Page 167 - Revista da Armada
P. 167
maior acerto, inteligência rido pelo Museu de Marinha. Durante os
Carta Régia de 6 de Junho de 1800 ao Marquês de Nisa
e actividade, e ao desvelo oito meses em que desempenhou as suas
com que todos os portu- funções naquele país, devido ao seu tacto
O Príncipe Regente NS por efeito da Real Grandeza com que costuma honrar
as pessoas, que se empregam dignamente no seu Real serviço, houve por bem gueses sempre procura- político, franqueza e fidalguia, conseguiu
expressar em uma Carta Régia dirigida na data de 6 de Junho ao Excelentíssi- ram seguir o exemplo do granjear uma enorme simpatia do impera-
mo Marquês de Nisa, que tinha comandado a Sua Real Esquadra no Mediter- seu chefe. dor e deixou uma viva amizade da Rússia
râneo, que desejando-lhe dar novas provas do quanto lhe tinham sido agra- Em finais de 1800 o por Portugal.
dáveis os distintos serviços, que fizera na esquadra do Mediterrâneo e muito Marquês de Nisa é no- Faleceu em Konigsberg em 30 de Junho
particularmente no bloqueio de Malta, que tinha sido feito com todo o vigor, e meado embaixador extra- de 1802, com um ataque de varíola, na via-
na conclusão das pazes com as Regências de Tripoli e Tunis, para que o mesmo ordinário da corte portu- gem de regresso a Lisboa. Não tinha ainda
Marquês concorrera, expedindo àquelas Potências destacamentos, e oficiais da guesa junto do Imperador completado os 37 anos...
esquadra que comandava; fora servido mandar-lhe expedir a dita Carta Régia,
para que lhe servisse de monumento e de testemunho público, e contasse este da Rússia, para ali se ten- Z
do dirigido por via marí- J. A. Rodrigues Pereira
Real agradecimento com que o queria honrar, aprovando tudo o que ele prati-
cara no mesmo comando, e declarando que reservava promovê-lo nos postos tima, com escala em Lon- CMG
da Sua Marinha Real, logo que as circunstâncias o permitissem. dres, onde foi pintado o Adaptado de “Campanhas Navais de 1793 – 1807.
seu retrato agora adqui- A Marinha Portuguesa na época de Napoleão”.
O Vocabulário Marítimo Português
O Vocabulário Marítimo Português
e o Problema dos Mediterraneísmos
e o Problema dos Mediterraneísmos
A
reedição da minha tese O Vocabulário Marítimo Português e o dição de vida da classe piscatória tem de melhorar, de evoluir, as práticas
Problema dos Mediterraneísmos em Maio de 2006, depois de ter de pesca têm de se modernizar, as condições de segurança de se reforçar
esgotado a 1ª edição, publicada na Revista Portuguesa de Filolo-
e para isso são necessários os vários portos de abrigo que têm vindo a ser
gia, Coimbra, com separata de 1975, reacendeu em mim o gosto pelas construídos ao longo do país, na última década. Mas lá que a beleza co-
pesquisas de campo no litoral. As primeiras investigações, fonte deste lorida dos areais, a vivacidade e a algazarra das lotas na praia, o alar e o
trabalho, tiveram lugar na década de 60 e tive a sorte, apesar das embar- varar tradicionais no areal se foi perdendo, isso é uma verdade.
cações tradicionais já desaparecidas, de ainda A substituição de embarcações de madeira
registar e ter conhecido outras que são completa- por outras de fibra de vidro, mantendo as pri-
mente desconhecidas ou de que existe apenas um meiras válidas sob o ponto de vista cultural, é
belo exemplar no Museu de Marinha de Lisboa: extremamente difícil, porque a sua substituição
caso da barca da arte xávega São João Baptista e legal actualmente exige o abate da primeira por
do calão com cornicho Alcindo Pereira, ambos destruição do exemplar em questão. Algumas
algarvios, e do barco do mar de quatro remos da associações de defesa do património lutam com
costa Norte, da bateira do mar Carlitos, da barca esse problema. O que nos resta fazer perante
da Nazaré Maria Eulália, do saveiro da Caparica este panorama?
