Page 311 - Revista da Armada
P. 311

operar criou nas colónias uma tradição de   Os 189 Estados membros da Assembleia  mento de África, a Europa dificilmente conse-
         concentração hegemónica de poder consue-  Geral das Nações Unidas adoptaram, em  guirá controlar a imigração ilegal africana. É
         tudinário, quase absoluto, dos chefes locais  2000, a Declaração do Milénio. Os “Ob-  preciso criar as condições económicas e cul-
         de aldeia ou dos regentes tribais (régulos). A  jectivos do Milénio” visam evitar conflitos e  turais que permitam reter em África o grosso
         criação de pluralismo na organização políti-  promover a boa governação e prosperidade  das respectivas populações. É preciso criar
         ca e na discussão ideológica é assim um dos  económico-social. Em termos práticos não  no espírito dos africanos um sentimento de
         grandes desafios de África.         devemos esperar muito, já que vivemos numa  pertença a um país e não a uma tribo. O pro-
           Criar um clima de segurança e de liberda-  época de competição e não de colaboração.  blema é assim muito profundo e só se resolve
         de de movimento é outra grande ambição.  No terreno não estamos a percepcionar mo-  com a criação de riqueza e progresso, justi-
         Em África dão-se os maiores conflitos e é lá  vimentos solidários mas sim movimentações  ça e bem-estar, que chegue a todos. É preci-
         que se verificam os morticínios mais devas-  estratégicas de grandes multinacionais que  so perceber que de pouco ou nada vale con-
         tadores. Os conflitos religiosos e étnicos são,  usam o poder político para lhes assegurar  tinuar a fornecer ajudas financeiras sem que
         em geral, comuns por toda a África. A região  facilidades de penetração e até mesmo pro-  isso contribua activamente para o objectivo.
         do norte de África é dominada pela religião  tecção.                  O progresso e a riqueza têm necessariamen-
         muçulmana. A área do Golfo da Guiné é                                 te de ter origem em investimentos estrangei-
         uma zona de profusão de religiões, encontra- OPORTUNIDADES EM ÁFRICA   ros, mas directamente controlados e geridos.
         mos lá três grupos religiosos: muçulmanos,                            O papel dos governos, dos organismos e ins-
         cristãos e crenças indígenas. A África Austral   Vejamos agora pela vertente das oportu-  tituições internacionais, deverá ser assegurar
         tem uma maior expressão de cristãos.  nidades. África é um continente de enorme  condições políticas e de segurança para que
           É na Nigéria e na Costa do Marfim que é  potencial, nomeadamente em termos de  os empresários investidores possam correr ris-
         mais visível a instabilida-                                                         cos aceitáveis.
         de resultante de conflitos                                                             A corrupção administra-
         religiosos, que, por vezes,                                                         tiva, as dificuldades colo-
         é confundida com moti-                                                              cadas ao nível político, os
         vações étnicas. O norte                                                             baixos índices do consu-
         da Nigéria é muçulmano,                                                             mo autóctone, as dificul-
         o sul é cristão-animista                                                            dades de repatriamento
         e, pelo meio, aparecem                                                              de lucros constituem as
         sinais da presença de or-                                                           grandes barreiras ao in-
         ganizações radicais de                                                              vestimento, ou melhor, à
         inspiração islâmica.                                                                atractividade do investi-
           O extremismo religio-                                                             mento em África. Há si-
         so é um fenómeno em                                                                 nais de que estas dificul-
         crescimento e resulta do                                                            dades estão a atenuar-se
         aumento da instabilidade                                                            dando lugar a uma polí-
         social nos países do Golfo                                                          tica deliberada de capta-
         da Guiné. Alguns grupos                                                             ção de investimento es-
         radicais estão a capitalizar                                                        trangeiro. Bom exemplo
         o descontentamento exis-                                                            desta nova aproximação
         tente para difundir as suas                                                         é o que se passa em An-
         teses radicais e extremis-                                                          gola e em Moçambique.
