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A MARINHA DE D. JOÃO III (47)
Os turcos em torno de Ormuz
Os turcos em torno de Ormuz
A navios perto da muralha e mantendo a guar- executado e substituído por um novo capitão
campanha levada a cabo por D. An-
tão de Noronha no Golfo Pérsico, no nição em alerta contra o ataque turco que não para as galés de Bassorá. Desta vez o objectivo
era sair com quinze delas e trazê-las para o Mar
ano de 1551 (referida na Marinha de tardou. Estava bem armado e os pelouros tur-
D. João III (43) com um lapso de datas), que cos não afectavam a muralha, de forma que o Vermelho, porque a missão inicial se revelara
desalojou os turcos de Catifa sem ter alcança- inimigo não conseguiu mais do que pilhar a de grande risco, demorara mais do que previs-
do Bassorá, provocou uma reacção do Sultão cidade desprotegida e a ilha próxima de Que- to, e temia-se pela possibilidade dos portugue-
de Constantinopla (Suleyman, o Magnífico), xome (Queshm), onde se tinham refugiado ses atacarem o Mar Vermelho, Meca ou Suez. E
senhor que era de quase todo o Médio Orien- muitos comerciantes ricos que não puderam foi com estas 15 galés que, em 1553, D. Diogo
te. Consciente que estava da dificuldade de ficar na fortaleza. Daí seguiu, então, para o Shat de Noronha se defrontou junto à costa da Pér-
atacar os portugueses na Índia, imaginou, que al-Arab, onde há muito era aguardado. sia, com grandes dificuldades porque os seus
seria mais fácil conquistar as suas posições de Nessa altura, porém, Estêvão Gomes já galeões não conseguiam manobrar sem ven-
forma progressiva, e Ormuz parecia-lhe que tinha alcançado Baçaim e Goa, lançando o to, nem podiam aproximar-se da costa tanto
um bom começo, retirando-lhes o domínio alarme em toda a Índia e levando a que o quanto as galés. Apesar de tudo, os turcos não
do Golfo Pérsico e criando uma base de ope- Vice-Rei, D. Afonso de Noronha, resolvesse conseguiram passar tiveram que regressar a
rações. Nesse sentido, man- Bassorá, com grandes ava-
dou preparar uma armada rias e perdas.
de 25 galés que deveria sair No início de 1554, D. Afon-
de Suez para Bassorá, onde so mandou outra armada ao
reuniriam as forças necessá- Golfo, sob o comando de seu
rias para atacar os persas e filho, D. Fernando de Mene-
os portugueses, seus aliados ses. Zarparam de Goa seis
em Ormuz. Para isso, esco- galeões, seis caravelas e 25
lheu Pirbec, um dos seus ou 26 fustas, que deveriam
mais competentes Kapudan invernar em Ormuz e blo-
(ou Kaptan = Capitão), para quear os turcos tentando
levar a cabo a missão, dan- surpreendê-los se tentassem
do-lhe por regimento que sair o Estreito de Ormuz. Su-
deveria tentar entrar no layman substituíra de novo
Golfo Pérsico sem impor- o Kapudan e insistia para que
tunar nenhuma fortaleza regressassem ao Mar Verme-
portuguesa, e procurando lho, temendo pelo acesso a
não ser visto em Mascate ou Meca. As condições, mais
em Ormuz. A manobra não uma vez, não eram favorá-
era fácil porque as notícias veis para que navios de alto
corriam mais depressa que bordo conseguissem dar
os navios, mas era possí- caça a galés, numa zona de
vel fazê-la sem que alguém Lyvro de Plataforma das Fortalezas da Índia. ventos variáveis e calmas,
percebesse o real poder da Biblioteca de S. Julião da Barra. com possibilidades de abri-
força naval. ir em pessoa ao Golfo Pérsico para por fim à go na costa, no meios dos baixos e das ilhas,
Acontece, contudo, que a tentação do saque esquadra turca. Reuniu mais de oitenta velas mas a armada portuguesa bloqueou os turcos
e das presas foi mais forte que a instrução do para essa missão, seguindo para norte e pas- e atacou-os em frente de Mascate, conseguindo
Sultão e Pirbec não conseguiu entrar no Gol- sando por Diu, onde recebeu a notícia de que capturar seis embarcações inimigas. As restan-
fo sem deixar um rasto de sangue e pilhagens Pirbec já estava em Bassorá, não adiantando tes nove fugiram para o Guzerate, com receio
por onde passou. A sua passagem pela costa de ir no seu encalço com tamanha armada. Man- de voltar a Suez, onde a justiça de Sulayman
Omã levou o espalhafato suficiente para alar- dou que D. Antão de Noronha seguisse com 5 seria implacável: duas delas encalharam perto
mar todas as posições portuguesas, não resis- galeões, 7 caravelas e 20 fustas, que deviam vi- de Damão, com a perda quase total das tripu-
tindo a atacar e saquear a fortaleza de Masca- giar e atacar os turcos, invernando em Ormuz lações, e as restantes fugiram para Surate onde
te, ainda em construção e com uma guarnição a partir de Abril ou Maio, e retirou-se para Goa. ficaram presas.
muito reduzida. Já antes disso, porém, Estêvão Quando acabasse a missão, D. Antão receberia Os embates com turcos, no Índico, tinham
Gomes o avistara um pouco a norte do cabo a capitania da fortaleza, passando o comando sempre um significado muito especial para
Rossalgate e, apesar das más condições me- da armada a D. Diogo de Noronha que regres- a lusa gente, porque era deles que podia vir
teorológicas do final da monção, conseguiu saria à Índia com a monção. a maior ameaça contra um Poder Naval que
meter-se numa pequena embarcação e ir à O Império Turco tinha uma rede bem monta- não se podia dar ao luxo de sofrer uma der-
Índia levar notícia da ameaça turca que volta- da de comunicações, que não dependia apenas rota pesada. Para os portugueses todas estas
va. Entretanto, Pirbec entrou no Golfo Pérsico das vias marítimas, e o Baxa de Bassorá já tinha batalhas eram decisivas, e uma só derrota po-
e desembarcou na parte oeste da ilha de Or- feito chegar ao Sultão as notícias dos saques de dia levar à sua expulsão do Oriente. Mais uma
muz, longe da fortaleza e das posições portu- Pirbec, que não iria ser perdoado. Tentou, con- vez isso não aconteceu, e esta seria a última
guesas, que já estavam preparadas para um tudo, uma outra manobra: sair dali com três grande aventura turca nos mares da Índia, no
cerco prolongado e para os ataques que dali navios carregados com todo o precioso saque, século XVI.
podiam vir. O capitão D. Álvaro de Noronha onde estavam muitos cativos portugueses, na Z
mandara prover o forte de água, lenha e outros esperança que tanta riqueza moderasse o ím- J. Semedo de Matos
abastecimentos necessários, resguardando os peto de Sulayman. Mas nada lhe valeu. Foi CFR FZ
REVISTA DA ARMADA U JULHO 2009 15