Page 163 - Revista da Armada
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CSR - Ah! Isso foi ontem, no Torneio de Vela da de recordarão a viagem de maneira diferente. etc. que tragam contrapartidas. E sempre o trei-
Marinha. Foi onde eu parti o dedo. (Risos). RA - As pessoas que embarcaram no «Creoula» no da guarnição.
RA - Daí essa ligadura! (mais risos) Com o Ofi- voltam a aparecer? RA - E a rotação das guarnições?
cial Imediato, conta já quatro oficiais velejadores. CSR - Nem de propósito! Ainda bem que falou CSR - É igual à dos outros navios. Quando assu-
Nada mau! nisso. No sábado, temos um jantar no Cadaval mi o comando quase metade da guarnição foi ren-
CSR - Neste navio não temos como objectivo com uma instituição que embarcou no navio. Te- dida. Permanecem dois anos mas, normalmente,
as regatas. Não é preciso nenhum curso superior mos muitos contactos. metem um requerimento para mais um ano pois
de vela. Convirá experimentar as manobras com RA - E em termos de ingressos na Escola temos um planeamento muito certinho que não
bom tempo para estimar o comportamento com Naval? tem nada a ver com a tensão dos navios de guer-
mau tempo. Mas também treinamos muito a Limi- CSR - Embora não seja a nossa missão, há dois ra que têm de estar prontos para o que der e vier,
tação de Avarias e a Segurança a Bordo, muito ou três casos conhecidos, mas não temos nenhu- e, claro, a compensação monetária decorrente do
importante, e por vezes em detrimento do treino ma estatística. Talvez por ser o comandante, come- suplemento de embarque…
da Manobra de Vela. ço a encontrar muita gente que me diz: «Sabe? O RA - Ah! O antigo subsídio de embarque?
Este ano tentaremos corrigir isso até porque meu filho esteve embarcado no «Creoula»!». CSR - Isso! Mudou de nome.
vamos para o Mediterrâneo e ali, só com muita RA - O meu! (risos) RA - Não queria terminar sem perguntar
sorte é que se não apanha um golpe de vento. CSR - Está a ver! A mensagem do mar a pas- pelo belo bicho com que me cruzei no convés.
O Atlântico é mais previsível. Além do mais, so- sar às populações é um trabalho que se não vê Num navio e então num veleiro, faz sempre fal-
mos o único navio da Marinha de Guerra que Foto CTEN António Gonçalves ta um cão a ladrar à borda. Que cão é e como
embarca pessoal não qualificado, que enjoa, se chama?
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que não sabe avaliar o perigo, nem como rea- CSR - É a “Giba”. O «Creoula» teve um cão
gir em situações inesperadas. É preciso ter uma de água português, a “Espuma”, durante 14 anos.
atenção redobrada. É muito tempo e criou uma tradição e, por isso,
RA - Já tiveram acidentes? eu, através da secção dos cães de guerra dos Fu-
CSR - Felizmente nunca… zileiros, obtive o contacto de um criador, onde fui
RA - O Mediterrâneo é de facto mais im- buscar a “Giba” com dois meses e meio de idade
previsto... e trouxe-a logo para o navio.
CSR - Vamos aí participar na Regata promovida RA - Com um nome tão marinheirão, como
pela Sail Training International de modo a tornar se adaptou?
mais económica a operação pois muitos dos cus- CSR - Embora a minha mulher seja veterinária,
tos, mormente os portuários, são pagos pela orga- eu confesso que tinha algum receio... uma cadela
nização. Importava manter o navio a navegar e tão pequena, vinda directamente da mãe para o
por outro lado há já muito tempo que não íamos navio… mas adaptou-se muito bem.
ao Mediterrâneo. RA - Também um cão de água português?