         tas no tocante ao islão. A                                                          Nesta perspectiva, África
         este fenómeno associa -se   Navio patrulha “Tainha” de Cabo Verde a rebocar a embarcação “Accra” repleta de imigrantes.   tem um potencial imen-
                               A imigração clandestina é um dos maiores desafios da Europa.
         ainda um crescente nú-                                                              surável de oportunidades,
         mero de ataques de pirataria e raptos.  matérias-primas, porque os europeus saíram  pois quase tudo nela ainda está por fazer e o
           O combate ao tráfico de droga que chega  do continente pouco tempo depois de terem  que ficou da herança colonial foi entretanto
         pela via marítima é mais uma das grandes  começado a olhar para as suas potenciali-  destruído ou degradado.
         preocupações da Europa. Nos últimos anos  dades. Saíram quando estavam ainda longe   Olhar para África como mercado de con-
         as rotas da cocaína e da heroína começaram  de retirar pleno proveito dos investimentos  sumo de produtos acabados é também uma
         a traçar-se do norte do Brasil e das Caraíbas  pioneiros que aí tinham começado a realizar.  perspectiva que se deve colocar e com enor-
         para o Norte de África. A carga é transferida  Em resultado disso, muitas jazidas minerais  me potencial de crescimento. Se tomarmos
         ao largo de Cabo Verde para embarcações  estão intactas ou possuem ainda vastos filões  como padrão o que se tem passado em zonas
         que a transportam depois para o bojo de Áfri-  por explorar, os solos agrícolas continuam  do globo subdesenvolvidas, onde se tem as-
         ca, para países que permitem o seu encami-  a possuir taxas de fertilidade altíssimas e as  segurado a segurança e o desenvolvimento,
         nhamento, sem controlos, até à Europa.  potencialidades turísticas permanecem mais  então podemos pensar que este crescimento
           África ainda é um continente relativamen-  ou menos virgens. Além disso, a proximida-  pode vir a ser superior ao dos países indus-
         te pouco povoado, mas, se não se conseguir  de entre matérias-primas e a mão-de-obra a  trializados. Pode-se mesmo esperar que o
         controlar a natalidade, com a ajuda das mo-  custo irrisório, representa um potencial pro-  estado da arte actual permita poupar etapas
         dernas técnicas sanitárias, corre-se o risco de  pício a variadíssimos tipos de empreendi-  de desenvolvimento em África, assegurando
         ver crescer assustadoramente as populações  mentos industriais.       assim uma recuperação acelerada. Obvia-
         sem que haja o correspondente crescimento   As pressões actuais sobre o ambiente (que  mente que para esta operacionalização são
         económico. Neste cenário, muito preocupan-  está a levar, por exemplo, à extinção dos go-  fundamentais técnicos habilitados. Técnicos
         te para a Europa, podemos antever que o ren-  rilas), os grandes fluxos migratórios, o tráfego  estes que podem ser exportados da Europa
         dimento per capita declinaria ainda mais os  de droga, a insegurança no transporte maríti-  para África. É assim possível, pelo menos de
         padrões de vida já precários. As pressões so-  mo, obrigarão o mundo civilizado a agir em  um ponto de vista teórico, alterar radical-
         ciais e económicas daí resultantes detonariam  prol da África. Para já, a Europa ainda está só  mente África em 2 ou 3 décadas. É inevitável
         um impulso ainda mais forte para a emigração  a intervir passivamente procurando levar a sua  que depois de se entrar na curva exponen-
         em massa, algo que terá a seu favor meios de  fronteira para o mar, através das missões da  cial positiva apareçam inúmeros investidores
         transporte cada vez mais fáceis.   agência FRONTEX. Mas, sem o desenvolvi-  interessados nos mais diversos projectos. O
                                                                              REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2008  21
   306   307   308   309   310   311   312   313   314   315   316