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PIRATARIA MARÍTIMA – UMA PERSPECTIVA ACTUAL


           Reflexões sobre o combate à pirataria no séc. XXI
           Reflexões sobre o combate à pirataria no séc. XXI

         A                                  o problema da pirataria se resolverá. A solução do   trados em cerca de 3 minutos, sendo que habitual-
             pirataria faz parte do imaginário cinemato-
             gráfico associado a séculos passados mas, na
                                            problema deverá passar por duas linhas de acção
                                                                               mente não excedem 15 minutos. Isso corresponde a
             realidade, nunca desapareceu totalmente. O
                                                                               é minímo, razão pela qual é requerida uma eleva-
                                            cional para o state building na Somália, que miti-
         que sucedia é que a maior parte dos ataques verifi-  concorrentes: um esforço da comunidade interna-  dizer que o tempo de reacção dos navios de guerra
         cados nas décadas mais recentes ocorria na Ásia –   gue as causas socioeconómicas que estão na raiz   da densidade de navios de guerra para que possam
         relativamente longe dos olhares ocidentais. No en-  da pirataria, e um efectivo patrulhamento dos ma-  intervir atempadamente.
         tanto, este cenário mudou nos últimos anos.   res, que dissuada os ataques, fazendo os piratas per-  Neste momento, já existem alguns navios mer-
           Por um lado, Indonésia, Singapura e Malásia as-  ceber que os riscos que correm são superiores aos   cantes que se juntam em pequenos grupos, de
         sociaram-se, a partir de 2004, em patrulhas triparti-  potenciais benefícios.  forma a atravessarem, em companhia, o corredor
         das e a pirataria diminuiu drasticamente no estreito   No entanto, na actual conjuntura geo-estratégica,   de tráfego estabelecido no Golfo de Adem, habi-
         de Malaca, no estreito de Singapura, na Indonésia   em que os EUA, bem como a NATO e a maioria dos   tualmente sob cobertura dos navios de guerra aí
         e na Malásia.                      países europeus, estão profundamente envolvidos   presentes. No entanto, os operadores mercantes
           Por outro lado, em África (no Golfo da Guiné e,   na construção de Estados viáveis no Afeganistão e   têm mostrado relutância em organizar comboios
         sobretudo, na costa da Somália – mais perto por-  no Iraque, não parece haver capacidade disponível   de grande dimensão, para serem escoltados por
         tanto dos olhares ocidentais), tem-se assistido a   para uma intervenção de state building na Somália.   navios de guerra, tal como sucedeu na 2ª guerra
         um aumento significativo da pirataria. No ano de   Recorde-se que os EUA tentaram uma intervenção   mundial. Tal deve-se fundamentalmente a dois mo-
         2008, 40% dos ataques relatados  em todo o Mun-  terrestre na Somália, em 1993, no tempo da admi-  tivos principais. Em primeiro lugar, isso obrigaria
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         do ocorreu no Corno de África, sendo importan-  nistração Clinton, tendo retirado pouco depois na   os navios a terem que se sujeitar aos horários dos
         te referir que a actividade pirata nesta                                      comboios, o que poderia obrigá-los a
         área oscila, em grande medida, ao rit-                                        esperar largas horas, já que para este
         mo das monções. Dessa forma tem-se                                            sistema ser eficiente a frequência dos
         verificado que os ataques piratas au-                                          comboios não poderia ser muito eleva-
         mentam nos períodos entre monções,                                            da (eventualmente diária). Em segundo
         i.e. em Abril / Maio e em Outubro /                                           lugar, obrigaria todos os navios a na-
         Novembro. Trata-se de uma área ex-                                            vegar à velocidade do navio mais len-
         tremamente sensível, representando a                                          to do comboio, provocando naturais
         principal rota comercial entre a Euro-                                        atrasos. No entanto, em caso de agra-
         pa e a Ásia, facto ilustrado pelos mais                                       vamento do problema da pirataria, não
         de 33.000 navios que passam todos                                             é de excluir que a indústria do trans-
         os anos no Golfo de Adem. Em 2009,                                            porte marítimo reveja as suas reservas
         a pirataria intensificou-se ainda mais,                                        à navegação em comboio.
