terra do Brasil po- Tomé de Sousa chegou à Baía a 29 de
denominação dada pelo próprio capitão do- deria retirar a Portugal o domínio da rota do Março de 1549, decidindo deslocar o núcleo
natário, que demonstra o vigor e o empenho Cabo, com todas as consequências que isso central da cidade um pouco mais para nor-
que colocou no empreendimento. Pernam- implicaria para Portugal. te, num ponto mais favorável que mandou
buco rapidamente se tornou uma região de Luís Góis era um homem experiente fortificar, e a que deu o nome de cidade de
grande produção açucareira, com uma fa- dos assuntos brasileiros onde andava há Salvador. A 1 de Novembro, estava pronta
cilidade de exportação superior a qualquer alguns anos e onde seu filho era donatá- a câmara e a igreja matriz, e teve lugar o ce-
outra região do sul, dadas as características rio da capitania de São Tomé (Paraíba do rimonial da tomada de posse do 1º gover-
meteorológicas do Atlântico. Sul). E, embora o rei não faça referência di- nador geral do Brasil.
Insisto, no entanto, na singularidade deste recta à carta deste seu diligente vassalo, a Z
caso de sucesso, acrescentando que, às dificul- verdade é que, quase de imediato, decidiu J. Semedo de Matos
dades próprias da colonização de um imenso alterar o regime administrativo da Provín- CFR FZ
REVISTA DA ARMADA U ABRIL 2007 17