Page 233 - Revista da Armada
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A MARINHA DE D. JOÃO III (47)



                        Os turcos em torno de Ormuz
                        Os turcos em torno de Ormuz

         A                                  navios perto da muralha e mantendo a guar-  executado e substituído por um novo capitão
               campanha levada a cabo por D. An-
               tão de Noronha no Golfo Pérsico, no  nição em alerta contra o ataque turco que não  para as galés de Bassorá. Desta vez o objectivo
                                                                               era sair com quinze delas e trazê-las para o Mar
               ano de 1551 (referida na Marinha de  tardou. Estava bem armado e os pelouros tur-
         D. João III (43) com um lapso de datas), que  cos não afectavam a muralha, de forma que o  Vermelho, porque a missão inicial se revelara
         desalojou os turcos de Catifa sem ter alcança-  inimigo não conseguiu mais do que pilhar a  de grande risco, demorara mais do que previs-
         do Bassorá, provocou uma reacção do Sultão  cidade desprotegida e a ilha próxima de Que-  to, e temia-se pela possibilidade dos portugue-
         de Constantinopla (Suleyman, o Magnífico),  xome (Queshm), onde se tinham refugiado  ses atacarem o Mar Vermelho, Meca ou Suez. E
         senhor que era de quase todo o Médio Orien-  muitos comerciantes ricos que não puderam  foi com estas 15 galés que, em 1553, D. Diogo
         te. Consciente que estava da dificuldade de  ficar na fortaleza. Daí seguiu, então, para o Shat  de Noronha se defrontou junto à costa da Pér-
         atacar os portugueses na Índia, imaginou, que  al-Arab, onde há muito era aguardado.   sia, com grandes dificuldades porque os seus
         seria mais fácil conquistar as suas posições de   Nessa altura, porém, Estêvão Gomes já  galeões não conseguiam manobrar sem ven-
         forma progressiva, e Ormuz parecia-lhe que  tinha alcançado Baçaim e Goa, lançando o  to, nem podiam aproximar-se da costa tanto
         um bom começo, retirando-lhes o domínio  alarme em toda a Índia e levando a que o  quanto as galés. Apesar de tudo, os turcos não
         do Golfo Pérsico e criando uma base de ope-  Vice-Rei, D. Afonso de Noronha, resolvesse  conseguiram passar tiveram que regressar a
         rações. Nesse sentido, man-                                                        Bassorá, com grandes ava-
         dou preparar uma armada                                                            rias e perdas.
         de 25 galés que deveria sair                                                        No início de 1554, D. Afon-
         de Suez para Bassorá, onde                                                         so mandou outra armada ao
         reuniriam as forças necessá-                                                       Golfo, sob o comando de seu
         rias para atacar os persas e                                                       filho, D. Fernando de Mene-
         os portugueses, seus aliados                                                       ses. Zarparam de Goa seis
         em Ormuz. Para isso, esco-                                                         galeões, seis caravelas e 25
         lheu Pirbec, um dos seus                                                           ou 26 fustas, que deveriam
         mais competentes Kapudan                                                           invernar em Ormuz e blo-
         (ou Kaptan = Capitão), para                                                        quear os turcos tentando
         levar a cabo a missão, dan-                                                        surpreendê-los se tentassem
         do-lhe por regimento que                                                           sair o Estreito de Ormuz. Su-
         deveria tentar entrar no                                                           layman substituíra de novo
         Golfo Pérsico sem impor-                                                           o Kapudan e insistia para que
         tunar nenhuma fortaleza                                                            regressassem ao Mar Verme-
         portuguesa, e procurando                                                           lho, temendo pelo acesso a
         não ser visto em Mascate ou                                                        Meca. As condições, mais
         em Ormuz. A manobra não                                                            uma vez, não eram favorá-
         era fácil porque as notícias                                                       veis para que navios de alto
         corriam mais depressa que                                                          bordo conseguissem dar
         os navios, mas era possí-                                                          caça a galés, numa zona de
         vel fazê-la sem que alguém   Lyvro de Plataforma das Fortalezas da Índia.          ventos variáveis e calmas,
         percebesse o real poder da   Biblioteca de S. Julião da Barra.                     com possibilidades de abri-
         força naval.                       ir em pessoa ao Golfo Pérsico para por fim à  go na costa, no meios dos baixos e das ilhas,
            Acontece, contudo, que a tentação do saque  esquadra turca. Reuniu mais de oitenta velas  mas a armada portuguesa bloqueou os turcos
         e das presas foi mais forte que a instrução do  para essa missão, seguindo para norte e pas-  e atacou-os em frente de Mascate, conseguindo
         Sultão e Pirbec não conseguiu entrar no Gol-  sando por Diu, onde recebeu a notícia de que  capturar seis embarcações inimigas. As restan-
         fo sem deixar um rasto de sangue e pilhagens  Pirbec já estava em Bassorá, não adiantando  tes nove fugiram para o Guzerate, com receio
         por onde passou. A sua passagem pela costa de  ir no seu encalço com tamanha armada. Man-  de voltar a Suez, onde a justiça de Sulayman
         Omã levou o espalhafato suficiente para alar-  dou que D. Antão de Noronha seguisse com 5  seria implacável: duas delas encalharam perto
         mar todas as posições portuguesas, não resis-  galeões, 7 caravelas e 20 fustas, que deviam vi-  de Damão, com a perda quase total das tripu-
         tindo a atacar e saquear a fortaleza de Masca-  giar e atacar os turcos, invernando em Ormuz  lações, e as restantes fugiram para Surate onde
         te, ainda em construção e com uma guarnição  a partir de Abril ou Maio, e retirou-se para Goa.  ficaram presas.
         muito reduzida. Já antes disso, porém, Estêvão  Quando acabasse a missão, D. Antão receberia   Os embates com turcos, no Índico, tinham
         Gomes o avistara um pouco a norte do cabo  a capitania da fortaleza, passando o comando  sempre um significado muito especial para
         Rossalgate e, apesar das más condições me-  da armada a D. Diogo de Noronha que regres-  a lusa gente, porque era deles que podia vir
         teorológicas do final da monção, conseguiu  saria à Índia com a monção.  a maior ameaça contra um Poder Naval que
         meter-se numa pequena embarcação e ir à   O Império Turco tinha uma rede bem monta-  não se podia dar ao luxo de sofrer uma der-
         Índia levar notícia da ameaça turca que volta-  da de comunicações, que não dependia apenas  rota pesada. Para os portugueses todas estas
         va. Entretanto, Pirbec entrou no Golfo Pérsico  das vias marítimas, e o Baxa de Bassorá já tinha  batalhas eram decisivas, e uma só derrota po-
         e desembarcou na parte oeste da ilha de Or-  feito chegar ao Sultão as notícias dos saques de  dia levar à sua expulsão do Oriente. Mais uma
         muz, longe da fortaleza e das posições portu-  Pirbec, que não iria ser perdoado. Tentou, con-  vez isso não aconteceu, e esta seria a última
         guesas, que já estavam preparadas para um  tudo, uma outra manobra: sair dali com três  grande aventura turca nos mares da Índia, no
         cerco prolongado e para os ataques que dali  navios carregados com todo o precioso saque,  século XVI.
         podiam vir. O capitão D. Álvaro de Noronha  onde estavam muitos cativos portugueses, na               Z
         mandara prover o forte de água, lenha e outros  esperança que tanta riqueza moderasse o ím-  J. Semedo de Matos
         abastecimentos necessários, resguardando os  peto de Sulayman. Mas nada lhe valeu. Foi            CFR FZ
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U JULHO 2009  15
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