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NOS 100 ANOS DO ENG.° JOÃO ROCHETA
          NOS 100 ANOS DO ENG.° JOÃO ROCHETA



               averá várias maneiras de nos con-  Decisivo… queria ser almirante!», de-  Desta feita o assalto à «Fortaleza» resul-
               servarmos jovens mas uma das  clara.                            tou. Estamos em 1 de Outubro de 1928!
         Hmais interessantes será termos      «Atirei-me à conquista da Escola Na-  Agora, «tratar do enxoval - Fardas e
         vivido com garra cada etapa das nossas  val». Preparatórios da Escola Politécnica  afins.» e, a par, o alicerçar das primeiras
         vidas e irmos revivendo-as ao longo dos  e provas físicas tão a sério que não satis-  amizades.
         anos com toda uma capacidade crítica sua-  fazendo a fórmula de Pignet (altura a mais   O «“Vicente do Clube”, um antigo des-
         vizada pela experiência mas sem desistir-  para o peso) decide, com outra vítima e  penseiro… vendeu as espadas com os res-
         mos de nós e usufruindo de tudo, bom e  enquanto “repetem” os Preparatórios, por  pectivos talins e uma enorme caixa de lata,
         mau, que nos marcou.               aulas de ginástica num ginásio onde, ines-  pintada de castanho, para as fardas»
           Neste testemunho do Senhor Engenhei-  peradamente, deram com dois instrutores   «O primeiro acto militar…inspeccionar
         ro João Farrajota Rocheta, um jovem a do-  (o “Galrinhas” e o “Bimbas”) que sendo  os novos recrutas, já fardados de azul. En-
         brar os 100 (cem) anos, o mais espantoso  professores na Escola Naval, rapidamente  tão é que foi o bom e o bonito:... a cor das
         é a demonstração de que os jovens, em  definiram posições em nome da sua digni-  fardas do Luís e a minha era diferente» das
         qualquer geração, são, na diversidade da  dade de oficiais da Armada. Um terceiro  do «Sr. Silva… que habitualmente as fazia
         sua circunstância temporal, extremamente  foi mesmo inflexível… tiveram que mu-  para os novos cursos.
         semelhantes. E que o tesouro dos menos  dar de ginásio.                 «O Conselho Escolar... determinou que
         jovens é, exactamente, poderem  recordar   Vencidos foram o exame escrito, a ins-  o tecido passasse a ser adquirido na Cor-
         o que os menos                                                                           doaria Nacional».
         velhos ainda es-                                                                         Mais nada! Um
         tão a viver sem já                                                                       alívio.
         terem de atraves-                                                                          «Nós esperá-
         sar as situações,                                                                        vamos que hou-
         com todas as suas                                                                        vesse alguma ca-
         incógnitas, que                                                                          tástrofe, logo no
         a vida imporá a                                                                          1.º dia, mas não
         quem ainda tem                                                                           tão grande como
         caminho a fazer,                                                                         a que se nos de-
         cientes, aqueles,                                                                        parou.
         de que se algo                                                                             Quando, à noi-
         ainda os motivar                                                                         te, fomos para a
         é, afinal, porque                                                                        nossa camarata,
         puseram a sua                                                                            para nos deitar-
         meta mais longe.                                                                         mos… não havia
           Por circuns-                                                                           camas! Aqueles
         tâncias editoriais                                                                       “malandros” do
         de espaço fomos                                                                          2.º ano, tinham-
         incumbidos da                                                                            -nas desarmado
         ingrata missão                                                                           e espalhado pe-
         de sintetizar o                                                                          las camaratas.
         esplêndido ori-                                                                          Tivemos que ir à
         ginal (aqui entre   O Aspirante João Rocheta entre os Lentes da Escola Naval em 1929.    procura, por to-
         «...») em que, para mantermos a sua for-  pecção física e o…peso! Só no fim do curso  dos os cantos, dos pedaços, e reconstruir
         ça, procurámos reduzir ao mínimo a nos-  o “inflexível” elogiou os progressos atlé-  as camas, enquanto eles gozavam desaver-
         sa intervenção.                    ticos do nosso aspirante…que classificara  gonhadamente.»
           Instado a que «fizesse um “escrito” so-  de «“miséria física (quase)”» mas que se ia   Quando «o clarim tocava o desagradável
         bre a antiga Escola Naval» este aspirante  afirmando em todas as actividades despor-  toque de alvorada, nós levantávamo -nos,
         de Marinha recorda-nos, «desde que em  tivas desde «a carabina Mauser-Vergueiro  mais ou menos ensonados, formávamos
         pequenino “ia para banhos” na praia da  (“ai! O meu ombro!”)» ao florete, sem es-  em linha no corredor das camaratas, onde
         Quarteira», como sentiu «o primeiro ape-  quecer o mais viril sabre, o das aborda-  o oficial de dia já nos esperava e, depois de
         lo para a vida do mar…» saboreando  uma  gens «aos navios da flibusta, do Capitão  verificar que ninguém tinha ficado a dor-
         «deliciosa batata doce cozida ... ainda não  Morgan...!»              mir, dava ordem de destroçar.
         se tinham inventado as magníficas “bolas   «Mas a Luta pela “conquista da fortale-  Daí seguíamos para o pequeno almoço,
         de Berlim”... quando eu já era aspirante».  za” ainda não terminara; faltava a “pro-  constituído por café com leite e “papo-se-
           Depois, os pescadores de Semina e o seu  va de água”… numa viagem à ilha da  cos” com manteiga à discrição.»
         «peixe fresquinho» que vinha da «“arma-  Madeira, no vapor “Gil Eanes”…». Dos   «As refeições eram fartas e boas, eram
         ção” em grandes caíques…», a «torre da  «“convidados”, como nos alcunharam os  especialmente apreciados o bacalhau à
         Medronheira, observatório para vigiar  marinheiros… enjoámos todos, excepto o  “Gomes de Sá” e à “Brás” e as tripas à
         os piratas do Magrebe…» e as descober-  Basílio…que nunca vi enjoado».  moda do “Porto”. O despenseiro era bom
         tas que confirmaram «a minha ânsia de   Da Madeira ficou para sempre o deslum-  e competente, talvez por ter seis dedos em
         ser “um guerreiro do mar”, talvez... um  bramento da aterragem, «umas casinhas  cada mão, o que me fazia confusão.»
         gene herdado de um avoengo que ia para  brancas, que pareciam de bonecas», o Fun-  «No nosso 1.º dia de aulas houve uma
         o mar» combatê-los e, «choque fatal, …  chal, «debruçado  sobre o mar», «as des-  sessão de recepção aos novos alunos,
         uma rua com o nome de “Almirante Cân-  cidas vertiginosas em cestos de vime» e o  presidida pelo Director da Escola, com
         dido dos Reis”.                    «delicioso peixe espada… todos os dias»!  a assistência de vários oficiais do Corpo

         24  SETEMBRO/OUTUBRO 2009 U REVISTA DA ARMADA
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