RA - Onde, do século XV ao XIX, estivemos CSR - Mais do que isso! Só no dia em que a fui
muito activos. Ao largo do cabo grego de Mata- buscar é que soube que um dos irmãos dela, mais
pão, em 1717, a nossa Armada, com navios de li- velho três anos, é o cão de água mais premiado
nha, os mais poderosos naquele tempo, derrotou, do Mundo. Assim a “Giba” é toda fina, mas esta
no que foi a nossa última grande batalha naval, a raça e a “Giba”, em particular, têm um tempe-
ameaçadora esquadra turca. Hoje, a Turquia cons- ramento verdadeiramente espectacular, pois ela
trói as suas próprias Meko. Enfim… consegue manter a sua personalidade, embora
Já sabe que portos vão tocar? seja mimada por muita gente. Imagine o que são
CSR - De Lisboa vamos para Cádis, depois 50 pessoas, muitos deles miúdos, a embarcar se-
seguimos para Alicante e em princípio (função manalmente e a fazerem-lhe festas.
do espaço), iremos a Valência onde se disputa a dum ano para o outro, mas que começa a dar RA - Recordamos o «Madeira», de duvidosa
America’s Cup, um ponto alto, mas também por os seus frutos linhagem mas muito acarinhado…
outra razão; estarão lá o «Sebastião del Cano» e o RA - Chegam a aprender alguma coisa da Arte CSR - E essa é a principal razão da existência
«Américo Vespúcio» e convinha que Portugal es- de Marinheiro? de um cão a bordo, os laços que ele cria com os
tivesse aí bem representado. CSR - Sim, mas aprendem sobretudo a respon- instruendos, principalmente quando estes são mais
Depois voltamos a Alicante e, já com uma se- sabilidade de um cargo e nós não somos laxis- jovens e estão mais em baixo, enjoados ou com
gunda instituição a bordo, iniciamos a regata até tas, obrigamo-los a participar e eles gostam des- saudades de casa.
Barcelona. Uma terceira instituição acompanhar- sa disciplina, passam a ter referências e acabam Só tem um senão, embora não enjoe de barco,
nos-á a Toulon e Génova onde termina a compe- por aprender, uns mais interessados que outros, a de carro, quando a levo para minha casa ou para
tição. Regressamos a Barcelona onde troca com Nomencla tura, a Navegação, enfim, mantemo-los algum tratamento, é uma desgraça…
a UIM e vamos à Córsega e Palma de Maiorca, ocupados. Somos um pouco animadores à seme- RA - Mas (entre risos) isso é a prova provada
onde há nova troca de grupo, e a finalizar, Tânger, lhança dos que vêm com algumas instituições. de que o «Creoula» é um genuíno Navio de Trei-
Portimão e Lisboa. RA - E em terra? Organizam passeios? no de Mar.
RA - Como é feita a rotação dos Grupos? CSR – Compete à instituição que embarca, fazer Comandante, fica-nos a grata convicção do en-
CSR - De autocarro e agora também de avião o trabalho de casa e preparar a estadia em terra o tusiasmo posto pela sua guarnição a cada embar-
utilizando as low cost. Vamos frequentemente a melhor possível. Como nem sempre resulta, temos que já que mostrar-se marinheiro em terra não é a
Cádis, a Tânger, a Casablanca e muito a Ceuta, sempre algo planeado e estamos a melhorar. Em mesma coisa que sê-lo lá onde o Leão ruge, indi-
embora no ano passado não tenhamos lá ido. Cádis, onde já temos amigos, organizamos sempre ferente ao padecer dos humanos. Que o «Creou-
RA - Fala por si a profusão de portuguesíssi- uma visita ao Observatório Meteorológico. la», na esteira dos humildes mas heróicos homens
mas crestas evocativas de Ceuta que decoram Temos, no entanto, regras que impomos e que do bacalhau, continue a singrar com o crescente
este recanto da câmara de oficiais. Quanto tem- verificamos; os menores têm de regressar até uma sucesso que nas mãos da Briosa tem alcançado.
po vão estar fora? hora predeterminada, não podem andar sozi- Bem hajam todos os que para isso têm sacrifica-
CSR - Primeiro, um mês e meio nos Açores, de- nhos, têm de avisar se não vierem jantar… do um pouco de si e dos …seus.
pois, dois meses e meio no Mediterrâneo e final- RA - Muitíssimo bem! Quando, como agora, Z
mente seis semanas em viagens mais caseiras. Não estão parados em que estão ocupados? Dr. Rui Manuel Ramalho Ortigão Neves
temos férias, enfim, terá as suas compensações CSR - No Inverno, a manutenção do navio 1TEN
mas sinto que é duro para a guarnição pois são as mas estamos abertos a actividades culturais, Nota
férias dos filhos e das mulheres. Creio que mais tar- como o lançamento de livros, de colecções, 1 Giba-Vela de proa situada mais a vante.
REVISTA DA ARMADA U MAIO 2007 17