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NOTÍCIA



                           ENCERRAMENTO DO PÓLO DE VILA FRANCA DE XIRA
                                    DA ESCOLA DE TECNOLOGIAS NAVAIS

         ¬ÊNo passado dia 1 de Setembro, sob a presidência do CEMA,
         Almirante Melo Gomes, realizou-se a Cerimónia de Encerramen-
         to do Pólo de Vila Franca de Xira da Escola de Tecnologias Navais                                         Fotos CAB L Figueiredo
         (ETNA), cumprindo-se assim mais um novo e decisivo passo no
         reordenamento do Parque Escolar, no âmbito do Sistema de For-
         mação Profissional da Marinha.
           Perante altos comandos da Marinha, antigos comandantes do
         G1EA, oficiais, sargentos e praças em serviço na Unidade, o even-
         to foi iniciado com umas breves palavras do actual Comandante
         da ETNA, CMG Antunes Rodrigues, que afirmou: Vila Franca fica
         na memória dos nossos marinheiros e de muitos portugueses, como uma
         grande escola de formação cívica militar e técnica. Seguiu-se a alocu-
         ção do Almirante CEMA que destacou: a actividade de formação que
         nestes oitenta anos, fruíram dezenas de milhares de alunos representa um
         património incalculável de que muito justamente nos podemos orgulhar
         e terminou deixando uma palavra de regozijo pela forma como a Mari-
         nha sempre foi acolhida pela comunidade local e, de uma forma geral, pelos
         organismos e entidades com que foi interagindo, manifestando a certeza
         que este relacionamento ficará na memória desta terra, mas também na
         dos milhares de marinheiros que por aqui passaram.
           Após a leitura da Ordem do Dia à Unidade foi realizada a ceri-
         mónia do arrear da Bandeira Nacional, acto que marcou o fim da
         presença de 84 anos da Marinha em terras vilafranquenses.



                                      Um descuido fatal
                                      Um descuido fatal

             m Agosto de 1949, fui colocado no aviso de 1ª classe “Bartolomeu  dirigia uma equipe empenhada na reparação de uma máquina de frio,
             Dias” o qual, com o “Afonso de Albuquerque”, eram os navios  trabalho que estava a fazer juntamente com dois operários do estaleiro.
         E mais importantes da nossa Marinha de Guerra. Fui desempe-  Todavia, não conseguia perceber qual a razão que motivou tal desastre.
         nhar as funções de encarregado do serviço de Electricidade, Torpedos  Não percebeu dado que, só mais tarde, veio a saber-se que a explosão
         e Minas, cuja especialização tinha acabado de obter na Escola de Vila  na máquina aconteceu por esta ter sido carregada com uma garrafa de
         Franca de Xira.                                      oxigénio em vez de CO2. Assim, quando a máquina foi posta a trabalhar,
           O “Bartolomeu Dias” encontrava-se atracado ao cais, em Alcântara,  uma pequena faísca foi suficiente para motivar a explosão. Na realida-
         a ser sujeito a grandes fabricos pelo pessoal dos Estaleiros da CUF e,  de, o incidente resultou do facto das garrafas contendo gases, ao serem
         nem sequer, tinha oficial de serviço. Alguns                            transportadas rodando pelo chão, irem per-
         oficiais que já compunham a guarnição iam,                              dendo os dizeres indicativos do seu conteúdo.
         de manhã, para bordo. Assim, no fatídico dia                           Passou, então, a haver instruções, muito rigo-
         9-9-1949, poucos minutos depois das 9 horas,                           rosas, para que tal não tornasse a acontecer. O
         estava eu a fardar-me no camarote, que dava                            descuido tinha custado quatro vidas.
         para a praça d’armas, quando oiço um estron-                             Coube-me a mim ir dar esta horrível no-
         do violento, logo seguido por fumo que saía                            tícia aos pais do Taborda, que moravam nas
         dum porão mesmo ali a meus pés. Para meu                               proximidades do Hospital da Marinha, para
         espanto, passados poucos segundos, de súbi-                            onde tinham ido os corpos queimados. Quan-
         to, saem do porão, dois homens desvairados,                            do cheguei a sua casa, já lá não estavam. Um
         com suas roupas a arder. Nem me ouvem. Sobem as escadas que os leva  jornalista tinha chegado primeiro.
         ao convés, saem mesmo do navio até que caem exaustos, sem forças.    Estou a escrever estas linhas no dia 9-9-2009, exactamente sessenta
           O tenente Saturnino Monteiro, que já se encontrava a bordo, aparece e  anos depois de tão trágico acontecimento. Elas que sirvam para mos-
         é ele que desce ao porão para ver se há mais vítimas. Dois corpos inani-  trar que as normas de segurança -- neste caso, a perfeita identificação do
         mados são trazidos para cima, com as roupas ardidas, sem que os con-  conteúdo das garrafas de gás -- devem ser rigorosamente cumpridas. E,
         sigamos reconhecer. É pelo relógio (comprado há dias e para o qual me  também, para recordar os nomes das vítimas:
         tinha sido chamada a atenção) que identifico o tenente Taborda, nosso   2º ten. maq. naval José Taborda Ramos
         companheiro de câmara. O outro é um operário do estaleiro. Todos os   2º cabo fogueiro Domingos Gouveia
         quatro faleceram devido às queimaduras.               Operários da CUF: Rui de Sousa Pinto e João Pina Ferreira
           A história desta tragédia, conhecemo-la logo de seguida pelo teste-  Mas a tragédia do 9-9-49 não se esgotou na explosão que acabamos
         munho dum sargento, que pertencia à equipe de trabalho que estava no  de relatar. A esposa do comandante do navio, capitão-de-mar-e-guerra
         porão a reparar uma máquina de frio. De facto, quando uma das pra-  Negrão Neto, falece nesse mesmo dia. Um dia que não podia ser pior!
         ças se preparava para ir buscar uma peça de ferramenta, ele ofereceu-se                               Z
         para a trazer, pois tinha de ir à oficina. Teve um dia de sorte que nunca                 A. Estácio dos Reis
         mais esquecerá. É ele que nos pôs a par da situação: o tenente Taborda                              CMG

         28  SETEMBRO/OUTUBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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