Page 315 - Revista da Armada
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ções na Fábrica de Cordoaria, cujo edifício cados, por portugueses, no século XVIII. E, agulha, que muito semelhante à agora
ainda existe na Junqueira e, aí, também muito recentemente, Alexis Passechniko ff adqui rida e que gostaríamos que viesse en-
se limitou a reparar instrumentos náu- deu-nos a notícia da existência em Portu- riquecer o nosso Museu de Marinha.
ticos. Fez de facto, alguns instrumentos, gal, nas mãos dum privado, de uma bela Fazendo o cômputo, podemos afirmar
não náuticos e, aliás, de boa qualida- que no século XVIII, tivemos pelo me-
de mas em proveito próprio. O leitor nos os seguintes portugueses que fabri-
vai, em breve, entender, qual a razão caram as agulhas que se indicam a se-
que nos levou a destacar a figura de guir aos nomes de cada um deles:
Jacob Haas. - Dionísio Teixeira, 1760, fragata Ni-
*** teroi, Rio de Janeiro;
Recentemente, por iniciativa do Di- - João Manuel Alz [Alvares?] de Melo,
rector do Museu de Marinha, foi adqui- 1800, Museu de Marinha, Lisboa
rida uma agulha de marear num leilão - Joaquim de Sousa Picão, s/data,
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em Londres . Trata-se de uma agulha Barra Light House, Baía, Brasil;
metida numa caixa de mogno, tendo - José da Costa Miranda, o tal que,
uma rosa belamente decorada onde se em 1706, era o único sujeito que, no Rei-
lê : Manoel Ferreira Portugal a fés em Lis- no, sabia fazer cartas de marear e mais
boa no Anno de 1755. A agulha possui instrumentos para a navegação, apare-
um dispositivo engenioso que permite ce com uma agulha fabricada em 1711,
a sua utilização como agulha de marcar. Museu Ciência Whipple, Cambridge;
Para o efeito, a agulha dispõe, na caixa - José Teixeira, Pernanbuco, 1773, co-
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que a contém, de um dispositivo consti- lecção particular
tuído por duas janelas em faces opostas. - Lourenço Luiz (Porto), s/data, Mu-
Através delas, o observador consegue seu Marítimo, Ericeira
fazer uma marcação (por exemplo, de - Luís José, 1790, Museu de Mari-
um ponto em terra ou do pôr do Sol), nha, Lisboa
lendo o seu valor num pequeno rebor- - Manuel Ferreira, 1744,Museu Ma-
do da rosa, perpendicular a esta, por rítimo, Paris; 1755 (Museu de Mari-
onde se prolonga a sua escala gradua- nha, Lisboa); 1780 ( Museu Marítimo,
da. Admitimos que este dispositivo seja Greenwich)
de concepção portuguesa. - Manuel Ferreira Portugal , 1779,
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É curioso notar que no verso da rosa, Liceu Literário Português, Rio de Ja-
belamente decorada, estão escritos à neiro.
mão os seguintes dizeres: J. B. Haas. E, ainda, sem nome de fabicante e
Lxª. Em 6 de Novbr. de 1821=23 seguido, sem data, os seguintes exemplares,
provavelmente, da rubrica de Haas e, muito provavelmente de origem portu-
ainda, 9 de Dezembro de 1825, o que que- guesa: Museu Nacional do Rio de Janei-
rerá dizer que a agulha, de que estamos ro, Museu da Ciência, Lisboa e Museu
a falar, esteve, nas datas referidas ou Marítimo de Rostock, Alemanha.
entre elas, na oficina do mestre Jacob
Haas, que apresentámos ao leitor no Em face do exposto e, como sabemos
início deste nosso texto que, no nosso país, não há nem o gosto
A aquisição deste instrumento dá nem a tradição de guardar o patrimó-
para fazer um exercício de reflexão e nio histórico, podemos assegurar que,
para nos apercebermos que a investi- considerando a amostra acima apresen-
gação histórica, neste caso da História tada, devia ter havido, no século XVIII,
da Ciência, é um processo que tem as um número muito mais alargado de fa-
suas vicissitudes. bricantes de agulhas de marear, do que
De facto, deduzimos, a partir de duas aquelas que acabamos de destacar.
notícias, uma de 1676 outra de 1706, Z
que a produção de instrumentos tinha A. Estácio dos Reis
diminuído drasticamente, assim se CMG
mantendo durante o século XVIII e que Fotos: Rui Salta
este motivo tinha levado D. Rodrigo de Notas
Sousa Coutinho a criar a Sociedade Real 1 “Apontamentos sobre o uso de instrumentos
Marítima. Se a avaliação está certa para náuticos em Portugal”, in Anais do Clube Militar
os instrumentos de dupla reflexão e cro- Naval, vol. CXVII, Out.-Dez.1987, pp.609-632.
2 Todavia, no que respeita a oitantes ou sextan-
nómetros, dado que os primeiros rara- tes, há exemplos do seu fabrico em Portugal, mas
mente se fizeram e os segundos nunca que são sempre casos raros.
se fizeram no nosso país, o mesmo, ao 3 Ver do autor Gaspar José Marques e a Máquina
que parece, não aconteceu com agulhas a Vapor, sua introdução em Portugal e no Brasil. Lis-
de marear. boa, Edições Culturais da Marinha, 2006
Ver do autor Uma oficina de instrumentos de
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De facto, o Comte Malhão Pereira en- matemática e náuticos (1800-1865), Lisboa, Acade-
controu 9 agulhas semelhantes à que foi mia de Marinha 1991
agora adquirida, estando algumas delas 5 É curioso notar que esta agulha esteve num
não assinadas ou não datadas. Quanto a Salão de Antiguidades, realizado em Lisboa, no
ano de 1964, conforme nos revela o Comte. Couto
nós fomos também recolhendo alguma Soares, que adquiriu o catálogo há alguns anos.
informação, o que nos levou ao conheci- 6 Dimensões da caixa: 36.5 x 36.5 x 23.5 cm
mento de mais alguns exemplares, fabri- 7 Possivelmente o mesmo que o anterior
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2008 25