Page 315 - Revista da Armada
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Docente… Entre eles estava o Vice-Almi- «A sala de convívio era pequena mas desalmadamente contra o “Catraio”… só
rante Almeida d’Eça, lente da cadeira de agradável. Além de mesas e cadeiras ti- tivemos tempo de gritar.. e “bumba”, ba-
Direito Marítimo e de História Marítima, nha uma pequena biblioteca, onde havia temos com um grande estrondo… faltava
que nos fez um belo discurso de boas- vários livros relatando as façanhas dos na- o Braga… que não sabia nadar. Estávamos
-vindas, tendo terminado, emocionado, vios corsários alemães durante a 1.ª Gran- já aflitíssimos quando ouvimos uma voz
com estas palavras: “Fala-se, agora, mui- de Guerra e as batalhas travadas no Mar muito alegre a chamar-nos: “Estou aqui,
to na hipótese de Portugal voltar a unir- da Jutlândia… uma grafonola de manivela estou aqui!”… comodamente sentado…
-se à Espanha. Lembrem-se, meus amigos, onde tocávamos os poucos discos de vinil, em cima da bóia». Bom! «Confiámos a nos-
lembrem-se que a experiência já foi feita de 75 rpm, com fados, canções das revistas sa salvação, não esquecendo o “Catraio”,
e não resultou! Nunca o esqueçam!”. Eu teatrais e algumas canções francesas». a um rebocador do Arsenal».
nunca o esqueci.» «Em 1931, com a admissão de um núme- O “Sírius” (o iate de D. Amélia, que está
Desengane-se, porém, quem estiver a ro de rapazes relativamente elevado, a EN no Museu de Marinha) acabado de reparar
ver-se no Alfeite. Estamos na rua do Ar- ficou com 51 aspirantes, incluindo os repe- de um abalroamento «fomos logo experi-
senal onde estão instaladas a Academia tentes, o que obrigou a fazer ampliações. mentá-lo, dando uma volta pelo rio. Fo-
de Marinha e o Centro Naval de Ensino à «A nossa vida, na Escola, decorria nor- mos vários aspirantes e o sargento encar-
Distância, prolongando-se para os regado do barco. Ia eu ao leme, por
actuais refeitórios. A escada, a mes- gosto e por ser o mais antigo… su-
ma mas com entrada pelo Arsenal bimos o Tejo, até Xabregas… depois
que, com a Escola, migrou para a descemos o rio até Belém… para a
margem sul em 1936. doca da Aviação (Naval)… Mandei
O mesmíssimo «longo corredor… preparar para a manobra… mas só
servia, no lado norte, várias salas. arriaram as velas de estai… É claro
A primeira era a Biblioteca, razoa- que dei imediatamente ordem para
velmente recheada. Depois ficavam largar os ferros que “unharam bem”,
várias salas de aulas…:» Electricida- e o “Sírius” parou, sem causar qual-
de, Torpedos e Minas, Máquinas, quer dano…É que os “jovens ma-
Construção Naval, Navegação As- rinheiros” em vez de largarem os
tronómica, Arte Militar e Fortifica- chicotes dos teques, largaram os das
ções, Administração e Contabilida- estralheiras…
de e Legislação Naval. Dias depois… baía de Cascais,
No fim do corredor estava a para- onde fundeámos e almoçámos fru-
da, que era a antiga “Sala do Risco” galmente, uma grande sanduíche de
do Arsenal. A sua parte norte tinha atum… sem nenhum percalço.
pavimento cimentado; foi aqui que Nessa altura, apareceu à venda
eu aprendi a andar de patins para ir, um internacional de 6 metros, o
com a minha namorada e o seu gru- “Xixão”!... os 5 ou 6 contos… o Mi-
po, ao “ring” do Rádio Clube Portu- nistro concedeu-no-los logo… To-
guês”, na Parede.» confidencia-nos dos conheceram o “Xixão”, um lin-
o jovem aspirante. Aí «um mastro do “galgo do mar”…» do «Carlos
com uma vela redonda que se dizia Blec k, que quase chorava...» quando
que era da Nau Providência… tudo no-lo entregou.
