Page 319 - Revista da Armada
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VIGIA DA HISTÓRIA 14
As Riquezas da Índia
As Riquezas da Índia
É
frequente, quando nos referimos à Carreira da Índia, salientar as va-
liosíssimas cargas que as naus transportavam e, no entanto, muito
poucos são os casos em que o valor de tais cargas é conhecido.
O transporte de pedras preciosas, parte significativa do valor das car-
gas é, em muitos casos, conhecido na sequência de acidentes ocorridos e
isto porque, estando sujeitas a elevadas taxas e sendo fácil dissimular o seu
transporte, eram frequentemente objecto de contrabando.
Os poucos casos que seguidamente se relatam poderão ajudar a ter uma
noção dos valores envolvidos.
Os sobreviventes do naufrágio da nau S. João, ocorrido no rio S. Cristó-
vão em 1624, queixaram-se de que os negros daquela zona lhes haviam
roubado as pedras preciosas que levavam, avaliadas em 200 000 cruzados,
num saco com cerca de 15 Kg de peso.
O padre Manuel Gomes, vindo como passageiro na nau Nª Sª da Luz,
só a 28 de Dezembro de 1615, mais de um mês após a naufrágio da nau
nos Açores, se apresentou a declarar trazer com ele uma imagem de Nª Sª
dos Poderes com o Menino Jesus no regaço, a descrição da imagem parece
justificar a razão do “esquecimento”.
A imagem tinha 37 diamantes grandes, uma coroa em ouro, um selo de
ouro com 1 diamante e 4 rubis, um diadema em ouro com 11 diamantes,
31 peças de ouro nos vestidos com 71 diamantes grandes, 21 rubis, 7 es-
meraldas grandes e vários rubis pequenos. Na boca da imagem estavam 8
diamantes e uma esmeralda do tamanho de uma noz grande simbolizava
o globo terrestre. O conjunto era completado por 2 jarrinhas em ouro com
um ramalhete, igualmente em ouro, em que 1 diamante , 2 esmeraldas, 2
safiras e 2 pérolas simbolizavam flores.
Um inglês, preso em Lisboa, refere que na mesma prisão se encontrava o
piloto da nau S. Valentim, apresada pelos ingleses em Sesimbra em 1602, por
terem sido encontrados em sua casa 3 sacos cheios de pedras preciosas.
O apresamento, pelos ingleses, da nau Madre de Deus ocorrido a 13 de
(1)
Agosto de 1592 , também, neste aspecto, poderá constituir um contribu-
to significativo.
Após um combate de várias horas a nau foi entrada durante a noite e
sujeita a um saque, relatos ingleses referem que o calado da nau terá dimi-
nuído, nesse dia, dois pés e à chegada a Darthmouth a diferença de calado
já era de 5 pés.
A Rainha Isabel, parte interessada no saque, ordenou a efectivação de in-
vestigações tendentes a reaver o saque desviado, investigações essas que
não lograram qualquer êxito.
Nas inquirições efectuadas são frequentes as acusações mútuas entre os
comandantes ingleses, um deles acusado de se ter apropriado de 10 000 li-
bras alega só ter ficado com 2 000, uma cruz de pérolas encontrada na pos-
se de um dos comandantes é referida como sendo, de há muito, proprie-
dade da sua família.
Um outro comandante, que se juntara tardiamente ao saque, ao mani-
festar o seu descontentamento por ver que um ostentava um cordão de
ouro com pérolas, foi por este sossegado com a informação de que havia
um outro colar igual para ele.
Um marinheiro é citado como tendo em seu poder 320 diamantes, um
outro teria só 150 enquanto um terceiro além de 1 000 cruzados tinha ain-
da muitos rubis.
Um tal Broadburt terá adquirido a um marinheiro 1 800 diamantes e en-
tre 200 e 300 rubis.
Só com os lucros das especiarias, drogas e tecidos chegados a Inglaterra
a Raínha terá recebido entre 60 000 a 90 000 libras, correspondentes ao in-
vestimento que fizera, de 3 000 libras, na expedição. Z
Com. E. Gomes
Nota: A data tem sido indicada como sendo 3 de Agosto que é, na realidade, a data ingle-
(1)
sa e que, contrariamente ao que sucedia em Portugal, não estava de acordo com o calendá-
rio gregoriano.
Fontes: Caixas 5 e 19 Índia e cx 1 Moçambique do Arquivo Histórico Ultramarino
Corpo Cronológico 1ª Parte Maço 86 documento 11
Naval Tractos of. Sir William Monson, Vol 1, Londres 1914.
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2009 29