         com o número de ataques relatados                                               Finalmente, gostaria de referir que,
         nos primeiros 3 meses do ano a du-                                            apesar da sua complexidade, as mari-
         plicar os valores de 2008.                                                    nhas em geral, e a Marinha Portuguesa
           Face a esta realidade poder-se-ia   O helicóptero orgânico das fragatas portuguesas é fundamental no combate   em particular, estão preparadas para en-
         pensar que a indústria do transporte   à pirataria.                           frentar este problema. A maior limitação
         marítimo adoptasse uma rota alternativa, contor-  sequência do célebre caso da queda de dois Black   acaba por resultar dos condicionamentos legais, tra-
         nando África, em vez de seguir o atalho do Golfo   Hawk, em Mogadíscio.   tados em artigo à parte. De qualquer maneira, é in-
         de Adem / Mar Vermelho / Canal do Suez. No en-  Neste enquadramento, parece claro que a melhor   dubitável que a presença das marinhas de guerra no
         tanto, apesar da ameaça de pirataria, os operadores   forma que a comunidade internacional tem para li-  Corno de África é essencial para dissuadir esta acti-
         mercantes continuam a preferir a rota do Corno de   dar com este problema é o reforço do patrulhamento   vidade, que tão grandes implicações pode vir a ter
         África. Tal deve-se sobretudo a 2 motivos.   por navios de guerra. Isto mesmo foi percebido pela   no dia-a-dia de cada um de nós. Os prejuízos anuais
           Em primeiro lugar, a circum-navegação de Áfri-  NATO, pela UE, e por paises como a China, os EUA,   causados, actualmente, pela pirataria foram estima-
         ca corresponde a um acréscimo na distância a per-  o Japão e a Rússia, entre outros, que enviaram forças   dos em 12 mil milhões de euros, parte dos quais já
         correr que pode chegar a cerca de 5.000 milhas   navais ou navios para a área.  estará a ser suportada pelos consumidores. No en-
         náuticas, o que significa que um navio mercante a   Estarão na área cerca de 40 navios de guerra, o que   tanto, este valor multiplicar-se-á, com um impacto
         12 nós demoraria mais 17 dias a fazer o percurso   mostra bem a importância que os países desenvolvi-  inimaginável nos preços de muitos bens, se a comu-
         entre a Ásia e a Europa e vice-versa. Se tal viesse a   dos estão a atribuir a esta questão, pelas implicações   nidade internacional não conseguir pôr um travão à
         acontecer, os custos do transporte marítimo aumen-  que está a ter (e poderá ainda vir a ter) na economia   pirataria somali.
         tariam significativamente, o que teria um impacto   mundial. No entanto, este número é ainda insuficien-  Z
         enorme não só na indústria marítima, mas também   te, principalmente por duas ordens de razões: pela   Nuno Sardinha Monteiro
         e inevitavelmente no consumidor final, que veria os   vastidão da área de actuação dos piratas e pela rapi-  CFR
         preços da maioria dos bens a aumentar.   dez com que eles executam os ataques.  Notas
                                                                                 1  Segundo algumas fontes, o número de ataques re-
           Em segundo lugar, embora estejamos a assistir a   Relativamente à área de actuação, importa referir   latados oscilará entre 10% a 50% do número de ata-
         um aumento de ataques, a percentagem de incidên-  que só para patrulhar eficazmente o Golfo de Adem   ques real. De facto, os operadores evitam, sempre que
         cia ainda é relativamente baixa face ao elevadíssimo   (que tem uma área de cerca de 100 mil milhas qua-  podem, comunicar às autoridades que foram alvo de
         número de navios que passam na área.  dradas) se estima serem necessários cerca de 60 na-  um ataque pirata, pois isso pode implicar um aumento
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           Dessa forma, os operadores preferem o risco de   vios , sendo que os piratas estão a actuar cada vez   dos prémios de seguro e uma paragem do navio, para
         ter que pagar um resgate aos piratas, no caso de se-  mais longe da costa e com crescente violência. Já   que as autoridades investiguem a ocorrência.
                                                                                 2  Embora os 40 navios de guerra presentes na área já
         rem alvo de ataque (possibilidade, apesar de tudo,   houve ataques e tentativas de ataques a cerca de 700   estejam a conseguir excelentes resultados, quase erra-
         não muito elevada), à alternativa de circum-navegar   milhas da costa e, inclusive, em latitudes abaixo das   dicando a pirataria no Golfo de Adem e obrigando os
         África e tornarem-se menos competitivos no mer-  Seicheles. Isso significa que a área de actuação dos pi-  piratas a procurar outras áreas para actuarem.
         cado global.                       ratas somalis extravasou do Golfo de Adem e da costa
           Parece assim evidente que o tráfego marítimo   da Somália para quase todo o Índico ocidental.   Agradecimento
                                                                                 Agradeço os comentários e contributos do CMG Novo
         continuará a passar pelo Corno de África, pelo que   Relativamente à rapidez de execução dos ata-  Palma, do CFR Neves Correia, do CFR Portela Guedes e do
         não será pela ausência de potenciais vítimas que   ques, cabe referir que há relatos de ataques perpe-  CFR Cortes Lopes.
                                                                                       REVISTA DA ARMADA U JULHO 2009  19
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