o que era preciso para aprendermos Além da oferta duns monotipos,
a manobra de um navio à vela.» A «simpáticos barquinhos que eram
aula de Marinharia. 2TEN ECN João Rocheta. uma novidade em Portugal» tam-
Na Parada faziam-se os «exercí- bém uns outros estaleiros italianos
cios de infantaria, marcha, corrida, ginásti- malmente, com lições, estudo (mais ou me- nos ofereceram um “out-rigger”, a remos,
ca, esgrima, etc. … No vão das janelas que nos…), as usuais “dores de barriga”, nas de 4 e ainda «tivemos outra, dum simpá-
davam para o Arsenal, havia umas cartei- vésperas das provas escritas e as saídas tico casal, representante de outra empre-
ras, tipo escolar, onde estudávamos sosse- às 5.ª feiras à tarde, quando lográvamos sa, concorrente ao fornecimento dos novos
gadamente depois das aulas…» apanhar um 14 (valores da tabela) e aos navios (estava-se a proceder à renovação
No fim as «vetustas latrinas» que em sábados, para regressarmos ao Domingo total da esquadra!): o “Vega”.»
1929 receberam as, hoje, comuns sanitas. à noite, sem acontecimento de maior, mas «A propósito,... apareciam na praia de
Mais adiante, no lado sul, as Oficinas alguns houve, mais ou menos anedóticos, Algés, uns rapazes, civis... Um dia desa-
de Máquinas onde também os alunos de que passo a relatar: fiei um deles para uma pequena regata...
marinha tinham que «fazer uma determi- O nosso clube, o CNOAA (Clube Náuti- Verifiquei, “atónito”, que o monotipo rival
nada peça de madeira (?) e limar, à mão, co dos Oficiais e Aspirantes da Armada)» se distanciava do meu, “afrontosamente”
um bocado de ferro, de modo a dar-lhes a tinha uma “Canoa” que já «exigia uma (para a frente, claro...) o que me fez sus-
forma de um paralelepípedo perfeito, isto certa prática» e um “Catraio” «pesadão e peitar que ”ele tivesse, secretamente, um
é, com as faces rigorosamente planas e per- lento, mas fácil de manobrar.» motor debaixo da quilha”... o segredo era
pendiculares entre si. Bem, eu esforcei-me, «Numa amena tarde de Verão, depois simples:... era o António Herédia, um vele-
denodadamente, mas o mais que consegui das aulas, informaram-nos que estava um jador experiente... Quem sabe, sabe!»
foi fazer “uma tampa de baú”». paquete a arder no cais de Alcântara.» De- «... a saudosa Escola Naval contribuiu
No 2.º andar ficavam o quarto do oficial vidamente autorizados, com dois cama- para eu começar a gostar de música clás-
de dia, «as camaratas dos aspirantes, res- radas e amigos, puseram o “Catraio” na sica. Naquele tempo, a Marinha tinha uma
pectivas casas de banho, refeitório geral, água e lá foram «a descer o rio com um boa Banda, regida pelo maestro Fão mais
sala de convívio e prisão… tenho a vaga Norte banzeiro, ajudados pela maré vazan- novo... e dava concertos regulares aos do-
lembrança dum aspirante preso, talvez te, muito interessados no incêndio , como mingos no Teatro Ginásio... eu era um dos
por ter sido apanhado nalguma escapa- é natural. Mas, de repente apareceu -nos aspirantes que aproveitavam as “borlas”
dela nocturna…». uma bóia vermelha, pela frente, a correr (nessa altura não tinha namorada...).»
REVISTA DA ARMADA U SETEMBRO/OUTUBRO 2009 25