e da bateira de Buarcos, entre outros. Devemos voltar a construir essas embarcações
Como já em 1985, após 20 anos dos primeiros recuperando os modelos, as formas, e as técnicas
trabalhos “in situ”, havia dado uma volta informal de construção naval, isto é, as tais réplicas nave-
pelo litoral, colhendo imagens e entabulando gantes, como os casos da gamela de Carreço, da
conversas dirigidas com os pescadores, não seria catraia de Esposende, da lancha poveira do alto
má ideia pôr pés ao caminho para ver, “claramen- da Póvoa de Varzim, de algumas embarcações
te visto”, o ocaso das embarcações tradicionais. do rio Tejo, recuperadas por Câmaras ribeirinhas
São intervenções que distam umas das outras 20 e do caíque de Olhão recuperado pela Câmara
anos e permitem tirar algumas conclusões. Se nos Municipal de Olhão, em 2002?
anos 60 e 80, era o crepúsculo das embarcações Devemos musealizá-las, como o caso do Mu-
tradicionais, na douta opinião de Octávio Lixa seu Marítimo de Ílhavo com as embarcações da
Filgueiras, agora é um ocaso bem escuro e senti Ria e do Museu de Marinha de Lisboa, para citar
que o que havia a fazer era percorrer incessantemente o litoral para re- dois dos casos que me são mais familiares?
colher um ou outro exemplar, quase todos embarcações miúdas, foto- Devemos utilizá-las como elementos decorativos em rotundas ou cen-
grafá-las (é o mínimo que se pode fazer), descrevê-las, medi-las, para que tros comerciais? Ou simplesmente, devemos estudá-las e divulgá-las?
a sua memória perdure e haja elementos para se reconstituírem, se para Presentemente, nesta perspectiva, ainda só consegui revisitar a zona
tal houver interesse. Sobretudo, divulgá-las. Num quotidiano em que as marítima ocidental, de Norte para Sul que vai da Aguda à Praia de Vieira,
comunidades cada vez mais voltam as costas ao mar, a cultura marítima a costa desde a Caparica a Fonte da Telha e o Algarve na sua totalidade,
corre o risco de se perder. de Vila Real de Santo António a Sagres e ainda Carrapateira e Arrifana,
As pequenas embarcações de madeira, já nos anos 80 com popas na costa vicentina.
cortadas para a aplicação de motores fora de borda, ainda reflectiam os Já é uma boa fatia do nosso litoral, que tenciono retomar logo que
materiais de construção autóctone, como as madeiras de pinheiro, de as condições atmosféricas o permitam, para poder constatar o que na
carvalho, de castanheiro e outras, a estopa do calafate, o ferro para re- rea lidade se passa.
forços, o arame para armadilhas de pesca, o sisal para cabos, a cortiça As embarcações tradicionais portuguesas sempre me apaixonaram e
para bóias, a lona para velas, etc. tinha imenso gosto em comparar os anos 1960, 80 e a primeira década
Hoje, materiais modernos como o plástico, a esferovite, o nylon, o aço do séc. XXI, depois de já ter levado a cabo um confronto inicial com as
inoxidável, o contraplacado marítimo e a fibra de vidro, para além da mo- existências registadas por Baldaque da Silva na magnífica obra Estado
torização sistemática, em detrimento dos remos e da vela, são a realidade Actual das Pescas em Portugal, publicada em 1891.
com que deparamos e que temos de aceitar, quer gostemos, quer não. Ílhavo, 5 de Fevereiro de 2007 Z
De maneira alguma somos contra a evolução e o progresso, pois a con- Dr.ª Ana Maria Lopes
REVISTA DA ARMADA U MAIO 2007 21